Relatório da ICC aponta para um cenário favorável para a arbitragem em todo o mundo
Laís Sacchetto e Marina Leal
A Câmara de Comércio Internacional ("ICC"), uma das mais importantes instituições arbitrais do mundo, divulgou recentemente as estatísticas de resolução de disputas de 2018, baseadas nos casos administrados por ela ao longo do ano (1). Muito embora as estatísticas sejam exclusivas da ICC, elas provavelmente refletem tendências mais amplas, já que se trata da instituição arbitral de maior projeção internacional.
Desde seu estabelecimento em 1923, a Corte Internacional de Arbitragem (“Corte”), tida como a entidade arbitral da ICC, tem forte atuação nas arbitragens comerciais, resolvendo conflitos sobre contratos, propriedade intelectual, joint venture, acordos de compra e venda de ações, projetos de construção e infraestrutura, entre outros. A partir dos dados divulgados no relatório, o que se verifica é que a arbitragem continua sendo o método de preferência das partes para resolver disputas nesses ramos: apenas em 2018, 842 novos casos foram registrados na Corte, envolvendo 2.282 partes de 135 países e territórios de todo o mundo – as quais, em sua grande maioria, são entidades comerciais.
Do total de partes envolvidas em disputas registradas na Corte no último ano, 40,8% são provenientes de países da Europa, 25,6% da Ásia, 14,9% da América Latina e Caribe, 10,8% da América do Norte e 7,9 % da África. A esse respeito, destaca-se que o Brasil agora ocupa o terceiro lugar no ranking de nacionalidades mais frequentes entre as partes nos casos registrados em 2018, atrás dos Estados Unidos e da França. Esse dado parece ser um reflexo da abertura, em 2017, do escritório regional de gestão de casos em São Paulo, que administra principalmente casos em que as partes são brasileiras.
A diversidade dos tribunais arbitrais, tal como a de partes, também cresceu. Apesar dos árbitros do Norte e Oeste da Europa continuarem a dominar os painéis da ICC, com 52,6% de todas as nomeações, árbitros de outras regiões também foram indicados, totalizando 87 jurisdições. No último ano, inclusive, os árbitros da América Latina e do Caribe totalizaram mais de 13% das nomeações. Os tribunais, em sua maioria, foram constituídos com três árbitros, sendo a designação destes feita pelas próprias partes ou pelos coárbitros em 73% dos casos.
Em que pese a média de idade dos árbitros ter sido 56 anos, os mais jovens também chamaram a atenção nas estatísticas, com 35% dos árbitros nomeados em 2018 com menos de 50 anos. Já o número de mulheres que atuam como árbitro permanece baixo, com 18,4% das nomeações confirmadas em 2018. Contudo, esses números têm aumentado a cada ano, seja com a atuação de mulheres como a presidente do tribunal arbitral, árbitra única ou coárbitra.
Quanto aos locais de realização das arbitragens da ICC, foram 108 cidades em 60 países distintos. A França continua sendo o país mais selecionado para as disputas, seguida pela Suíça, pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. De se destacar que o Brasil ocupa o quinto lugar, ao lado de Singapura, no ranking dos países mais selecionados para sediar arbitragens da Câmara, especialmente a cidade de São Paulo – trata-se da 7º cidade eleita com mais frequência no mundo.
A natureza das disputas foi bastante diversa, abrangendo categorias como agronegócio, tecnologia, energia, finanças, prestação de serviços, comércio, segurança, saúde, proteção ambiental etc. No entanto, apenas os casos relativos aos setores de energia e de construção e infraestrutura somaram quase 40% do total de disputas. Considerando esse dado, não impressiona que a média de valores dos casos distribuídos em 2018 tenha sido de US$ 45 milhões.
Para os casos cujo valor da causa não exceda US$ 2 milhões, há a previsão automática do que se chama de Expedited Procedure, ou Procedimento Acelerado, pelo qual as disputas são resolvidas de forma mais rápida e a custos menores. O prazo médio para obter uma sentença definitiva nesse tipo de procedimento é 6 meses, contrastando com a duração média de 2 anos e 4 meses dos demais procedimentos na Corte. Naturalmente, cada caso é único, e muitas vezes as partes concordam em suspender o processo – por exemplo, para tentar chegar a um acordo; de toda forma, tem havido um esforço constante da ICC no sentido de implementar novas práticas para manter e aumentar a eficiência das arbitragens (2).
O relatório da ICC ainda menciona os dados do Centro Internacional de ADR (3), o qual recebeu 70 novos casos em 2018 para resolução de disputas por outros meios que não a arbitragem, tais como a mediação e os dispute boards (comitês de resolução de disputas). De uma forma ou de outra, fato é que as pessoas têm buscado alternativas interessantes às ações judiciais para resolver os seus conflitos, especialmente quando buscam economia de tempo e/ou soluções mais técnicas.
Laís Sacchetto
Estagiária da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Marina Leal
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) O relatório disponibilizado pela ICC pode ser baixado no seguinte endereço: <https://iccwbo.org/media-wall/news-speeches/icc-arbitration-figures-reveal-new-record-cases-awards-2018/>. Acesso em: 11 jun. 2019.
(2) Como exemplo, cita-se a possibilidade de redução dos honorários arbitrais no caso de atraso na entrega das sentenças dentro dos parâmetros delimitados pela Câmara, a menos que tal atraso seja atribuível a fatores que fogem ao controle dos árbitros. De acordo com a ICC, tal medida já demonstrou algum sucesso: enquanto 54% das sentenças estavam atrasados em 2016, apenas 38% estavam atrasadas em 2018.
(3) ADR significa Alternative Dispute Resolution, que são meios alternativos/adequados de resolução de conflitos fora do Poder Estatal