O impacto do Coronavírus no funcionamento das Juntas Comerciais: implicações práticas e estímulo ao aprimoramento do registro digital
Laís Sacchetto e Pedro Ernesto
Conforme divulgado no Radar VLF na última semana, em atenção à pandemia do Coronavírus (“COVID-19”) e ao cenário de alerta à saúde pública, diversas Juntas Comerciais alteraram o seu funcionamento como medida de prevenção e enfrentamento à propagação do vírus. Entre as medidas adotadas, destacam-se a restrição ou a suspensão dos atendimentos presenciais, e, como consequência, a interrupção da prestação de alguns serviços.
No caso das Juntas que já adotam o sistema de registro de atos societários por via digital, a referida medida gera impacto moderado. Isso porque os principais serviços prestados pelas autarquias – notoriamente a constituição, a alteração e a baixa de sociedades – permanecem em funcionamento. Apesar disso, ficam prejudicados alguns procedimentos que ainda demandam a diligência a um dos postos de atendimento físico. Essa é, por exemplo, a situação na Junta Comercial de Minas Gerais (“JUCEMG”).
Acontece que o registro digital não é a realidade de todas as Juntas, dentre essas a Junta Comercial do Estado de São Paulo (“JUCESP”). Em atendimento ao Decreto Estadual nº 64.879, de 20 de março de 2020 (1), que reconhece o estado de Calamidade Pública no estado em decorrência da pandemia de COVID-19, a JUCESP suspendeu todos os atendimentos presenciais, independentemente de agendamento prévio, até o dia 30 de abril.
Significa, em outros termos, que o arquivamento de vários atos societários na JUCESP está suspenso, eis que tal procedimento ainda envolve uma etapa de protocolo físico. Assim, as sociedades estão impossibilitadas de registrar alterações contratuais, atas de assembleias gerais e de reunião de conselhos e diretorias, baixas de sociedades etc. Na prática, será impossível realizar aumento de capital, quaisquer eleições, alterações de cláusulas contratuais ou estatutárias e outros atos inerentes à atividade empresarial, pois somente os serviços que já eram prestados de forma digital serão mantidos (2).
Destaca-se que muitos desses atos têm impactos diretos na administração das sociedades com sede em São Paulo. Por exemplo, no caso das operações que demandam a observação de aprovações societárias específicas, como é comum na contratação de dívidas, a autorização dos sócios ou dos órgãos da administração, devidamente arquivada, é normalmente tratada como essencial pela instituição financeira credora para que o ato possa ser praticado. Da mesma forma, sem a atual possibilidade de registro, torna-se impossível alterar o estatuto social para prever que as assembleias e reuniões sejam instaladas de forma diversa à regra prescrita anteriormente, o que é de grande relevância em tempos de quarentena para a contenção do COVID-19.
Diante desse cenário, a JUCESP já avalia a possibilidade de ampliar o rol de serviços prestados por meio digital. Aliás, a tendência é que o processo de registro de todas as Juntas Comerciais passe a ser feito de maneira virtual, e é bom que seja assim, para trazer mais dinamicidade à atividade empresarial. No entanto, cabe lembrar que mesmo as Juntas que já usufruem desse sistema devem empenhar esforços para aprimorá-lo.
A título de ilustração, na JUCEMG, tem-se a necessidade de reassinar um documento no Registro Digital quando do cumprimento de uma pendência puramente burocrática, o que torna o processo moroso.
Outro ponto de melhoria a ser observado diz respeito a uma melhor integração entre os sistemas dos entes envolvidos no registro empresarial (em geral, basicamente, Prefeituras Municipais, Secretarias de Fazenda, Receita Federal e Junta Comercial). É que, atualmente, há uma série de procedimentos burocráticos concatenados, que vinculam uma etapa do registro empresarial ao completo cumprimento da etapa anterior, para que, só no fim dessas etapas, o ato societário possa ser assinado. Cumprir essas etapas está longe de ser tarefa fácil diante das inúmeras burocracias enfrentadas.
Tome-se como exemplo, no âmbito da JUCEMG, uma operação de M&A em que as partes preveem no contrato que uma parte transferirá as quotas (o que se dá pela assinatura de uma alteração contratual) à outra parte em um prazo predeterminado após o cumprimento de determinadas condições suspensivas, e que a parte recebedora das quotas pagará o preço nesta mesma data. Atualmente, se, na data marcada para a transferência das quotas e pagamento do preço, todas as etapas concatenadas do Registro Digital não estiverem cumpridas (ou seja, se todas as burocracias perante os órgãos de registro não estiverem cumpridas), as partes não poderão assinar uma alteração contratual digitalmente para transferir as quotas, porque o sistema de registro assim não permite. As partes terão que assinar fisicamente uma alteração contratual, apenas para assegurarem entre si a transferência das quotas e dar o mínimo de garantia ao adquirente que pagará o preço, e depois terão que assinar digitalmente, novamente, a mesma alteração. Isso gera, naturalmente, retrabalho e insegurança jurídica.
Em suma, ter um Registro Digital dinâmico, eficaz e simplificado em âmbito nacional é essencial para aprimorar o ambiente de negócios. Essa é uma tendência que, espera-se, seja ainda mais almejada pelas autoridades durante e após a crise do COVID-19.
A equipe de Consultoria do VLF Advogados seguirá acompanhando os desdobramentos do cenário atual nas Juntas Comerciais e coloca-se, desde logo, à inteira disposição para sanar eventuais dúvidas que possam surgir.
Laís Sacchetto
Estagiária da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) A íntegra do Decreto Estadual 64.879/2020 está disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/decretos-64879-e-64880.pdf. Acesso em: 26 mar. 2020.
(2) Os serviços disponíveis por meio digital são: abertura de empresas dos tipos empresário individual, EIRELI e sociedades limitadas, pesquisas de empresas, obtenção de cópias digitalizadas de documentos já arquivados e emissão de certidões.