A chegada de datas comemorativas não autoriza o oferecimento de presentes ou brindes a agentes públicos
Fernanda Galvão e Aline Piteres
O excesso de burocracia estatal enfrentado pelas empresas brasileiras é um relevante fomento à corrupção no país. Quem nunca ouviu o jargão: “criar a dificuldade para vender a facilidade”? Pois bem. Seja pela necessidade de obtenção de diversas licenças e alvarás para o exercício de qualquer atividade econômica, pela sobreposição de agentes fiscalizadores, ou pela demora na prestação dos serviços públicos, internaliza-se nas empresas o chamado “custo regulatório” (1), que induz a busca de facilitadores para que as empresas alcancem seus objetivos.
Em contrapartida, tem-se observado “ventos” soprando em direção contrária a essa prática tão arraigada no Brasil, desde os tempos de colônia. Nesse cenário de mudanças, foi editada a Lei n. 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção” ou “Lei”), inspirada na norma norte-americana, que é a base para as legislações anticorrupção de todo mundo, o Foreign Corrupt Practices Act (“FCPA”). O novo diploma legal ainda se inspirou na lei britânica, o UK Bribery Act, e na Convenção sobre Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) (2)(3).
O propósito da legislação brasileira é, justamente, criar mecanismos de prevenção e tentativa de superação dos incontáveis problemas relacionados à corrupção no Brasil. Para tanto, prevê a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas que praticam atos considerados lesivos à administração pública nacional ou estrangeira. Ou seja, as companhias poderão ser responsabilizadas pelos atos de seus prepostos independentemente de terem agido com dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia).
Dessa forma, desde a entrada em vigor da Lei Anticorrupção no Brasil, e com o avanço de importantes investigações, a sociedade brasileira vem assistindo tentativa de diminuição da impunidade. É claro que o Brasil está muito longe de ter um sistema legal eficiente e que pune com rigor seus malfeitores, mas não podemos negar que a semente para atingirmos tal objetivo foi plantada com a edição da Lei.
Assim, é vital que a relação dos entes particulares com os agentes públicos seja sempre pautada na Lei Anticorrupção. Nesse sentido, o oferecimento de presentes a funcionários públicos, seja em prol da criação de uma relação mais amistosa ou a fim de se obter uma vantagem indevida, apesar de ainda ser uma prática muito comum para diversas empresas, em especial quando se aproximam as datas comemorativas, configura uma vedação da Lei Anticorrupção.
Aliás, há de se ponderar, que tal prática já era vedada antes mesmo da edição da Lei, em razão do disposto na Lei n. 8.112/90 (que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais). Contudo, com a mudança do cenário de impunidade antes mencionada, tal prática já não se mostra tão vantajosa, e muitas vezes revela-se arriscada. Assim, presentear juízes, secretarias, cartórios e órgãos de fiscalização, por exemplo, constitui ato que pode culminar na responsabilização da pessoa jurídica, segundo a Lei Anticorrupção.
Inclusive, a vedação é reforçada por diversas normas que regulam o outro lado da relação, proibindo agentes públicos de solicitarem, provocarem, sugerirem e aceitarem presentes ou vantagens de qualquer natureza, mesmo em ocasiões festivas.
Esse é o caso do Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos em exercício na Presidência e Vice-Presidência da República (art. 10, II, Decreto nº 4.081/02), da lei que regula a atuação dos servidores públicos (art. 117 e 132, Lei nº 8.112/90), do Código de Ética da Magistratura (art. 17), do Código de Ética dos Servidores do Supremo Tribunal Federal (art. 15) e do Código de Ética dos Servidores do Tribunal de Contas da União (art. 6º, XI, Resolução-TCU nº 226).
Ilustrativamente, o que dispõe a Código de Ética da Magistratura:
Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.
A Lei n. 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, ainda dispõe:
Art. 117. Ao servidor é proibido:
(...)
XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;
Assim, antes de presentear um agente público, deve-se ter em mente qual a real motivação da companhia para realização daquele ato. A aceitação de presentes só será permitida em razão de laços de parentesco ou amizade, desde que o seu custo seja arcado pelo próprio ofertante, ou quando ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos protocolares em que houver reciprocidade ou em razão do exercício de funções diplomáticas. Essas são as determinações da Resolução n. 03/00, editada pela Comissão de Ética Pública – órgão do Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal, que tem como finalidade promover atividades que dispõem sobre a conduta ética no âmbito do Executivo Federal –, mas que se aplica analogicamente aos demais poderes da Administração Pública.
Fora dessas hipóteses, a referida Resolução apenas admite a aceitação de brindes, que cumprem, cumulativamente, os seguintes requisitos: i) não ultrapassem o valor unitário de R$ 100,00 (cem reais); ii) cuja periodicidade seja inferior a 12 (doze) meses; e iii) que sejam de caráter geral e, portanto, não se destinem a agraciar exclusivamente uma determinada autoridade.
Ressalta-se que, em caso de violação da Lei, as sanções impostas são muitas, dentre elas, a limitações para receber subsídios governamentais e imposição de multa pecuniária, que pode chegar a 20% do faturamento bruto da empresa.
Assim, a chegada da Páscoa não deve ser encarada como uma janela de oportunidades para a distribuição de chocolates finos e cestas para agentes reguladores, funcionários de secretarias de repartições públicas, magistrados, enfim, agentes públicos em geral. Tal prática viola a Lei Anticorrupção e, por esse motivo, pode culminar em responsabilidade civil e administrativa dos envolvidos.
Portanto, nessa Páscoa, o mais sensato a se fazer, e juridicamente mais seguro, é abster-se de oferecer qualquer presente a funcionários públicos, seja uma caixa de bombom, ou uma cesta de chocolates.
Fernanda Galvão
Sócia executiva da equipe de consultoria do VLF Advogados
Aline Piteres
Trainee da equipe de consultoria do VLF Advogados
(1) MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da Lei Anticorrupção – Reflexões e interpretações prospectivas.
(2) Convenção sobre Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
(3) MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da Lei Anticorrupção – Reflexões e interpretações prospectivas.