Em recente julgado é confirmado o cabimento da ação rescisória desde que a decisão tenha natureza de sentença constitutiva
Izabella Cunha
Quando decretada a falência, é obstado ao falido a compra, venda e administração de seus bens. Contudo, cabe a este o direito de propositura de ação rescisória a fim de obter a reversão de seu status falimentar.
Assim decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) que, por unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial interposto contra Acórdão que extinguiu ação sem resolução de mérito. (1)
No caso em comento, uma determinada empresa de produtos laticínios teve a falência decretada após protesto de título feito por uma associação de produtores rurais. Os sócios da referida empresa ajuizaram a ação rescisória em razão da irregularidade da intimação do protesto.
O Recurso Especial foi fundamentado no preceito de que, apesar de o fato do art. 100 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas prever o agravo de instrumento como recurso cabível contra tal sentença, ele não a transforma em decisão interlocutória. A razão da opção legislativa acerca do recurso cabível, reside na necessidade de permanência dos autos no juízo de primeiro grau para adoção das medidas decorrentes da decretação da quebra, tais como arrecadação dos bens, preparo do quadro de credores, apuração do ativo/passivo etc. Nesse contexto, tratando-se de decisão de mérito transitada em julgado, não há como afastar o cabimento da ação rescisória na hipótese.
Contudo, consta no caput do art. 99 da Lei 11.101/05 que “a sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações”, sendo assim, é conferida à decisão interlocutória o título de sentença e, no caso vertente, trata-se de sentença constitutiva, pois sua prolação faz operar a dissolução da sociedade empresária, conduzindo à inauguração de um regime jurídico específico, o falimentar.
Desta forma, o STJ reformou o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (“TJMG”) entendendo ser cabível a propositura da referida ação. No relatório, a Ministra Nancy Andrighi entendeu que o ato decisório que decreta a falência possui natureza de sentença constitutiva, indo de encontro ao entendimento majoritário de que somente seria cabível o manejo de Agravo de Instrumento, uma vez que a decisão seria semelhante à uma interlocutória.
Nesse sentido, a lição de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de A. Nery:
O CPC/1973 485, caput, ao estabelecer que a “sentença” de mérito pode ser rescindida, falava menos do que queria dizer, pois o termo “sentença” deveria ser entendido em sentido amplo, significando decisão [que] fosse exteriorizada por decisão interlocutória no primeiro grau de jurisdição, por sentença, por decisão monocrática em tribunal ou por acórdão. (2)
Nesta toada, o processo que foi ajuizado sob a égide do CPC de 73, cumpriu o pressuposto do artigo 485, caput do CPC, que autorizava o ajuizamento da rescisória tão somente quando o ato a ser desconstituído fosse sentença de mérito.
Tal decisão é sedimentada em dois outros precedentes, um deles é o REsp 711.794, no qual a corte permitiu o ajuizamento da rescisória face a decisão de um agravo de instrumento. No outro caso – o REsp 1.126.521 –, o colegiado reconheceu a possibilidade de o falido ajuizar ação rescisória contra a decisão que decretou a falência, por entender que, apesar dos efeitos patrimoniais, a falência não retira a legitimidade para a propositura de ações, principalmente considerando que o objetivo não é discutir sobre os bens sobrestados, mas sim a reversão do seu status falimentar.
O que se vê, então, é uma progressão e abrangência da expressão “sentença”, que pode englobar, também, decisões interlocutórias, desde que possuam natureza constitutiva.
Izabella Cunha
Advogada da Equipe Consumerista do VLF Advogados
(1) PARA Terceira Turma, cabe ajuizamento de ação rescisória contra decisão que decreta falência. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Para-Terceira-Turma--cabe-ajuizamento-de-acao-rescisoria-contra-decisao-que-decreta-falencia.aspx. Acesso em: 17 jan. 2020.
(2) Comentários ao Código de Processo Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2015, p. 1910/1911.