Contestação pode impedir a estabilização da tutela antecipada, decide o STJ
Matheus Roscoe, Rodrigo Barcellos e Gabrielle Aleluia
A tutela antecipada requerida em caráter antecedente, procedimento criado pelo Código de Processo Civil de 2015 (“CPC/15”), visa suprir casos em que a urgência é imediata à propositura da ação, permitindo ao autor requerer apenas a tutela antecipada, sem apresentar seus pleitos principais.
Entretanto, junto à criação desse instrumento processual, foi criada a figura denominada “estabilização da tutela antecipada”, que ocorre com a não interposição de recurso contra a decisão liminar do juiz, conforme art. 304 do CPC/15:
Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.
A estabilização da tutela antecipada visa pôr fim às demandas sem a necessidade de prosseguimentos do feito e a prática de atos processuais desnecessários, naqueles casos em que o deferimento da tutela é suficiente para que o litígio seja resolvido. Nesse sentido, ensina Humberto Theodoro Junior (1):
Com isso, a decisão proferida por meio de antecipação de tutela, no âmbito do procedimento preparatório, por opção dos próprios interessados, pode produzir seus efeitos sem depender de instauração do processo de conhecimento de cognição plena. São as partes mesmas que se mostram não interessadas no efeito da coisa julgada material. Se ficam satisfeitas com a decisão antecipatória, baseada em cognição sumária, sem força de coisa julgada, mas com potencial para resolver a crise de direito material, não se mostra conveniente obrigá-las a prosseguir no processo, para obter a decisão de cognição plena.
Apesar do artigo 304 do CPC/15 prever que a interrupção da estabilização só ocorre por interposição de recurso, uma questão começou a ser cada vez mais recorrente: partes argumentando que a mera impugnação da decisão, ainda que feita em sede de contestação, deveria também interromper a estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente.
Neste sentido, os tribunais passaram a adotar diferentes formas de interpretação do art. 304, como o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (‘’TJMG’’), que não admitia a interpretação de forma ampla. Ou seja, apenas a interposição de recurso de agravo de instrumento seria suficientemente adequada para impedir a estabilização da tutela antecipada (2):
O art. 304 apresenta uma redação clara em relação ao requisito para se tornar estável a tutela de urgência na modalidade antecipada, isto é, a não interposição de recurso contra a decisão que a conceder. - O legislador optou por utilizar o termo "recurso" contra a decisão que conceder a tutela de urgência, na modalidade antecipada, não cabendo ao intérprete sua ampliação, no sentido de admitir qualquer impugnação para obstaculizar a estabilização da tutela concedida, com a consequente extinção do processo.
Mesmo assim, a polêmica tornou-se cada vez mais frequente e chegou até o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) para determinar se a interpretação seria restritiva ou ampla.
Segundo entendimento unânime da 3º Turma do STJ, o art. 304 deve ser interpretado de forma ampla, de maneira que outras formas de impugnação, como a contestação, possam impedir a estabilização da tutela antecipada. O principal argumento utilizado pelos ministros foi de evitar o congestionamento das instâncias superiores com a interposição de agravos (3):
a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.
Assim, passa a contestação a ser meio viável para estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, pacificando entendimento sobre o tema.
Para mais informações ou esclarecimentos, entre em contato com a equipe do contencioso cível do VLF Advogados.
Matheus Roscoe
Estagiário da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Rodrigo Barcellos
Estagiário da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Gabrielle Aleluia
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I. 56ª. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.
(2) TJMG - AC: 10348160004894001 MG, Relator: Heloisa Combat, Data de Julgamento: 03/11/2016, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/11/2016.
(3) STJ - REsp: 1760966 SP 2018/0145271-6, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 04/12/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/12/2018.