Principais aspectos da nova Lei de Cadastro Positivo e seus efeitos práticos como ferramenta de acesso ao crédito
Mariângela Silveira Menezes
A nova Lei do Cadastro Positivo, sancionada pelo Presidente Jair Bolsonaro em agosto de 2019, por meio da Lei Complementar nº 166 (“LC 166/2019”) (1), ainda que de maneira incompleta, prevê a inclusão automática de consumidores no rol de bons pagadores e amplia o acesso de instituições financeiras ao cadastro positivo de crédito.
De acordo com a proposta do governo, o cadastro positivo servirá, em síntese, como uma espécie de “currículo” do consumidor, tendo em vista que, por meio do histórico financeiro disponibilizado pela plataforma de dados, o comerciante terá acesso a informações que poderão distinguir um “bom pagador” e, em razão da baixa probabilidade de risco, poderá ofertar crédito com menores taxas àquele consumidor.
Nesse ponto, convém esclarecer que independentemente da positivação do escore de crédito pela LC 166/2019, tal prática já havia sido considerada, há muito, como válida pela jurisprudência.
Súmula 550: A utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo. (2)
Especificamente quanto a análise em questão, conclui-se que uma das principais mudanças se dá pelo fato de que, antes do advento da Lei Complementar, a autorização do consumidor para a abertura de seu Cadastro Positivo nos órgãos de proteção ao crédito era imprescindível, mas, atualmente, a inclusão tornou-se automática para todas as pessoas físicas e jurídicas que possuam empréstimos, financiamentos, compras a prazo ou contas de consumo.
Em que pese a automatização do histórico de crédito dos consumidores brasileiros, a Lei do Cadastro Positivo também prevê que, a qualquer momento, o interessado terá a possibilidade de pleitear a exclusão de suas informações inseridas no cadastro.
De todo modo, a atual legislação ainda não é clara quanto ao procedimento necessário para cancelamento do cadastro, tampouco esclarece suficientemente o modo de acesso do consumidor às informações de tratamento de seus dados pessoais.
Sobre as empresas responsáveis pelo tratamento de dados, a LC 166/2019, por definir um conceito mais restritivo, também trouxe modificações relevantes ao conceito de gestor, uma vez que este, a partir de agora, além de atender aos requisitos mínimos de funcionamento previstos na Lei nº 12.414/2011 (3), deverá observar eventual regulamentação complementar, tais como a comprovação de patrimônio líquido mínimo de R$ 100 milhões; dispor de certificação técnica que ateste a segurança das informações em seu banco de dados; e se ater a todos os requisitos de governança, transparência e de atendimento ao consumidor.
Outro ponto sensível diz respeito a ausência de designação de um órgão competente para a devida fiscalização e cumprimento da Lei de Cadastro Positivo, de modo que, diante da atual estimativa de que a nova lei promoverá a inclusão de cerca de 137 milhões de pessoas físicas e jurídicas, tal questão pode ser caracterizada como um grande fator de risco.
Vale relembrar que a Lei do Cadastro Positivo, ao estipular que o histórico de crédito dos consumidores serão preservados nos bancos de dados por até 15 anos, contraria as normas de proteção ao consumidor que, como sabido, estabelece que cadastros de consumidores não podem conter informações negativas por períodos superiores a 5 anos.
Apesar de promover alterações que impactaram sua estrutura inicial, a LC 166/2019 não modificou o rol de informações permitidas no histórico de crédito de cada consumidor, sendo elas a natureza da relação (creditícia, comercial, de serviço continuado ou outra); datas de concessão do crédito ou da assunção da obrigação de pagamento; valor do crédito concedido ou da obrigação de pagamento assumida; valores devidos nas datas de vencimento pretéritas, a vencer ou pagos, integral ou parcialmente; e datas de pagamentos realizados, a vencer ou pretéritas.
Também permanece inalterada a obrigatoriedade de que as informações sejam claras, objetivas e de fácil compreensão. Além disso, continuam proibidas as anotações de dados que não se correlacionem à análise de risco de crédito e informações pertinentes à origem social, étnica, saúde, genética, orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e filosóficas.
Portanto, mesmo que diante de certas incertezas, percebe-se que a regulamentação do cadastro positivo, além de oportunizar o devido acesso às informações dos cadastrados pelas empresas gestoras, também deverá assegurar a todos os envolvidos o respeito às garantias constitucionais, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados, que entrará em vigor em agosto de 2020.
Mariângela Silveira Menezes
Advogada da Equipe de Direito Consumerista do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei Complementar nº 166, de 8 de abril de 2019. Altera a Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, e a Lei nº 12.414, de 9 de junho de 2011, para dispor sobre os cadastros positivos de crédito e regular a responsabilidade civil dos operadores. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp166.htm. Acesso em: 19 fev. 2020.
(2) STJ. SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.
(3) BRASIL. Lei nº 12.414, de 9 de junho de 2011. Disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12414.htm. Acesso em: 19 fev. 2020.