Cessão de energia elétrica no mercado de curto prazo está fora da hipótese de incidência do ICMS
Vinícius Vasconcelos
Não é incomum que empresas que adquirem energia elétrica no mercado livre de energia acabem por demandar mais energia do que aquela que foi comprada por meio das operações bilaterais ocorridas no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia (“CCEE”).
Quando esse é o caso, as empresas aditam ou celebram contratos para acobertar a diferença apurada ou adquirem as sobras de energia relativas a contratos celebrados por outros consumidores atuantes no mercado livre no Mercado de Curto Prazo ao Preço (“MCP”) de Liquidação das Diferenças, que é determinado pela CCEE.
Sobre a energia adquirida no MCP, há estados, como Minas Gerais, que consideram que há incidência de Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (“ICMS”), por entender que tal aquisição configura circulação de mercadoria, posição que é respaldada pelo Convênio ICMS n. 15/2007.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu a favor dos contribuintes ao analisar a questão no julgamento do Recurso Especial n. 1.615.790/MG (1), afastando o entendimento de tributação pelo ICMS.
De acordo com o entendimento do Ministro Relator Gurgel de Faria, seguido à unanimidade por seus pares, a aquisição de energia no Mercado de Curto Prazo, por se referir às sobras energéticas não utilizadas por outros consumidores, é tão somente uma cessão de direito de energia entre consumidores, intermediada pela CCEE, cujo valor já sofreu a incidência do ICMS quando da contratação da energia para fins de consumo. Assim, permitir uma nova tributação pelo ICMS seria permitir um bis in idem não autorizado pelo ordenamento jurídico.
Na ocasião, o Ministro Relator Gurgel de Faria também destacou que os consumidores livres de energia elétrica, apesar de atuarem na CCEE, não são capazes de promover qualquer uma das etapas das operações necessárias de geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica, sem a qual não é possível que haja fato gerador do ICMS.
Outro argumento adotado foi no sentido de que não há habitualidade nem intuito comercial na mera participação no MCP, o que é necessário para que possam ser considerados contribuintes do imposto, a teor do art. 4º da Lei Complementar n. 87/96.
Por tais razões, considerou-se não ser possível a tributação pelo ICMS sobre a aquisição da energia no MCP, de modo a afastar, também, a disciplina do tema pelo Convênio ICMS n. 15/2007, pela contrariedade às definições de hipótese de incidência e de contribuinte estabelecidas na Lei Complementar n. 87/96.
Embora a decisão não tenha sido proferida em julgamento repetitivo, aqueles contribuintes que recolheram ICMS sobre energia adquirida no MCP podem se valer do entendimento expresso no REsp 1.615.790/MG, já transitado em julgado, para pleitear a restituição dos valores já pagos, respeitando o prazo prescricional para ajuizamento da ação de repetição de indébito tributário ou compensação.
Mais informações sobre a tese podem ser obtidas junto à equipe tributária do VLF Advogados.
Vinícius Vasconcelos
Advogado da área tributária do VLF Advogados
(1) STJ. Resp 1.615.790/MG. Primeira Turma. Relator: Ministro Gurgel de Faria. Sessão de julgamento: 20/02/2018. Publicação DJE: 09/04/2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1649416&num_registro=201601924258&data=20180409&formato=PDF>. Acesso em 22/03/2019.