Medida Provisória nº 905/2019 altera regras de pagamento de lucros e resultados
Henrique Coimbra e Vinícius Vasconcelos
A Medida Provisória nº 905/2019, editada no início de novembro, pode vir a solucionar algumas das principais controvérsias tributárias entre contribuintes e Receita Federal relativas aos planos de pagamento de participação nos lucros ou resultados das atividades empresariais (“PLR”).
A norma, cuja produção de efeitos foi condicionada ao ato do Ministério da Economia, altera pontos determinantes da legislação previdenciária e tem gerado incertezas sobre os requisitos para afastar a incidência de contribuições previdenciárias sobre a PLR e posicionamentos controversos por parte da Receita Federal e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”).
As principais alterações dizem respeito (i) aos agentes que devem participar da negociação para definir a PLR; (ii) ao prazo para celebração desse acordo; (iii) a quais pagamentos se sujeitam à incidência de contribuição previdenciária, se desrespeitada a periodicidade; (iv) à diversidade dos planos de PLR; e (v) às hipóteses em que a PLR é permitida.
Antes de adentrar no mérito das alterações, é necessária uma rápida recapitulação do contexto normativo sobre a matéria.
A contribuição previdenciária está prescrita no art. 195 da Constituição Federal como espécie tributária que incide sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados como retribuição ao trabalho. A Lei nº 8.212/91, ao dispor em seu art. 22, inciso I, sobre a contribuição destinada à Seguridade Social, determina que sua incidência ocorrerá sobre o total das remunerações pagas destinadas a retribuir o trabalho, com exceção das verbas não compreendidas como salário de contribuição.
A definição de salário de contribuição exclui expressamente a PLR desse conceito (art. 28, § 9º, alínea “j”, da Lei nº 8.212/91), desde que essa verba seja paga em conformidade com a lei específica, qual seja, a Lei nº 10.101/00.
Essa desvinculação da PLR da remuneração ou salário tem raízes no próprio texto constitucional, que confere a essa verba o status de direito social do trabalhador (art. 7º, XI) e estabelece que a prática do sistema de remuneração, que assegure ao empregado participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade, deve ser estimulada pelo Estado (art. 218, § 4º).
Dessa maneira, a PLR não representa contraprestação pelo serviço desempenhado e não integra a base de cálculo das contribuições previdenciárias, por expressa previsão constitucional e legal, não obstante decorra da relação de trabalho.
Contudo, para que seja reconhecida a natureza não salarial da referida verba é necessária a satisfação das exigências previstas na Lei nº 10.101/00. E são as interpretações divergentes dadas por contribuintes e pela Fazenda a essa norma que geram os desentendimentos que a MP visa sanar.
Em relação aos agentes que devem participar da negociação para definir a PLR, o art. 2º da Lei nº 10.101/00 prevê que a PLR deve ser objeto de negociação mediante os seguintes procedimentos a serem escolhidos pela empresa e seus empregados:
- comissão paritária escolhida pelas partes, integrada por um representante indicado pelo sindicado da respectiva categoria;
- convenção ou acordo coletivo.
Nesse ponto, a MP nº 905/2019 alterou a redação desse dispositivo para excluir a exigência do representante do sindicato na primeira hipótese, em consonância com a parte da doutrina e da Jurisprudência que vinha entendendo que a ausência de participação dos sindicatos não era razão suficiente para invalidar o acordo firmado (1). Com as mudanças, a negociação poderá ocorrer somente por comissão paritária, reduzindo o entrave gerado nas negociações quando o sindicato se recusava a participar.
A medida provisória passa a permitir inclusive que a PLR seja fixada direta e individualmente com o empregado hipersuficiente, que é aquele que recebe salário superior ao dobro do teto do benefício previdenciário e tem curso superior completo, nos termos do art. 444 da Consolidação das Leis Trabalhistas (“CLT”).
Outra alteração relevante diz respeito ao prazo para a celebração do acordo de PLR.
O parágrafo primeiro do art. 2º da Lei nº 10.101/00 impõe a constituição de regras claras e objetivas nos instrumentos que formalizam a negociação, que deve considerar os seguintes critérios e condições para fixação do direito de participação nos ganhos econômicos da empresa:
- índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa;
- programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.
A Fazenda considera que os mecanismos de aferição, periodicidade da distribuição, período de vigência, prazos para revisão do acordo de PLR, bem como os índices de produtividade, qualidade e lucratividade, devem ser todos pactuados previamente, em que pese a letra da lei exigir esse acordo prévio apenas para os programas de metas, resultados e prazos.
Tendo em vista que a redação original da Lei nº 10.101/00 não definia a antecedência com que os acordos deviam ser firmados, o Fisco passou a desclassificar as verbas pagas a título de PLR cuja assinatura do acordo não ocorreu antes do exercício de apuração (2) e, assim, a exigir contribuições previdenciárias.
Em relação a este ponto, a MP nº 905/2019 incluiu disposição expressa no referido dispositivo, passando a prever expressamente que as regras devem ser fixadas em instrumento assinado anteriormente ao pagamento da antecipação, quando prevista, e com antecedência mínima de 90 dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final, caso haja pagamento antecipado. A medida provisória privilegiou ainda a autonomia da vontade dos contratantes perante o interesse de terceiros. Ou seja, não caberá ao Fisco discordar das regras pactuadas para descaracterizar o plano, como ocorria anteriormente.
A MP estabelece também que, caso seja desrespeitado o requisito da periodicidade, apenas os pagamentos excedentes a determinado funcionário se sujeitam à contribuição previdenciária, permanecendo alheios à tributação as demais quantias pagas em observância com os limites temporais.
Outrossim, a medida provisória assegurou aos contribuintes a possibilidade de estabelecer múltiplos programas de participação nos resultados, além de autorizar que entidades imunes e isentas ofereçam aos seus empregados, ao possibilitar a equiparação dessas entidades às empresas caso sejam adotados índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos.
Essa alteração, caso convertida em lei, pode gerar discussões a respeito de sua compatibilidade com a própria natureza de entidades sem fins lucrativos, cuja existência não se harmoniza com a dinâmica de distribuição de resultados, que é vedada para garantir imunidade tributária e para o gozo de algumas hipóteses de isenção.
É importante ressaltar, entretanto, que a produção de efeitos do MP nº 905/2019 em relação à PLR foi condicionada à ocasião em que for “atestado, por ato do Ministro de Estado da Economia, a compatibilidade com as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da Lei de Diretrizes Orçamentárias e o atendimento ao disposto na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e aos dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias relacionados com a matéria”, conforme dispõe seu art. 53.
Assim, apesar de objetivar dirimir os aspectos polêmicos a respeito da PLR e reduzir as possibilidades de ativismo na atuação jurídico-administrativa, os contribuintes devem se atentar que a produção de efeitos das alterações promovidas ainda não foi assegurada e depende de ato do Ministério da Economia.
Mais informações sobre a MP nº 905/2019 podem ser obtidas com a equipe Tributária do VLF Advogados.
Henrique Coimbra
Advogado da Equipe Tributária do VLF Advogados
Vinícius Vasconcelos
Advogado da Equipe Tributária do VLF Advogados
(1) Com efeito, atendidos os demais requisitos da legislação que tornem possível a caracterização dos pagamentos como participação nos resultados, a ausência de intervenção do sindicato nas negociações e a falta de registro do acordo apenas afastam a vinculação dos empregados aos termos do acordo, podendo rediscuti-los novamente. Deveras, mencionadas irregularidades não afetam a natureza dos pagamentos, que continuam sendo participação nos resultados: podem interferir, tão somente, na forma de participação e no montante a ser distribuído, fatos irrelevantes para a tributação sobre a folha de salários (trecho do voto no Min. Rel. LUIZ FUX proferido no REsp nº 865.489/RS)
(2) CARF, Acórdão nº 2401-003.487, 1ª Turma Ordinária, da 4ª Câmara, da 2ª Seção de Julgamento, sessão de 15.04.2014.