Relatório Doing Business rastreia a facilidade de se fazer negócios no mundo e evidencia fragilidades e avanços no ambiente negocial brasileiro
Laís Sacchetto e Pedro Ernesto
Elaborado anualmente pelo Banco Mundial há mais de uma década, o relatório Doing Business é uma das principais publicações sobre o ambiente de negócios das economias mundiais (1). Seu objetivo é examinar as leis e as regulações que facilitam ou dificultam as atividades de pequenas e médias empresas durante seu ciclo de vida, em 190 países.
Para tanto, o Doing Business analisa 11 indicadores quantitativos que afetam as atividades comerciais na maior (ou nas maiores) cidade de cada economia, quais sejam: abertura de empresas, obtenção de alvarás de construção, acesso à energia elétrica, registro de propriedades, acesso ao crédito, proteção dos investidores minoritários, pagamento de impostos, comércio internacional, execução de contratos, resolução de insolvência e regulamentação do mercado de trabalho – sendo que este último não é incluído no ranking. A escolha desses indicadores, segundo informa o relatório, está fundada em dados de pesquisas econômicas e nos principais obstáculos à atividade comercial relatados por empreendedores de mais de 130 mil negócios em 139 economias distintas (2, 3).
Conforme o relatório, as economias com a classificação mais alta no ranking da facilidade de fazer negócios são aquelas que possuem leis e regulações comerciais bem projetadas ou cujos ambientes regulatórios prosperaram graças a reformas abrangentes realizadas ao longo dos anos – neste ano, a economia que mais se destacou foi a da Nova Zelândia, seguida das economias da Singapura e da Dinamarca, enquanto que a pior foi a da Somália.
Dentre as conclusões do relatório de 2019, é interessante notar que as vinte primeiras economias da classificação apresentam boas práticas e garantias regulatórias semelhantes, dentre as quais se sobressaem: (i) garantias consistentes para os credores durante os procedimentos de insolvência; (ii) procedimentos online para a abertura de empresas que podem ser concluídos em menos de um dia; (iii) uso de sistemas automatizados para controlar as interrupções na rede elétrica e restabelecer o fornecimento de energia; (iv) decisões judiciais mais rápidas que a média das demais economias; e (v) obrigatoriedade de estabelecimento de regras claras de governança.
Outro ponto a ser evidenciado é o fato de que, nos termos do relatório, quase 60% das 50 principais economias pertencerem ao grupo de alta renda da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”), seguidos de 24% dos países pertencentes à Europa e Ásia Central e 12% a Ásia Oriental e Pacífico. O sul da Ásia, a América Latina e o Caribe são as únicas regiões ausentes do ranking dos 50 países mais bem classificados este ano. Noutro giro, as economias que fizeram mais avanços desde o último relatório Doing Business (do ano de 2018) foram as do Afeganistão, Djibuti, China, Azerbaijão, Índia, Togo, Quênia, Costa do Marfim, Turquia e Ruanda que, juntas, implementaram 62 reformas no ambiente de negócios de seus países.
Na classificação geral, o Brasil aparece na 109ª posição entre os 190 países que compõem o levantamento, com 60,01 pontos. O resultado, apesar de melhor do que o do ano anterior, demonstra que ainda há muito o que melhorar no ambiente negocial brasileiro. As pontuações do Brasil foram abaixo da média dos países de renda média alta para quase todos os indicadores (4, 5).
Dos indicadores em que o desempenho do Brasil é ruim, cabe destacar a obtenção de alvarás de construção, no qual o país ficou em último lugar entre os países de renda média alta – com uma pontuação de 49,86 contra uma média de 68,67 do grupo, notadamente em virtude da demora em conseguir as licenças relevantes. Isso significa, para o Doing Business, que é mais difícil conseguir permissão para construir no Brasil que em países como Peru, Costa Rica, Colômbia e Venezuela. O registro das propriedades é outro gargalo no país, na medida em que o Brasil novamente fica abaixo da maior parte dos países do grupo – com uma a nota de 51,94 contra uma média de 63,71. O relatório ainda assinala uma piora nesse contexto, em razão do governo do Rio de Janeiro ter aumentado o imposto municipal incidente sobre a transferência de propriedades.
O indicador brasileiro que reflete sua pior performance é o pagamento de impostos, com pontuação de 34,40 contra uma média de 68,09 dos países de renda média alta. O relatório justifica essa performance com o fato de que as pequenas e médias empresas gastam muito tempo apenas lidando com o procedimento para cumprir com a legislação tributária, o que coloca o Brasil na 184ª posição na classificação geral relativa a esse quesito. Há, ainda, o fato de que o percentual recolhido excede os parâmetros de comparação tanto dos países de compõem a OCDE quanto de outros países da América Latina.
Por outro lado, algumas reformas implementadas no Brasil foram consideradas pelo Doing Business como benéficas para o ambiente de negócios, notadamente: (i) a facilitação do processo de abertura de empresas com a introdução de sistemas online para registro e licenciamento de empresas; (ii) a modernização da rede de eletricidade de São Paulo e a introdução de softwares que permitem melhor gerenciamento de interrupções e planejamento de distribuição elétrica; (iii) a melhora no acesso às informações de crédito, distribuindo pelo menos dois anos de dados históricos; e (iv) redução do tempo necessário para obter a conformidade de documentos de importação pela introdução dos certificados eletrônicos de origem.
Dentre essas reformas, está diretamente relacionada com o dia a dia do direito societário e dos negócios a facilitação dos processos de abertura e de alteração de empresas por meio de ambientes online para registro de atos de empresários e de sociedades empresárias. Nesse campo, de fato, existem avanços notáveis, como o Sistema do Registro Digital implantado pela Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (“JUCEMG”) desde 2015 (6) e o sistema denominado Integrador Estadual muito recentemente lançado pela Junta Comercial do Estado de São Paulo (“JUCESP”) (7), cuja intenção é – a exemplo do que ocorre na JUCEMG – integrar em procedimentos on-line o registro de atos societários (que envolve a JUCESP, as Prefeituras Municipais, a Receita Federal do Brasil e a Secretaria de Estado de Fazenda), facilitando e agilizando o registro empresarial.
Por fim, é importante mencionar que, em maio deste ano, o Brasil assinou carta de intenções com o Banco Mundial para a realização de um grande diagnóstico de seu ambiente negocial, com a intenção de identificar boas práticas que podem ser implementadas para melhorá-lo e consequentemente elevar o país às 50 primeiras posições do ranking do Doing Business (8).
A ver, portanto, se os resultados do relatório serão levados em conta pelas autoridades e se a manifesta intenção de melhoria trará os necessários avanços ao ambiente negocial brasileiro.
Laís Sacchetto
Estagiária da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) O relatório do Doing Business pode ser baixado no seguinte endereço: <https://portugues.doingbusiness.org/content/dam/doingBusiness/media/Annual-Reports/English/DB2019-report_web-version.pdf>. Acesso em: 10 out. 2019.
(2) Não se desconhece, no entanto, outros fatores que também afetam a qualidade de um ambiente de negócios, tais como a estabilidade política e macroeconômica, o desenvolvimento do sistema financeiro, o tamanho dos mercados ou o investimento estrangeiro. O objetivo do Doing Business é mesmo fornecer uma perspectiva dos desafios de burocracias e infraestrutura que as empresas enfrentam no seu ciclo de vida.
(3) Relatório Doing Business 2019, ob. cit., p. 23.
(4) Os indicadores nos quais o Brasil teve notas acima da média foram de acesso à eletricidade, execução dos contratos, proteção dos investidores minoritários e resolução de insolvências.
(5) Os países de nível de rendimento médio alto, de acordo com a classificação do Banco Mundial, são aqueles em que se vive com cerca de U$S 5,50 por dia. A lista completa, assim como maiores detalhes sobre a categoria, está disponível no seguinte endereço: <https://data.worldbank.org/?locations=BR-XT>. Acesso em: 17 out. 2019.
(6) Site do sistema: <https://www.jucemg.mg.gov.br/ibr/servicos+registro-digital>. Acesso em: 16 out. 2019. O Registro Digital foi um dos sistemas precursores de registro digital de atos empresariais no Brasil, e, apesar de significar um avanço no modelo procedimental de registro de documentos pela JUCEMG, ainda tem muitos espaços para melhorias.
(7) Site do sistema: <http://www.institucional.jucesp.sp.gov.br/insitucional_noticias_conheca_Integrador_Estadual_e_suas_vantagens.php>. Acesso em: 16 out. 2019.
(8) Notícia divulgada no site da Secretaria Geral da Presidência da República, disponível em: <http://www.secretariageral.gov.br/noticias/secretaria-geral-da-presidencia-oficializa-parceria-com-banco-mundial-para-melhoria-do-ambiente-de-negocios>. Acesso em: 13 out. 2019.