MP 869/18 convertida em Lei 13.853/19 é parcialmente vetada
Fernanda Galvão e Maria Clara B. Mota
Inspirado no General Data Protection Regulation (“GDPR”) promulgado pela União Europeia, o Brasil avançou na regulamentação do uso de dados pessoais. Em 2018, foi promulgada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (“LGPD”), a Lei Federal nº 13.709/18 , com o objetivo de proteger direitos fundamentais como a privacidade e a liberdade (1).
A LGPD, cuja maior parte entrará em vigor 24 (vinte e quatro) meses após a data de sua publicação, será aplicada desde que (i) o uso ou coleta dos dados ocorra no território nacional; ou (ii) os titulares dos dados estejam no Brasil; ou (iii) quando a coleta de dados for referente a serviços realizados no Brasil (1)(2).
Uma das previsões da LGPD estabelecia a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”). Essa previsão foi vetada pelo ex-Presidente Michel Temer, mediante o argumento de que incumbe ao Poder Executivo a atribuição de criar tal órgão. Nesse contexto, em 27/12/2018 Temer promulgou a Medida Provisória (MP 869/18), a fim de criar a ANPD e alterar algumas provisões da Lei (3).
Na sequência, em 08/07/2019, a MP foi convertida na Lei Federal nº 13.853/2019. Segundo essa lei, compete à ANPD: zelar pela proteção de dados pessoais e segredos comerciais/industriais; fiscalizar, inclusive por meio de auditorias, e aplicar sanções frente ao descumprimento da legislação, sendo garantido o contraditório; elaborar diretrizes para a política nacional de proteção de dados; promover estudos, estímulos e ações de cooperação relacionadas à proteção de dados; solicitar às entidades do poder público a realização de operações de tratamento de dados, nas quais deverão ser informados o âmbito, a natureza e demais detalhes do tratamento realizado; editar normas de regulamentação; e criar um canal, inclusive eletronicamente, para o registro de reclamações (4).
A expectativa é que a atuação da ANPD contribua para a efetivação das determinações contidas na LGPD e, consequentemente, aumente a eficácia da Lei. Em consonância com as medidas adotadas pelo novo governo, determinou-se que a ANPD “deve observar a exigência de mínima intervenção” (4).
Importante ressaltar, contudo, que o Presidente Jair Bolsonaro não sancionou a Lei Federal nº 13.853/2019 em sua integridade. Foram feitos quatro vetos:
a) Alterações no § 3º do art. 20 da LGPD:
A redação originária do texto encaminhado para sanção estabelecia que qualquer decisão feita exclusivamente de forma automatizada estaria sujeita a revisão humana. O Presidente considerou que esse processo de double check inviabilizaria o atual modelo de negócio de muitas empresas o que poderia comprometer a oferta de crédito aos consumidores em virtude do aumento de custos que esse tipo de reavaliação pode gerar para a concessão de crédito. A Presidência argumentou também que isso poderia gerar reflexos na economia como “composição de preços, (…), nos índices de inflação e na condução da política monetária” (5).
b) Alterações no inciso IV do art. 23 da LGPD:
A redação originária do texto enviado para apreciação presidencial proibia o compartilhamento de dados pessoais dos requerentes às informações com lastro na da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/11). Assim, os dados não poderiam ser compartilhados dentro do setor público e tampouco com pessoas jurídicas de direito privado. O Presidente, entendeu que o compartilhamento de dados é “medida recorrente e essencial para o regular exercício de diversas atividades e políticas públicas” (5). Alegou-se, ainda, que o banco de dados da Previdência Social e do Cadastro Nacional de Informações Sociais são alimentados por meio de bases de dados administradas por outros órgãos públicos.
c) Inciso V do art. 55-L da LGPD, inserido pelo art. 2º do projeto de Lei de Conversão:
De acordo com a redação originária do projeto de lei encaminhado para sanção, seriam cobrados emolumentos para constituição de receitas da ANPD. Com o veto, consolidou-se o entendimento de que o Poder Executivo deve arcar com os custos da ANPD porque essa autoridade faz parte da esfera executiva federal (5).
d) Incisos X, XI e XII, §§ 3º e 6º do art. 52 da LGPD, alterados pelo art. 2º do projeto de lei de conversão:
O projeto de lei incluía a possibilidade de suspensão de atividades relacionadas ao tratamento de dados. O Presidente entendeu que essas atividades possuem caráter essencial no âmbito do desempenho de atividades privadas (como, por exemplo, das instituições financeiras). Nessa linha de raciocínio, alegou-se que a eventual suspensão de atividades relacionadas ao tratamento poderia gerar insegurança jurídica (5).
Portanto, mesmo com modificações, a ANPD passa a ter lei própria que garantiu sua criação de forma definitiva. Tendo em vista que a ANPD tem poder para multar e fiscalizar qualquer particular que realize tratamento de dados pessoais, atualizar-se sobre as competências e possibilidade de sua atuação é indispensável.
Fernanda Galvão
Sócia executiva da equipe de consultoria do VLF Advogados.
Maria Clara B. Mota
Trainee da Equipe de Consultoria do VLF Advogados.
(1) BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm>. Acesso em: 18 jul. 2019.
(2) Para saber mais sobre a LGPD, confira o informativo VLF. Disponível em: <http://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=552>. Acesso em: 22 jul. 2019.
(3) BRASIL. Medida provisória nº 869, de 27 de dezembro de 2018. Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, para dispor sobre a proteção de dados pessoais e para criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Mpv/mpv869.htm>. Acesso em: 18 jul. 2019.
(4) BRASIL. Lei nº 13.853, de 8 de julho de 2019. Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, para dispor sobre a proteção de dados pessoais e para criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13853.htm>. Acesso em: 18 jul. 2019.
(5) BRASIL. Mensagem nº 288, de 8 de julho de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Msg/VEP/VEP-288.htm>. Acesso em: 18 jul. 2019.