Medida Provisória nº 881 gera reflexos importantes na área do Direito Público
Izabella Sabatini e Maria Tereza Fonseca
A Medida Provisória nº 881/2019 (1), que instituiu a Declaração da Liberdade Econômica ("MP 881/2019"), pretende desburocratizar e proteger a livre iniciativa, restringindo, para tanto, a atuação do Estado e da Administração Pública.
A “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, como foi denominada a medida, terá maior impacto no direito privado, porém trouxe alterações relevantes no Direito Público (Administrativo, Econômico e Urbanístico).
A MP 881/2019 foi idealizada para tentar diminuir os seguintes problemas identificados pelo Ministério da Economia: alta taxa de desemprego, estagnação econômica, recuperação lenta da recessão, altas cargas regulatórias e burocráticas, insegurança jurídica, entre outros (2).
Acerca do papel do Estado no domínio econômico, a MP 881/2019 dispõe sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador (art. 1º); trata do exercício do poder regulatório (art. 4º) e da intervenção mínima do Estado nas relações contratuais privadas. Trata-se de proposta que visa reduzir a interferência do Estado na atividade econômica.
As normas que tratam do âmbito de aplicação da MP 881/2019 (art. 1º); princípios que norteiam a liberdade econômica (art. 2º); direitos essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País (art. 3º) e o exercício do poder regulatório pela Administração pública, aplicam-se aos atos públicos de liberação da atividade econômica executados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Tais normas possuem essa abrangência porque foram consideradas normas gerais de direito econômico, conforme definido no art. 1º, § 3º da MP 881/2019.
A MP 881/2019 estabelece parâmetros legais para a criação de ferramentas que conferem às pessoas físicas, jurídicas e agentes econômicos privados maiores prerrogativas no desempenho de atividades econômicas de baixo risco e, portanto, de menor tutela do Estado (art. 3º, inciso I). Uma das alterações exige, por exemplo, que os entes públicos realizem análise de impacto regulatório para avaliar os possíveis efeitos da edição de ato normativo de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados. Tal análise, segundo o art. 5º da MP 881/2019 deverá conter, na forma do regulamento a ser editado, informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo e a razoabilidade do seu impacto econômico.
Para a MP 881/2019, é dever da Administração Pública evitar o abuso do poder regulatório, a partir das seguintes medidas descritas no art. 4º:
I - criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;
II - redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado;
III - criar privilégio exclusivo para determinado segmento econômico, que não seja acessível aos demais segmentos;
IV - exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado;
V - redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;
VI - aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios;
VII - criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço, ou atividade profissional, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros;
VIII - introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas; e
IX - restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei.
Em que pese a importância dos temas tratados na exposição de motivos da MP 881/2019 e a real necessidade de se criar medidas efetivas que possam contribuir para o desenvolvimento das atividades econômicas e para a livre iniciativa, merece análise a via escolhida pelo governo para apresentar a declaração da liberdade econômica. A Constituição da República destaca a urgência e relevância como requisitos para a edição de Medida Provisória (art. 62 CR/1988), premissas que podem não estar preenchidas no tema em questão.
Outra mudança problemática para o Direito Público diz respeito à instituição da aprovação tácita de prática de ato solicitado pelo particular. De acordo com o artigo 3º, IX, da MP 881/19, caso não haja resposta para solicitação de atos públicos relativos ao Direito Ambiental, este será presumido como aceito.
Apesar de idealizar a diminuição da burocracia no trato com o Poder Público, a MP 881/2019 pode gerar certa insegurança jurídica às empresas que precisarem, por exemplo, solicitar aos órgãos ambientais e administrativos, licença ambiental para o funcionamento do seu negócio. Isso porque, pelo princípio da discricionariedade característico do Direito Público, possibilita-se a fixação de prazo superior para emissão da referida licença, o que pode acabar resultando em prejuízos financeiros ao empresário.
Em outras palavras, para não exceder o prazo que levaria à sua “aceitação tácita”, a Administração Pública poderá estabelecer um termo bem distante, o que, na realidade, impactará negativamente na otimização do tempo gasto com as burocracias do setor público.
Além disso, observa-se que o texto da MP 881/2019 está repleto de termos jurídicos indeterminados e previu a edição de diversos regulamentos para que possa ser aplicado – o que pode retardar o alcance dos objetivos propostos.
Izabella Sabatini
Advogada da Área de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca
Sócia e Coordenadora da Área de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) MP 881, de 30 de abril de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm> Acesso em: 17 de maio de 2019.
(2) Texto de apresentação da “MP Liberdade Econômica” pelo Governo Federal. Disponível em: <http://www.economia.gov.br/central-de-conteudos/apresentacoes/2019/apresentacao-mp-liberdade-economica.pdf/view> Acesso em: 17 de maio de 2019.