Como a tecnologia pode ser útil e otimizar os processos judiciais: a utilização da ata notarial como prova no ambiente digital
Henrique Gobbi
É inegável o impacto da tecnologia no cotidiano dos operadores do direito. Vivemos a revolução do processo eletrônico, a expansão vertiginosa das lawtechs, temos mecanismos de mensagens e vídeo chamadas sendo utilizados por cartórios e juízes para fins de integração processual.
A infraestrutura brasileira de chaves públicas garante segurança na assinatura e autenticidade de documentos eletrônicos que compõe o processo digital, mas como garantir a mesma segurança e confiabilidade para documentos que fogem desses parâmetros?
O Código de Processo Civil (“CPC/2015”) contempla, em seus artigos 439 e 441, a utilização de documentos eletrônicos ou digitalizados em processo convencional, desde que atendidas as exigências legais necessárias.
Não é nenhuma novidade a utilização da ata notarial para fins de prova no processo judicial, mas antes de adentrarmos no ponto central de nossa discussão é necessário conceitualizar esse instituto.
A Ata Notarial, segundo conceito formulado por José Antonio Escartin Ipiens, é:
o instrumento público autorizado por notário competente, a requerimento de uma pessoa com interesse legítimo e que, fundamentada nos princípios da função imparcial e independente, pública e responsável, tem por objeto constatar a realidade ou verdade de um fato que o notário vê, ouve ou percebe por seus sentidos, cuja finalidade precípua é a de ser um instrumento de prova em processo judicial, mas que pode ter outros fins na esfera privada, administrativa, registral, e, inclusive, integradores de uma atuação jurídica não negocial ou de um processo negocial complexo, para sua preparação, constatação ou execução.
Com a larga utilização dos meios digitais no cotidiano da população em geral, seja por meio dos smartphones ou computadores, para tarefas básicas que vão desde o internet banking para pagamento das contas, passando pelos aplicativos de transporte, chegando aos relacionamentos intermediados pelas rede sociais e aplicativos de mensagens, nos vemos em um cenário no qual viver sem essas facilidades se tornou árdua tarefa. Prova disso é: qual foi a última vez que você conversou com o gerente do seu banco ou ligou para um ponto de taxi para solicitar um carro?
Na mesma proporção em que a utilização desses serviços aumenta, cresce também os defeitos nas prestações relacionados a eles gerando, tal como qualquer outra relação jurídica, demandas legais relacionadas a ela.
A questão que vem ganhando relevo com essa mudança de cenário é exatamente como transportar o fato ocorrido no ambiente eletrônico fazendo com que ele ganhe a força probante necessária dentro de um procedimento judicial.
Alguns pensariam em se utilizar da perícia judicial para constatar a veracidade e validade de determinado evento virtual, contudo, ela se revela demasiadamente demorada e dispendiosa, o que, pela dinâmica dos ambientes virtuais, poderia não atingir o resultado necessário. Digo isso pois, em não raros os casos de ofensa a honra através das redes sociais, o ofensor pode editar ou simplesmente apagar o comentário, de forma que se o ofendido precisa legitimar o fato perante o juiz, o meio da perícia judicial não seria o ideal.
Cito como exemplo concreto a jurisprudência a seguir:
DANO MORAL. Ofensas ao autor por meio da rede social Facebook. Imputações caluniosas e injuriosas. Requerido comprovadamente autor das ofensas. Publicações realizadas a partir de seu IP (Internet Protocol). Ausência de indícios consistentes de autoria por terceiros. Dever de indenizar por danos morais. Impropérios que ultrapassam o direito de crítica e de livre manifestação. Liberdade de expressão que não deve se sobrepor aos direitos fundamentais da honra e imagem. Critérios de fixação dos danos morais. Funções ressarcitória e punitiva. Quantum indenizatório mantido, à luz das circunstâncias do caso concreto. Recurso improvido. (TJSP; Apelação nº 1003152-12.2016.8.26.0347; Rel. Des. Francisco Loureiro; j. 1º/12/2017).
Com isso em mente, temos aqui a oportunidade perfeita de se valer da ata notarial para registrar, com a fé pública com a qual o notário conta, determinado evento ou fato ocorrido em ambiente virtual com a celeridade necessária e contando com um custo infinitamente inferior ao de uma perícia judicial, podendo ser utilizada em procedimento judicial a qualquer tempo, uma vez que estará blindada contra o perdimento ou alteração posterior do ambiente virtual no qual foi colhida.
Diante dessas considerações, podemos afirmar que a Ata Notarial é instrumento idôneo, uma vez que goza de fé pública conforme regulação dada pela Lei Federal 8935/94, em especial em seus artigos 6º e 7º, além de ser amplamente admitida dentro do sistema processual pátrio.
Henrique Gobbi
Advogado coordenador da equipe de Direito Consumerista do VLF Advogados