Postergação de prazo de pagamento de tributos federais e de cumprimento de obrigações acessórias no caso de decreto estadual de calamidade pública
Vinícius Vasconcelos
O isolamento social recomendado pela Organização Mundial de Saúde e por várias autoridades nacionais para combater a proliferação da COVID-19 traz impactos profundos às finanças das empresas, uma vez que as expectativas de produção, de concretização de negócios e de ingressos de recursos são fortemente afetadas.
Nesse cenário, o pagamento dos tributos em dia e o cumprimento das chamadas obrigações acessórias podem até mesmo se tornar inviáveis.
Enquanto a Administração Federal estuda as medidas a serem adotadas diante do atual contexto, é importante destacar que a Portaria do Ministério da Fazenda (“Portaria MF”) nº 12/2012 (1) prevê a postergação do vencimento dos tributos federais para contribuintes dos municípios abrangidos por decreto estadual de estado de calamidade pública, por três meses em relação ao mês no qual houve a decretação e ao subsequente.
Na mesma linha, a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (“IN RFB”) nº 1243/2012 (2) também prorroga o prazo para cumprimento das obrigações acessórias sob as mesmas condições, com o cancelamento das multas por atraso em entregas de declarações, demonstrativos e documentos.
A questão que surge é: o contribuinte pode atuar neste momento com base nesses instrumentos normativos, considerando que Estados como São Paulo (3), Rio de Janeiro (4) e Minas Gerais (5), por exemplo, já decretaram o estado de calamidade pública por causa da COVID-19?
Por um lado, os atos normativos em questão encontram-se vigentes.
Por outro, no que tange à postergação do prazo de pagamento de tributos federais, o art. 3º da Portaria MF nº 12/2012 estabelece que a Receita Federal deve definir quais municípios são abrangidos pelo decreto estadual de calamidade pública.
Entretanto, a própria literalidade da Portaria permite afirmar que a ausência de tal definição não é colocada como condição para a postergação dos tributos federais.
Poderia a Receita Federal excluir algum município do âmbito do decreto estadual de calamidade pública que compreende todo o estado? A resposta parece ser negativa.
Naturalmente, é possível que a Fazenda Nacional defenda justamente o contrário, na medida em que o próprio Governo Federal afirma que a postergação de pagamento de tributos é uma medida em estudo (6) e que foi editada uma Portaria específica do Comitê Gestor do Simples Nacional (7) prorrogando o pagamento de tributos no âmbito do Simples Nacional. Assim, a União Federal poderia defender que também seria necessário novo ato normativo para postergar o pagamento de tributos.
Tal raciocínio, entretanto, significaria contrariar atos normativos vigentes e eficazes, o que é vedado ao Poder Público.
Vale ressaltar, ainda, que a necessidade de definição dos Municípios abrangidos por decreto de Calamidade Pública não é colocada em relação ao adiamento do cumprimento de obrigações acessórias.
Seja como for, é inegável que o ordenamento jurídico traz possibilidades para o contribuinte enfrentar esse momento de crise, cuja produção de efeitos não pode ser condicionada à demora de definições do Poder Público especificamente para este momento.
Dessa forma, é recomendável o ajuizamento de medida judicial preventiva para assegurar uma eventual conduta pautada pela Portaria MF nº 12/2012 e, assim, salvaguardar as empresas e seus administradores.
Além dos atos normativos aqui tratados, deve-se ter em conta, também, que a própria proteção dos valores sociais do trabalho é fundamento para solicitar a postergação do vencimento de tributos, como ressalta a decisão de tutela provisória (2) proferida na Ação 1016660-71.2020.4.01.3400, que concedeu provisoriamente o adiamento do prazo para pagamento de tributos federais, desde que os empregos sejam assegurados.
Mais informações e orientações sobre a questão podem ser obtidas com a equipe de Direito Tributário do VLF Advogados.
Vinícius Vasconcelos
Advogado da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) BRASIL. Portaria MF nº 12, de 20 de JANEIRO de 2012. Prorroga o prazo para pagamento de tributos federais, inclusive quando objeto de parcelamento, e suspende o prazo para a prática de atos processuais no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), na situação que especifica. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=37244. Acesso em: 26 mar. 2020.
(2) BRASIL. Instrução Normativa RFB nº 1243, de 25 de janeiro de 2012. Altera os prazos para o cumprimento de obrigações acessórias relativas aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, na situação que especifica. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=37261. Acesso em: 26 mar. 2020.
(3) Decreto Estadual nº 64.879/2020, de 20 de março de 2020. Publicado no Diário Oficial do Estado de 21/03/2020.
(4) Decreto Estadual nº 46.894, de 20 de março de 2020. Publicado no Diário Oficial do Estado de 20/03/2020.
(5) Decreto Estadual nº 47.891, de 20 de março de 2020. Publicado no Diário Oficial do Estado de 20/03/2020.
(6) GOVERNO estuda adiar o recolhimento de impostos de empresas. Valor Econômico. Data: 16.03.2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/03/16/governo-estuda-adiar-o-recolhimento-de-impostos-de-empresas.ghtml. Acesso em: 26 mar. 2020.
(7) BRASIL. Resolução CGSN nº 152, de 18 de março de 2020. Prorroga o prazo para pagamento dos tributos federais no âmbito do Simples Nacional. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=107839. Acesso em: 26 mar. 2020.
(8) DECISÃO proferida pela 21ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal no processo n. 1016660-71.2020.4.01.3400 em 25/03/2020. Disponível em: https://pje1g.trf1.jus.br/consultapublica/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?ca=03c6b7fe200dbfa6bc336903ab9134a815c7a776ba69bad9be2bb61ac656a3c8ee5db23247d0fc57d707a4cb7ea9f2766026f10a620ff066&idProcessoDoc=206440878. Acesso em: 26 mar. 2020.