A investidura da inteligência artificial ao Poder Judiciário brasileiro
Bruno Corrêa, Bernardo Laender, Júlia Gomide e Laura SantAnna
Em resposta à evolução natural da humanidade e da crescente utilização de tecnologias no cotidiano, o Poder Judiciário está se mobilizando para aprimorar ferramentas tecnológicas úteis ao ambiente jurídico. Muito disso, atribui-se às pesquisas independentes dos tribunais de justiça dos estados, como o Tribunal de Justiça de Rondônia (“TJRO”), que, de forma pioneira, desenvolveu o sistema “Sinapse”, ferramenta capaz de otimizar a realização de tarefas repetitivas, como, a classificação de movimentações do processo.
Seguindo essa tendência, outros tribunais se modernizaram, como foi o caso do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (“TJRN”), com as ferramentas “Poti”, “Clara” e “Jerimum”, que são capazes de realizar diversas tarefas, das mais simples às mais complexas, como a interpretação de documentos e a recomendação de decisões, dependendo nesta última, da ratificação humana.
Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (“TJMG”), desenvolveu o sistema “Radar”, capaz de agrupar e organizar casos repetitivos, permitindo que o magistrado possa replicar uma única decisão. O tribunal mineiro foi além e, de acordo com o Vice-Presidente, Desembargador Afrânio Vilela, foi possível reduzir os gastos em cerca de R$800.000,00 (oitocentos mil reais), preservando, ainda, cerca de três mil árvores e “dezenas de milhões de litros de água, economizados na produção de papel”. Tudo isso, em decorrência da implantação do sistema de taquigrafia digital, ferramenta capaz de captar áudio e vídeo e atermar o conteúdo, que, após a avaliação/ratificação do taquígrafo ou outro servidor, é juntado aos autos.
Na mesma direção, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), de acordo com o Ministro João Otávio Noronha, Presidente do E. Tribunal, vem desenvolvendo o sistema “Sócrates”, o qual será capaz de interpretar o recurso e o acórdão recorrido, apresentar referências legislativas, listagem de casos semelhantes e sugerir conteúdos decisórios, o que, contudo, estará submetido ao juízo de valor do i. julgador.
Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) se mobilizou e desenvolveu o “Projeto Victor” (1), que já é capaz de rastrear com precisão ações afetadas pela repercussão geral, o que, de acordo com publicação de notícia do Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”), “vai contribuir para desafogar o sistema de Justiça, pois quando um desses processos é julgado, todos os demais processos semelhantes e a ele vinculados pelo instituto da repercussão geral pode ter o mesmo desfecho”.
Diante de toda essa movimentação, este ano, o CNJ, com o apoio do STF, publicou a Portaria nº 25 de 19 de fevereiro de 2019 (2), que instituiu núcleos de inteligência artificial, que visam integrar os esforços exercidos individualmente pelos tribunais, a fim de impulsionar o desenvolvimento dessas ferramentas, supostamente capazes de promover a celeridade e economia processuais, tudo isso, sob a égide do art. 196 (3) do Código de Processo Civil (“CPC”), o qual determina ser dever do Poder Judiciário movimentar-se em prol da incorporação progressiva de avanços tecnológicos.
De acordo com reportagem divulgada pelo Jornal Valor Econômico, em 04/07/2019 (4), o STF já vem colhendo os benefícios da utilização da tecnologia no cotidiano jurídico, contando com um dos menores acervos de processos desde a vigência da Constituição de 1988 e fechando o semestre com, aproximadamente, 35.000(trinta e cinco mil) processos, 3.000 (três mil) a menos que em 2018.
Em que pese o avanço tecnológico e o sucesso na redução do acervo de processos, é preciso ponderar o limite das ferramentas tecnológicas na substituição da atividade humana. Afinal, o desenvolvimento dos sistemas vai além da prática de atos organizacionais, visto que são capazes de interpretar documentos e, inclusive, sugerir decisões ao julgador, em contraponto ao disposto no art. 5º (5), XXXV da Constituição Federal e art. 16 (6) do CPC, os quais, de forma restritiva, estabelecem que a jurisdição civil está pautada pelo princípio do juízo natural.
Bruno Corrêa
Estagiário da equipe de contencioso cível do VLF Advogados.
Bernardo Laender
Estagiário da equipe de contencioso cível do VLF Advogados.
Júlia Gomide
Advogada da equipe de contencioso cível do VLF Advogados.
Laura Sant’Anna
Advogada da equipe de contencioso cível do VLF Advogados.
(1) CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Inteligência Artificial: trabalho judicial de 40 minutos pode ser feito em 5 segundos. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87869-inteligencia-artificial-trabalho-judicial-de-40-minutos-pode-ser-feito-em-5-segundos>. Acesso em: 23 jul. 2019.
(2) CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Atos Normativos. Portaria nº 25 de 19/02/2019. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=2829>. Acesso em: 23 jul. 2019.
(3) Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código.
(4) BACELO, Joice; OLIVON, Beatriz. STF muda forma de análise de recursos e reduz estoque de processos. Disponível em: <https://www.valor.com.br/legislacao/6332755/stf-muda-forma-de-analise-de-recursos-e-reduz-estoque-de-processos>. Acesso em: 23 jul. 2019.
(5) “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
(6) “Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código.”
Para saber mais:
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Carga de trabalho do magistrado. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao/carga-trabalho-magistrado>. Acesso em: 23 jul. 2018.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Judiciário ganha agilidade com uso de inteligência artificial. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/88698-judiciario-ganha-agilidade-com-uso-de-inteligencia-artificial>. Acesso em: 23 jul. 2019.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Toffoli destaca papel do CNJ para a incorporação de avanços tecnológicos na Justiça. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87709-toffoli-destaca-papel-do-cnj-para-a-incorporacao-de-avancos-tecnologicos-na-justica>. Acesso em: 23 jul. 2019.
NORONHA, João Otávio. Inteligência artificial no Judiciário. Disponível em: <https://www.blogdosarafa.com.br/inteligencia-artificial-no-judiciario/>. Acesso em: 23 jul. 2019.
NOTÍCIAS STF. Inteligência artificial vai agilizar a tramitação de processos no STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380038>. Acesso em: 23 jul. 2019.