Assembleias Gerais On-line e Escrituração Societária: a possibilidade dos livros serem assinados somente pelos membros da mesa
Antônia Bethonico e Pedro Ernesto Rocha
Um dos impactos da pandemia da COVID-19 foi a impossibilidade de realização das assembleias gerais ordinárias de sociedades anônimas – as quais, por natureza, ensejam ou podem ensejar aglomerações de pessoas – no prazo legalmente previsto, o qual se encerraria em 30 de abril de 2020.
Então, como já noticiado em nosso Informe Especial, de 15 de abril, e no Radar VLF n. 30, de 17 de abril, a Medida Provisória 931/2020 (1) cuidou de: (i) dilatar, em caráter excepcional, o prazo legal de realização dos conclaves (artigo 1º), por três meses; (ii) criou a possibilidade de participação e votação à distância nos referidos eventos (artigo 9º); e (iii) delegou ao Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) a prerrogativa de definir as normas para a participação e a votação à distância (artigo 9º).
Essas normas foram fixadas pela Instrução Normativa DREI 79/2020 (“IN 79”) (2), a qual, dentre outras coisas, também determinou que admite-se a assinatura dos livros societários apenas pelo Presidente e pelo Secretário da mesa (3), sendo sua responsabilidade certificar as presenças de todos os que estiverem na assembleia, seja presencialmente, seja à distância na forma facultada pela IN 79.
Ter os livros societários assinados somente pelo Presidente e pelo Secretário da mesa significa ampliar a responsabilidade dessas pessoas. É que, agora, elas não mais se responsabilizarão somente por declarar que um documento confere com o original lavrado em livro próprio (como é praxe em certidões de atas levadas a arquivamentos nas Juntas Comerciais), mas também se responsabilizarão por assegurar materialmente o registro das deliberações dos acionistas, eis que eles – os membros da mesa – é que assinarão as próprias atas.
Ou seja, em última análise, se, em uma assembleia on-line (à distância), os acionistas comparecerem, deliberarem e votarem ao vivo (e não enviarem boletim de voto à distância), dois instrumentos serão hábeis a comprovar as presenças e deliberações tomadas: a gravação do conclave (obrigatória, conforme artigos 4º e 6º da IN 79) (4) e a certificação dos membros da mesa. Não haverá, portanto, ata assinada pelos próprios acionistas e lavrada no livro societário respectivo.
Longe de querer discutir se o modelo trazido pela IN 79 é o mais adequado, é indubitável que a norma inovou ao ampliar as formas de comprovação de presença e voto em assembleia, e, assim, até relevou em certa medida a importância dos livros societários. Pode-se dizer que houve, desta maneira, um avanço da IN 79 no sentido da simplificação dos procedimentos de escrituração societária, mas esse avanço ainda nos parece tímido perto da significativa renovação que se evidencia como necessária no regime dos livros societários.
A equipe de Consultoria do VLF Advogados está acompanhando o novo tratamento das Juntas Comerciais e do DREI às assembleias gerais e aos livros e permanece, como sempre, à inteira disposição para sanar eventuais dúvidas e auxiliar seus clientes nos procedimentos aplicáveis.
Antônia Bethonico Guerra Simoni
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) BRASIL. Medida Provisória nº 931, de 30 de março de 2020. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv931.htm. Acesso em: 26 abr. 2020.
(2) BRASIL. Instrução Normativa DREI nº 79, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a participação e votação a distância em reuniões e assembleias de sociedades anônimas fechadas, limitadas e cooperativas. Disponível em: http://www.mdic.gov.br/images/REPOSITORIO/SEMPE/DREI/INs_EM_VIGOR/IN_DREI_79_2020.pdf. Acesso em: 26 abr. 2020.
(3) “Art. 5º Para todos os efeitos legais, considera-se presente na reunião ou assembleia semipresencial ou digital, conforme o caso, o acionista, sócio ou associado:
I - que a ela compareça ou que nela se faça representar fisicamente;
II - cujo boletim de voto a distância tenha sido considerado válido pela sociedade; ou
III - que, pessoalmente ou por meio de representante, registre sua presença no sistema eletrônico de participação e voto a distância disponibilizado pela sociedade.
Parágrafo único. Os livros societários aplicáveis e a ata da respectiva reunião ou assembleia semipresencial ou digital poderão ser assinados isoladamente pelo presidente e secretário da mesa, que certificarão em tais documentos os acionistas, sócios ou associados presentes.” (grifo nosso)
(4) “Art. 4º A sociedade pode contratar terceiros para administrar, em seu nome, o processamento das informações nas reuniões ou assembleias semipresenciais e digitais, mas permanece responsável pelo cumprimento do disposto nesta Instrução Normativa.
Parágrafo único. A sociedade deverá manter arquivados todos os documentos relativos à reunião ou assembleia semipresencial ou digital, bem como a gravação integral dela, pelo prazo aplicável à ação que vise a anulá-la. […]
Art. 6º O sistema eletrônico adotado pela sociedade para realização da reunião ou assembleia semipresencial ou digital deve garantir: […]
VII - a gravação integral do conclave, que ficará arquivada na sede da sociedade […].”