O que mudou na desconsideração da personalidade jurídica com a MP da Liberdade Econômica?
Yuri Dias
A responsabilização de sócios e administradores por dívidas de suas empresas é assunto que gera debates acalorados dentro e fora do mundo jurídico.
No âmbito das relações civis, a desconsideração da personalidade jurídica está disposta no artigo 50 do Código Civil, que foi recentemente alterado pela Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019 (“MP 881/2019”) (1), também chamada de “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”.
A desconsideração da personalidade jurídica é instituto que permite considerar ineficaz, em caráter episódico e excepcional, a personalidade jurídica e a autonomia patrimonial de uma pessoa jurídica, com o intuito de estender os efeitos de suas obrigações à pessoa de seus titulares, sócios e/ou administradores.
Com o texto da MP da Liberdade Econômica atualmente em vigor, os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica foram conceituados expressamente, atribuindo força de lei ao posicionamento dos tribunais que se mostrava mais restritivo à responsabilização dos sócios por dívidas da sociedade.
Embora o desvio de finalidade e a confusão patrimonial já fossem previstos como condições da desconsideração, eles passaram a ser expressamente definidos como “a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos” e “a ausência de separação de fato entre os patrimônios da pessoa jurídica e dos seus sócios”, respectivamente.
Nota-se, com isso, que o desvio de finalidade passou a contar com o intuito doloso do sócio ou administrador que, intencionalmente, utiliza sua empresa para prejudicar credores ou praticar crimes. Em um processo judicial, portanto, o credor interessado em atingir o patrimônio individual do sócio de uma pessoa jurídica passa a ter que provar a má-fé da outra parte, o que costuma ser desafiador na prática processual.
A confusão patrimonial, por sua vez, também deverá ser comprovada num eventual processo judicial por meio da demonstração de que a pessoa jurídica é utilizada para cumprir reiteradamente os compromissos financeiros do seu sócio e vice-versa.
Além disso, a transferência de patrimônio entre a pessoa jurídica e seu sócio ou administrador sem contraprestação proporcional, isto é, sem preço adequado, poderá ser vista como confusão patrimonial.
Outra mudança significativa trazida pela MP 881/2019 diz respeito ao chamado grupo econômico, que são pessoas jurídicas diferentes que compartilham os mesmos sócios e possuem objetos sociais semelhantes. Com a nova regra, a simples existência de um grupo econômico não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, que somente ocorrerá quando estiver presente o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.
Por fim, destaca-se que a MP 881/19 acrescenta, ainda, a possibilidade expressa da chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica para alcançar os bens de titulares que se valem da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, hipótese que já era reconhecida na jurisprudência.
Mais informações ou esclarecimentos sobre o tema podem ser obtidas com a equipe de Contencioso Cível Estratégico do VLF Advogados.
Yuri Dias
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) MP 881, de 30 de abril de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm>. Acesso em: 21 de maio de 2019.