Principais aspectos do entendimento fixado pelo STJ
Domirí Lara Cunha Gonçalves
Uma das principais alterações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 diz respeito à limitação das matérias passíveis de impugnação por meio de Agravo de Instrumento. É o que se denota do artigo 1.015 do diploma legal.
Para que não haja preclusão sobre as matérias não inseridas no rol do artigo 1.015, o Código de Processo Civil cuidou de estabelecer, em seu artigo 1.009, que as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
Ocorre que, as decisões que afetam a competência para o julgamento do feito, não constam na listagem de matérias atacadas por meio de Agravo de Instrumento e, portanto, em razão do seu grau de importância para as demandas, cada vez mais o judiciário foi acionado para o julgamento de reincidentes recursos sobre o tema.
Nesse sentido, doutrina e jurisprudência caminharam no sentido de dar ao rol do artigo 1.015 uma interpretação extensiva quanto à matéria, que culminou no voto do ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, quando do julgamento do REsp. 1.679.909, assim fundamentado:
Nessa ordem de ideias, apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015, penso que a decisão interlocutória, relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma. Deveras, a possibilidade de imediata recorribilidade da decisão advém de exegese lógico-sistemática do diploma, inclusive porque é o próprio Código que determina que "o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência" (§ 3° do art. 64). Evitam-se, por essa perspectiva: a) as inarredáveis consequências de um processo que tramite perante um juízo incompetente (passível até de rescisória – art. 966, II, CPC); b) o risco da invalidação ou substituição das decisões (art. 64, § 4°, primeira parte); c) o malferimento do princípio da celeridade, ao se exigir que a parte aguarde todo o trâmite em primeira instância para ver sua irresignação decidida tão somente quando do julgamento da apelação; d) tornar inócua a discussão sobre a (in)competência, já que os efeitos da decisão proferida poderão ser conservados pelo outro juízo, inclusive deixando de anular os atos praticados pelo juízo incompetente, havendo, por via transversa, indevida "perpetuação" da competência; e) a angústia da parte em ver seu processo dirimido por juízo que, talvez, não é o natural da causa. Trata-se de interpretação extensiva ou analógica do inciso III do art. 1.015 – "rejeição da alegação de convenção de arbitragem" –, já que ambas possuem a mesma ratio –, qual seja afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda.
Em suma, a fundamentação caminhou no sentido de reconhecer o prejuízo processual trazido com a postergação da decisão que atinge a competência, de forma que o agravo de instrumento possa ser considerado recurso cabível para afastar a incompetência.
Por conseguinte, em atenção à efervescência doutrinária e jurisprudencial sobre a matéria, o assuntou foi levado à repercussão geral através dos recursos repetitivos representativos, sendo eles: REsp. 1696396/MT e REsp. 1704520/MT.
Ato contínuo, em 5 de dezembro de 2018, a Corte Especial do STJ decidiu por ampliar as possibilidades para interposição do agravo de instrumento, para além daquelas previstas no artigo 1.015 CPC.
A relatora, Ministra Nancy Andrighi, dando uma ótica constitucional à divergência, fundamentou seu voto no sentido de que “rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.
E, especialmente no que toca às decisões sobre competência, ressaltou:
Nesse aspecto – competência – é induvidoso, diante de tudo que se expôs e em sintonia com a tese jurídica que se pretende fixar, que o agravo de instrumento deve ser conhecido e regularmente processado pelo TJ/MT. Isso porque a correta fixação da competência jurisdicional é medida que se impõe desde logo, sob pena de ser infrutífero o exame tardio da questão controvertida, especialmente quando reconhecida a incompetência do juízo, discussão que se trava a partir da alegação de nulidade da cláusula de eleição de foro inserida em contrato de franquia de adesão.
Como visto, com a decisão em repercussão geral, restou firmada a posição de que o rol previsto no artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, e, portanto, proferida decisão pelo juízo a quo, que apresente prejuízo às partes e que demande urgência na apreciação pelo Tribunal, é cabível agravo de instrumento, ainda que a matéria não esteja expressa no texto legal.
Portanto, o STJ sedimentou o entendimento doutrinário de que é cabível o Agravo de Instrumento como recurso próprio contra decisões de modificação de competência.
Domirí Lara Cunha Gonçalves
Advogada da Equipe de Direito Consumerista do VLF Advogados
Fontes:
STJ. RECURSO ESPECIAL: Nº 1.704.520. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DJ: 19/12/2018. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=85913737&num_registro=201702719246&data=20181219&tipo=51&formato=PDF. Acesso em: 18 nov. 2019.
STJ. RECURSO ESPECIAL: 1.679.909 - RS. Relator: Luis Felipe Salomão. DJ: 01/02/2018. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1655954&num_registro=201701092223&data=20180201&formato=PDF. Acesso em: 18 nov. 2019.