Nova Lei cria a Empresa Simples de Crédito
Fernanda Galvão e Aline Piteres
Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 25 de abril de 2019, a Lei Complementar n. 167 (“LC 167/2019”) instituiu a Empresa Simples de Crédito (“ESC”), um mecanismo para a realização de operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito às micro e pequenas empresas nacionais.
A iniciativa nasce a partir da dificuldade das empresas de pequeno porte em obterem empréstimos nos grandes bancos e da inexistência de linhas de crédito específicas à suas necessidades. Conforme estudo realizado pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (“Sebrae”), das 3.020 (três mil e vinte) micro e pequenas empresas estudadas, 20% já tiverem o pedido de empréstimo negado pelos bancos, e, destas, 21% apontaram que a recusa decorreu da inexistência de linhas específicas às suas necessidades (1).
Assim, o governo instituiu a ESC, com expectativa de injeção de R$20.000.000,00 (vinte bilhões de reais) por ano em novos recursos para pequenos negócios no Brasil, conforme informado no site do Senado Federal (2).
Sua criação, no entanto, deve observar alguns parâmetros definidos em Lei. Conforme art. 2º da LC 167/19, a ESC deverá adotar a forma de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (“EIRELI”), empresário individual ou sociedade limitada constituída exclusivamente por pessoas naturais. Como objeto social, a ESC terá, exclusivamente, as atividades de realização de operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito.
Essas operações deverão, ainda, ser realizadas exclusivamente com capital próprio, estando vedada a captação de recursos junto a bancos ou terceiros para contrair empréstimos.
O nome empresarial da ESC deverá conter a expressão “Empresa Simples de Crédito”, estando vedada a utilização da expressão “banco” ou qualquer outra expressão identificadora de instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil (“Bacen”).
Vale ressaltar que apesar da natureza de instituição financeira, a ESC não está sujeita às regulações do Bacen, nem aos controles de entrada estipulados por esta instituição. Seu tratamento legal não está integrado ao Sistema Financeiro Nacional (“SFN”), de forma que a lei veda mecanismos que possam induzir a erro o empresário interessado em contrair empréstimo junto à uma ESC.
Por outro lado, a ESC pode ser fiscalizada pelo Bacen na hipótese de infringência das normas do SFN, como bem pontua Haroldo Verçosa (3). Trata-se de uma hipótese de controle repressivo, que poderá, inclusive, atrair a aplicação de medidas contra a empresa e seu titular.
Destaca-se, ainda, que é condição de validade das operações realizadas pela ESC o registro delas em entidade registradora autorizada pelo Bacen ou pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”). É facultado ao Bacen, também, não constituindo violação ao dever de sigilo, o acesso às informações decorrentes deste registro, para fins estatísticos e de controle macroprudencial (4) do risco de crédito.
Ademais, como parâmetro a ser observado pela ESC, seu âmbito de atuação está restrito ao município de sua sede e limítrofes, sendo que a mesma pessoa natural não poderá participar de mais de uma ESC, ainda que localizadas em municípios distintos ou sob a forma de filial.
Quanto ao seu capital, estipula o art. 2º da LC 167/19 que deverá ser integralmente realizado em moeda corrente e o valor total das operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito da ESC não poderá ser superior ao capital realizado. Além disso, sua receita bruta anual deverá respeitar os limites impostos à Empresa de Pequeno Porte (“EPP”), considerando-se receita bruta a remuneração auferida pela ESC com a cobrança de juros.
Noutro giro, conforme art. 5º da LC 167/19, a remuneração da ESC somente poderá ocorrer por meio de juros remuneratórios, sendo vedada a cobrança de quaisquer outros encargos, mesmo sob a forma de tarifa. A esses juros, no entanto, não se aplicam as limitações previstas na Lei da Usura e no Código Civil.
Ademais, a movimentação dos recursos da ESC deverá ser realizada exclusivamente mediante débito e crédito em contas de depósito de titularidade da ESC e da pessoa jurídica contraparte na operação. A ESC ainda deverá providenciar a anotação em bancos de dados de informações de adimplemento e de inadimplemento de seus clientes, assim como manter escrituração, com observância das leis comerciais e fiscais, e transmitir a Escrituração Contábil Digital (“ECD”) por meio do Sistema Público de Escrituração Digital (“Sped”).
A inobservância dos limites acima referidos, nos termos estipulados pela LC 167/19, constitui crime, na forma de seu art. 9º desta norma. Assim, a violação dos limites regionais e operacionais do limite máximo das operações e das formas de remuneração estipulados pela lei sujeita a ESC à sanções penais (reclusão e pena de multa).
A existência de todas essas regulações, no entanto, não afasta os riscos de concessão de crédito a que a pessoa disposta a instituir uma ESC está sujeita. A LC 167/19, no sentido de amenizar este risco, concede à ESC o direito de utilizar-se da alienação fiduciária em suas operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito (art. 5º, §1º).
Além do risco mencionado, a nova legislação deixa uma dúvida. Afirma o art. 7º da LC 167/19 que as ESC estão sujeitas aos regimes de recuperação judicial e extrajudicial e ao regime falimentar regulados pela Lei nº 11.101/05 (“Lei de Falências”). O art. 2º, inciso II, desta lei, no entanto, excepciona o tratamento dado às instituições financeiras, de forma que se questiona qual seria o enquadramento da ESC. Seria possível a decretação pelo Bacen de atos de intervenção, de Regime de Administração Especial Temporária (“RAET”) e de liquidação extrajudicial às ESC?
Apenas o transcurso do tempo – com o posicionamento da doutrina e consolidação da jurisprudência – resolverá essas questões, mostrando-nos a consolidação, ou não, deste instituto no Brasil.
Fernanda Galvão
Sócia executiva da equipe de consultoria do VLF Advogados
Aline Piteres
Trainee da equipe de consultoria do VLF Advogados
(1) DINIZ, Ana Carolina. Empresa Simples de Crédito: conheça a lei polêmica de empréstimo para pequenos empresários. O Globo, 2019. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/emprego/empresa-simples-de-credito-conheca-lei-polemica-de-emprestimo-para-pequenos-empresarios-23659768>. Acesso em 24 de junho de 2019.
(2) Empresa simples de crédito vira lei. Senado Federal, 2019. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/04/25/empresa-simples-de-credito-vira-lei>. Acesos em 24 de junho de 2019.
(3) VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. A Empresa Simples de Crédito – ESC: nova modalidade disfarçada de instituição financeira. Migalhas, 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI301439,21048-A+Empresa+Simples+de+Credito+ESC+nova+modalidade+disfarcada+de>. Acesso em 24 de junho de 2019.
(4) O controle macroprudencial é um conjunto de políticas direcionadas ao sistema financeiro, visando sua estabilidade.
(5) BRASIL. Lei Complementar nº 167, de 24 de abril de 2019. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp167.htm>. Acesso em 24 de julho de 2019