Lei da Liberdade Econômica: vetos e algumas mudanças em relação à Medida Provisória 881/2019
Rômulo Inácio da Silva Caldas e Pedro Ernesto Rocha
No dia 20 de setembro de 2019 foi sancionada a Lei nº 13.874/2019 (1), decorrente de conversão da Medida Provisória 881/2019 (Declaração de Direitos de Liberdade Econômica ou Lei da Liberdade Econômica) (1) e foi alvo de cinco vetos (2).
Conforme exposição de motivos presidenciais, foi vetado o inciso VII do artigo 3º, que previa o direito de, dentro de certos parâmetros básicos, testar e oferecer novos produtos e serviços sem requerimento ou ato de liberação de atividade econômica, porque se entendeu que esse direito poderia colocar em risco a vida, a saúde e a segurança dos consumidores. Foi adicionalmente rejeitada a alínea ‘a’ do inciso XI deste mesmo artigo 3º que estabelecia uma hipótese de exigência abusiva que não poderia ser feita a pessoa natural ou jurídica em sede de estudos de impacto ou outras liberações de atividade econômica no direito urbanístico. O fundamento do veto foi a falta de clareza do dispositivo e sua incompatibilidade com o sistema tributário.
O terceiro veto recaiu sobre o § 9º do referido artigo 3º, que dispunha sobre a relação dos prazos para licenciamento de atividades previsto no inciso IX do próprio artigo 3º com os prazos de licenciamentos ambientais previstos no § 3º do artigo 14 da Lei Complementar 140/2011. A justificativa para tal rejeição foi a inconstitucionalidade do dispositivo, por violação ao artigo 225 da carta magna, o qual incumbe o Poder Público de exigir estudo prévio de impacto ambiental para autorizar a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.
O inciso IV do artigo 19, atinente à dissolução de sociedade por falta de pluralidade de sócios, foi objeto do quarto veto. Esse foi justificado pela alegação de que a possibilidade de dissolução de uma sociedade pela falta de pluralidade de sócios não se aplica somente às sociedades limitadas e, por isso, sua revogação (que se daria pelo dispositivo vetado, o qual revogava o inciso IV do artigo 1.033 do Código Civil) poderia gerar insegurança jurídica em relação aos demais tipos de sociedades contratuais.
Por fim, foi vetado o artigo 20, inciso I, que estabelecia um período de 90 dias para entrada em vigor dos artigos 6º ao 19º, que trazem alterações diversas à legislação brasileira, dentre as quais se destacam a alteração do Código Civil para a criação da sociedade limitada unipessoal, e a alteração da Lei nº 12.682/2012 para autorizar o armazenamento de documentos públicos ou privados em meio eletrônico e lhes conferir o mesmo valor probatório do documento original. Desta forma, os referidos artigos entraram em vigor em 20 de setembro de 2019 (3), juntamente com os demais dispositivos da chamada “Lei da Liberdade Econômica”.
Em momento anterior, divulgamos (4) a publicação da Medida Provisória 881/2019 e discorremos sobre um dos pontos por ela trazidos: a sociedade limitada unipessoal. Desde então, a Medida foi alvo de 301 propostas de emendas do Senado e da Câmara dos Deputados, das quais 126 foram acolhidas de forma integral ou parcial (5), tendo sido convertida em lei uma versão final com importantes diferenças em relação à redação inicial. A sociedade limitada unipessoal, diga-se, permaneceu no texto legal conforme proposta pela Medida Provisória, tendo a lei trazido apenas breve ajuste textual.
Diante de tantas emendas, sintetizamos abaixo quatro aspectos que merecem destaque no campo do direito contratual e societário.
Em relação à Medida Provisória, a lei inova ao incorporar ao Código Civil o artigo 49-A, para reforçar que a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores e também para reconhecer que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica serve à finalidade social de “estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”. Tal dispositivo legal poderá impactar diretamente toda discussão sobre eventual desconsideração de personalidade jurídica e extensão dos efeitos da falência às pessoas dos sócios e demais envolvidos.
Outro impacto inovador da redação final da Lei da Liberdade Econômica está na alteração do artigo 421 e na inclusão do artigo 421-A, ambos do Código Civil, para estipular o princípio da intervenção mínima do Estado na relação contratual, estabelecer a presunção de paridade entre as partes nos contratos civis e empresariais, e permitir que as próprias partes estabeleçam critérios objetivos de interpretação e pressupostos de revisão ou resolução do contrato.
Destaca-se, ainda, a inclusão do artigo 14 da Lei da Liberdade Econômica, que altera o artigo 31 da Lei de Registros Públicos de Empresas Mercantis (Lei nº 8.934/1994) para tornar obrigatório que todo ato decisório de uma Junta Comercial seja publicado na internet, pelo site da respectiva Junta, possibilitando a construção de um banco de dados de decisões das autarquias.
Por fim, vale mencionar que ficou fora da redação final da Lei a alteração anteriormente prevista na Medida Provisória 881/2019 (artigo 8º) que criava o artigo 294-A da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976), concedendo à Comissão de Valores Mobiliários o poder de, por regulamento próprio, dispensar empresas de pequeno e médio porte de certas exigências de acesso ao mercado de valores mobiliários.
Os destaques acima descritos e a análise da Lei da Liberdade Econômica revelam o intuito da nova lei de criar ambiente favorável aos negócios e ao desenvolvimento da economia. O tempo revelará, todavia, se os mecanismos propostos foram efetivos.
Para mais informações ou esclarecimentos a respeito do tema, entre em contato com a equipe de Consultoria do VLF Advogados.
Rômulo Inácio da Silva Caldas
Estagiário da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Advogado e Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm
(2) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Msg/VEP/VEP-438.htm
(3) http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.874-de-20-de-setembro-de-2019-217365826
(4) http://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=652