Pandemia nos mercados: a recente alta do dólar permite o reequilíbrio contratual?
Yuri Luna Dias
Apesar dos vários momentos em que a economia brasileira se viu balançada com repentinas desvalorizações do real, a época mais profícua para a jurisprudência foi quando o Brasil abandonou as bandas cambiais, o que provocou uma desvalorização acentuada do real em relação ao dólar.
Desde então, nas crises posteriores que envolviam a perda de valor da nossa moeda, os tribunais tenderam a proferir suas decisões considerando os precedentes firmados naquela época e que poderão ser utilizados para se interpretar os contratos na atual turbulência dos mercados por causa do Coronavírus.
O Código Civil prevê em seus art. 478 a 480 a possibilidade de rescisão de contratos quando a obrigação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa ou com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, facultando às partes a modificação equitativa do contrato.
Via de regra, é essa a baliza legal para a manutenção das relações contratuais em caso de eventos inesperados que venham a alterar as bases da negociação. Assim, para que se promova a rescisão desses contratos é necessário que a parte interessada demonstre:
(i) Imprevisibilidade de evento extraordinário, isto é, que determinado fato alheio às suas vontades ocorreu de forma imprevisível, dada a natureza do negócio jurídico e a experiência dos sujeitos, e que trouxe consequências fora do comum para a execução do contrato;
(ii) A onerosidade excessiva da sua prestação, ou seja, que a sua obrigação se tornou discrepante das bases da negociação de tal forma a indubitavelmente prejudicar a parte;
(iii) A extrema vantagem da outra parte com o cumprimento do contrato, muito além de suas expectativas e que beira o enriquecimento sem causa.
Note-se, então, que o Código Civil busca manter o equilíbrio econômico-financeiro de contratos, o que é seguido pelos tribunais de acordo com o caso concreto.
Dependendo da situação, a revisão contratual tende a ser mais facilmente aceita por juízes quando os instrumentos contratuais trazem expressa a vontade das partes ao informar que seus preços sejam, de alguma forma, indexados a moedas estrangeiras.
Em sentido oposto, o reconhecimento da onerosidade excessiva passa a ser mais difícil quando não há declaração expressa das partes sobre as bases da negociação, especialmente quando delas se pode esperar certo conhecimento a respeito das variações cambiárias, dada a natureza do negócio que celebraram.
Portanto, embora valha a regra do Código Civil, sua aplicação nos tribunais sofre influência da natureza da relação entre as partes (cível, de consumo ou administrativa), da disparidade entre elas (em caso de hipossuficiência), da imprevisibilidade da desvalorização do real e sua intensidade para os contratantes, e das cláusulas contratuais específicas.
Deve-se considerar, ainda, que a atual desvalorização do real ainda é menor do que a ocorrida em 1999 e entre 2002 e 2003, quando considerada a inflação do período, o que indicaria maior dificuldade para o reconhecimento da onerosidade excessiva. Porém é necessária uma análise do caso concreto para se definir se um pleito de reajuste de um fornecedor, por exemplo, teria procedência se submetido a Juízo.
Yuri Luna Dias
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados