O que a Receita Federal considera como prêmios isentos das contribuições previdenciárias, após a Reforma Trabalhista?
Rafhael Frattari, Daniel Ribeiro e Larissa Carvalho
Publicada no dia 14 de maio de 2019, a Solução de Consulta COSIT nº 151(1) afirmou que as contribuições previdenciárias não incidem sobre os prêmios e abonos recebidos por segurados empregados, nos termos do art. 28, parágrafo 9º, alínea “z” da Lei nº 8.212/1991, com as alterações que lhe foram feitas pela Lei nº 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”)(2). A mesma Lei alterou ainda a Consolidação das Leis do Trabalho, especialmente o art. 457, que assim restou estampado no que importa ao tema:
Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
(...)
§ 2º - As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.
(...)
§ 4º - Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.
A Instrução Normativa nº 1.867, de 25 de janeiro de 2019, seguiu exatamente o texto da legislação trabalhista. Assim, a Solução de Consulta COSIT nº 151 definiu os critérios para a não incidência das contribuições previdenciárias sobre os prêmios e abonos, por desempenho superior, ao prever que a verba deve:
(1) ser paga individualmente a determinado empregado ou coletivamente a grupo de empregados;
(2) ser paga em forma de bens, de serviços ou de valor em dinheiro;
(3) constituir uma liberalidade concedida pelo empregador;
(4) ser paga em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício das atividades do empregado.
Os dois primeiros requisitos são bastante simples, e sua compreensão não exige qualquer esforço interpretativo. Não se pode dizer o mesmo dos dois últimos, conforme reconhece a própria Solução de Consulta, especialmente do terceiro requisito.
De fato, a compreensão do que seja “liberalidade do empregador” pode fazer toda a diferença, à medida que se entenda por liberalidade: i) a ausência de determinação legal ou, o que é bem mais amplo; ii) a ausência também de acordo entre as partes, que preveja o prêmio.
No entendimento fiscal exposto na Solução de Consulta COSIT nº 151/2019, para que haja liberalidade do empregador deve inexistir lei que o obrigue ao pagamento do prêmio e também não poderia haver “contrato de trabalho, convenção coletiva, regulamento da empresa etc., tendo em vista que, nesses casos, não se caracteriza a liberalidade do empregador”. Noutro trecho, a Solução de Consulta COSIT nº 151 diz que o prêmio por desempenho superior “não poderá decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso”, caso contrário haverá incidência das contribuições.
Assim, para a Receita Federal, a verba concedida por liberalidade é sinônimo de verba não prevista na relação entre o empregador e o empregado, seja por decorrência de lei, seja por contrato de trabalho (norma individual), convenção coletiva, ou mesmo de regulamento da empresa.
Nesta linha, segundo o Fisco, o empregado deve ser simplesmente surpreendido com o recebimento do prêmio, já que ele não pode estar previsto em lugar algum, salvo no generoso íntimo do seu empregador. O curioso deste entendimento é que ele parece ser incompatível com o requisito posterior, já que a Receita entende que o empregador deverá comprovar “objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado”. Do que se depreende dos dois requisitos, é de se supor que a possibilidade do recebimento de prêmio há de ser mantida em segredo para os empregados, assim como qual o desempenho eles devem atingir para merecê-lo, critério que deve ser conhecido e provado apenas pelo empregador.
Pela própria estranheza do raciocínio se vê que o entendimento da Receita Federal é tortuoso e simplesmente tenta restringir ao máximo o que deve ser considerado prêmio e/ou abono, ao largo da tributação previdenciária. Em suma: a Solução de Consulta COSIT nº 151 mostra preocupação com a arrecadação, não com a lógica jurídica.
Ora, quando o texto legal utiliza o termo “liberalidade” do empregador, o que a norma produzida a partir dele indica é que o prêmio/abono não pode ser uma obrigação estabelecida pelo legislador, porque daí, obviamente, não há qualquer espaço para que o empregador manifeste a sua vontade.
Em outros termos: direito previsto em lei é dever jurídico para o empregador, inescapável, cujo reconhecimento independe de sua vontade ou liberalidade, naturalmente.
Ao contrário, quando a lei não exige a submissão à determinado dever jurídico, mas o empregador se propõe a submeter-se a ele por sua vontade, estabelecida em contrato de trabalho (ou seja lá onde for), tem-se a assunção de dever jurídico por liberalidade (e não por determinação legal), tendo em vista a ausência de norma a prescrevê-lo.
Esse parece ser o entendimento, inclusive, de algumas decisões judiciais que tangenciam o assunto, mas que chancelaram prêmios estabelecidos em ajustes expressos entre empregado e empregador, como se tais avenças não prejudicassem a ideia de liberalidade, proferidas já em 2019:
PRÊMIO ASSIDUIDADE E BÔNUS DE PERMANÊNCIA. NATUREZA INDENIZATÓRIA CONVENCIONADA EM NORMA COLETIVA. NÃO INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO. Ajustada por norma coletiva, com base na autonomia coletiva da vontade, a natureza indenizatória dos prêmios e gratificações pagos por liberalidade do empregador, e não se tendo apontado qualquer vício na negociação, deve prevalecer o que convencionado. Não há como deixar de aplicá-la porque o ordenamento jurídico (art. 7º, inciso XXVI da Carta da República e 611-A da Lei Consolidada) prestigia e reconhece a negociação coletiva como mecanismo não apenas de conquista de novos direitos, mas também de adequação das relações de trabalho à realidade das partes que, melhor do que ninguém, conhecem suas necessidades, desde é claro que respeitem as balizas previstas nas normas que a autorizam. Prevalece, pois, o convencionado sobre a norma contida no art. 457 da Lei Consolidada, não integrando a remuneração do trabalhador (...). Recurso parcialmente provido. (TRT 24ª R.; RO 0024877-98.2017.5.24.0071; Segunda Turma; Rel. Des. Francisco das Chagas Lima Filho; Julg. 29/04/2019; DEJTMS 29/04/2019; Pág. 466)
COMISSÕES. REFLEXOS. PRÊMIO INCENTIVO. ATINGIMENTO DE METAS. O próprio reclamante afirma em seu depoimento pessoal que a verba recebida dependia do atingimento de metas, que eram estabelecidas por campanhas periódicas da reclamada, sendo que os percentuais e as metas eram temporárias. Assim, trata-se de verba paga por liberalidade da reclamada, não se confundindo com comissão, sendo indevidos os reflexos pleiteados. Recurso Adesivo da reclamada a qual se dá provimento, no aspecto. (TRT 2ª R.; RO 1001681-39.2017.5.02.0445; Décima Quarta Turma; Rel. Des. Davi Furtado Meirelles; DEJTSP 03/04/2019; Pág. 17206)
Portanto, a posição restritiva da Receita Federal poderá ser questionada pelos contribuintes que quiserem celebrar acordos com os seus empregados com a previsão de prêmios/abonos por desempenho extraordinário, prevendo regras claras e instrumentos objetivos para a avaliação que justifiquem o pagamento.
A questão da habitualidade, que outrora mostrava-se o ponto sensível do tema, parece ter sido superada pela redação do parágrafo 2º do art. 457 da CLT, mas se sugere que o pagamento dos prêmios não seja superior a duas parcelas anuais, em paralelo ao exigido na legislação da Participação nos Lucros e Resultados, apenas como medida de prudência.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com as equipes de Tributário e Trabalhista do VLF Advogados.
Rafhael Frattari
Sócio da área Tributária do VLF Advogados.
Daniel Ribeiro
Sócio-executivo da área Trabalhista do VLF Advogados.
Larissa Carvalho
Advogada da área Trabalhista do VLF Advogados.
(1) Solução de Consulta COSIT nº 151, de 14 de maio de 2019. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100859>. Acesso em: 23 de maio de 2019.
(2) Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>. Acesso em: 23 de maio de 2019