As modalidades de transação tributária e não tributária e suas vantagens aos contribuintes
Vinícius Vasconcelos
Com o intuito de aumentar a eficiência da cobrança dos créditos tributários, a Lei n. 13.988/2020 (1), objeto da conversão da Medida Provisória n. 889/2018, introduziu no âmbito federal a possibilidade de extinguir créditos tributários e não tributários mediante transação, que já foi regulamentada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional mediante a Portaria n. 9.917/2020 (2). Na seara tributária, essa possibilidade normativa já possuía respaldo no Código Tributário Nacional, editado em 1966, nos arts. 156, inciso I (3), e 171 (4).
São três as modalidades de transação estabelecidas pela nova lei (5) e a celebração por adesão é a regra.
Chama a atenção a impossibilidade de proposta de transação individual que verse sobre qualquer crédito tributário em litígio, seja no Poder Judiciário, seja na esfera administrativa. Caso se esteja discutindo algum crédito perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), por exemplo, seria necessário desistir do processo e aguardar a inscrição em dívida ativa para que o contribuinte pudesse oferecer alguma proposta. Com efeito, a possibilidade de proposta individual durante litígio se limita aos créditos não tributários, o que significa que há apenas a possibilidade de transação por adesão quando o crédito for litigioso.
A participação do devedor na transação do crédito público é, portanto, ínfima na maioria dos casos e a União Federal dita quase a totalidade das regras unilateralmente.
A ideia por trás disso reside, provavelmente, em preocupações louváveis com o princípio da isonomia, cuja observância é reforçada pela lei no art. 1º (6), e em limitações administrativas. Como o objetivo é racionalizar a cobrança, escutar e analisar o que cada contribuinte tem a oferecer individualmente poderia prejudicar a economicidade da atuação dos órgãos de cobrança. Com efeito, apenas quando o contribuinte (7) possuir valores débitos em aberto com o Fisco de no mínimo R$ 15 milhões ou quando um único débito for de ao menos R$ 1 milhão, será possível apresentar proposta de transação, e, mesmo assim, há uma série de requisitos que devem ser atendidos.
Os benefícios legalmente previstos para cada modalidade de transações são diferentes.
A previsão legal menos generosa é a transação por proposta individual ou por adesão de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou cuja cobrança seja competência da Procuradoria-Geral da União (8). Sua principal vantagem é a possibilidade de concessão de descontos nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais de créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. É possível, ainda, o oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória, em no máximo 84 meses (sete anos), bem como negociar a garantia e penhora do crédito. Como se observa, os descontos são bem modestos justamente para os créditos de recuperação mais improvável.
A segunda modalidade, relativa à transação por adesão em casos de contencioso judicial ou administrativo tributário, prevê condições muito melhores (9): a lei admite descontos que podem chegar a 50% do total do crédito, deixando de afirmar que contemplaria somente os consectários legais, como o fez em relação à primeira modalidade. A Portaria n. 9.917/2020, entretanto, estabeleceu como regra geral que o montante do crédito principal não pode ser reduzido em nenhuma hipótese (10). Nessa modalidade, também é possível quitar o débito em até 84 meses (sete anos).
Como esse tipo de transação é formatada para casos referentes à “relevante e disseminada controvérsia jurídica” (11), é possível que a União Federal use este instrumento para encerrar litígios que envolvam cifras consideráveis diante da perspectiva de derrota da tese fazendária no Poder Judiciário, embora a Lei afirme que a proposta de transação não pode ser invocada para influenciar o prognóstico de êxito (12).
A terceira modalidade diz respeito a transações que envolvem créditos de baixo valor, de até 60 salários mínimos (R$ 62.700,00, em 2020). A lei também foi generosa (13), pois seria possível oferecer desconto de até 50% do valor total do crédito, sem proibir descontos em relação ao montante principal. A Procuradoria, entretanto, embora não tenha tratado sobre essa modalidade especificamente, vedou essa possibilidade na Portaria n. 9.917/2020 para todos os casos, como já destacado (10).
Nessa modalidade, o prazo máximo de quitação se limita a 60 meses (5 anos), redução que se explica em razão do menor valor total do crédito. Há, também, a possibilidade de negociações envolvendo a garantia do crédito, como na primeira modalidade.
Apesar disso, é importante lembrar que os participantes do Simples Nacional não podem celebrar transações (14), o que reduz o alcance desse tipo de instrumento.
Quanto a esses débitos de baixa monta, outra novidade é a criação de uma espécie de “Juizado Especial” na esfera administrativa, que não estava prevista na Medida Provisória. Discussões administrativas de até 60 salários mínimos (R$ 62.700,00, em 2020) serão julgados em última instância por órgão colegiado da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento (15), sem possibilidade, portanto, de apreciação pelo CARF.
Outro ponto importante é a capacidade de pagamento do sujeito passivo. Como a ideia é oferecer formas de quitação de acordo com o perfil de cada contribuinte (16), haverá um cálculo da capacidade de pagamento de cada contribuinte, que apontará a possibilidade de usufruir de um ou de outro edital de transação. Caso haja discordância com a apuração fazendária, é possível solicitar a revisão (17).
A Portaria ainda prevê (18) a possibilidade de amortizar ou liquidar o valor transacionado com créditos líquidos e certo do contribuinte em face da União reconhecidos em decisão transitada em julgado, bem como de precatórios federais próprios ou de terceiros.
Cumpre ressaltar que como a maior parte das transações se dará por adesão, elas serão limitadas de acordo com o perfil dos devedores e dos débitos, conforme definidos em edital. É o que aconteceu com o primeiro edital de transação, publicado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ainda antes da conversão da Medida Provisória em lei e que foi abordada neste informativo anteriormente. Esse edital foi reaberto pela Portaria n. 9.924/2020 até 30 de junho de 2020 em razão da pandemia da COVID-19 (19).
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe de direito tributário do VLF Advogados.
Vinícius Vasconcelos
Advogado da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação nas hipóteses que especifica; e altera as Leis nos 13.464, de 10 de julho de 2017, e 10.522, de 19 de julho de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13988.htm. Acesso em: 17 abr. 2020.
(2) BRASIL. Portaria PGFN nº 9917, de 14 de abril de 2020. Regulamenta a transação na cobrança da dívida ativa da União. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=108608. Acesso em: 20 abr. 2020.
(3) Art. 156. Extinguem o crédito tributário: […] III - a transação.
(4) Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.
(5) Art. 2º Para fins desta Lei, são modalidades de transação as realizadas:
I - por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou na cobrança de créditos que seja competência da Procuradoria-Geral da União;
II - por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e
III - por adesão, no contencioso tributário de pequeno valor.
Parágrafo único. A transação por adesão implica aceitação pelo devedor de todas as condições fixadas no edital que a propõe.
(4) Art. 1º […] § 2º Para fins de aplicação e regulamentação desta Lei, serão observados, entre outros, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da transparência, da moralidade, da razoável duração dos processos e da eficiência e, resguardadas as informações protegidas por sigilo, o princípio da publicidade.
(6) Art. 11. A transação poderá contemplar os seguintes benefícios:
I - a concessão de descontos nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios estabelecidos pela autoridade fazendária, nos termos do inciso V do caput do art. 14 desta Lei;
II - o oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória; e
III - o oferecimento, a substituição ou a alienação de garantias e de constrições.
(7) Art. 32. Sem prejuízo da possibilidade de adesão à proposta de transação formulada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nos termos do respectivo edital, a transação individual proposta pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é aplicável aos:
I - devedores cujo valor consolidado dos débitos inscritos em dívida ativa da União for superior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais);
II - devedores falidos, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou extrajudicial ou em intervenção extrajudicial;
III - Estados, Distrito Federal e Municípios e respectivas entidades de direito público da administração indireta;
IV - débitos cujo valor consolidado seja igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e que estejam suspensos por decisão judicial ou garantidos por penhora, carta de fiança ou seguro garantia.
(8) Art. 17. § 2º As reduções e concessões de que trata a alínea a do inciso I do § 1º deste artigo são limitadas ao desconto de 50% (cinquenta por cento) do crédito, com prazo máximo de quitação de 84 (oitenta e quatro) meses.
(9) Art. 16. O Ministro de Estado da Economia poderá propor aos sujeitos passivos transação resolutiva de litígios aduaneiros ou tributários decorrentes de relevante e disseminada controvérsia jurídica, com base em manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia.
(10) Art. 14. Sem prejuízo da possibilidade de celebração de Negócio Jurídico Processual para equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União, nos termos da Portaria PGFN nº 742, de 21 de dezembro de 2018, é vedada a transação que:
I - reduza o montante principal do crédito.
(11) § 3º Considera-se controvérsia jurídica relevante e disseminada a que trate de questões tributárias que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
(12) § 1º A proposta de transação e a eventual adesão por parte do sujeito passivo não poderão ser invocadas como fundamento jurídico ou prognose de sucesso da tese sustentada por qualquer das partes e serão compreendidas exclusivamente como medida vantajosa diante das concessões recíprocas.
(13) Art. 25. A transação de que trata este Capítulo poderá contemplar os seguintes benefícios:
I - concessão de descontos, observado o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do valor total do crédito;
II - oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória, obedecido o prazo máximo de quitação de 60 (sessenta) meses; e
III - oferecimento, substituição ou alienação de garantias e de constrições.
(14) Art. 5º É vedada a transação que: II - conceda descontos a créditos relativos ao:
a) Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), enquanto não editada lei complementar autorizativa.
(15) Art. 23. Observados os princípios da racionalidade, da economicidade e da eficiência, ato do Ministro de Estado da Economia regulamentará:
I - o contencioso administrativo fiscal de pequeno valor, assim considerado aquele cujo lançamento fiscal ou controvérsia não supere 60 (sessenta) salários mínimos;
II - a adoção de métodos alternativos de solução de litígio, inclusive transação, envolvendo processos de pequeno valor.
Parágrafo único. No contencioso administrativo de pequeno valor, observados o contraditório, a ampla defesa e a vinculação aos entendimentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o julgamento será realizado em última instância por órgão colegiado da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, aplicado o disposto no Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, apenas subsidiariamente.
(16) Art. 2º São princípios aplicáveis à transação na cobrança da dívida ativa da União:
VI - adequação dos meios de cobrança à capacidade de pagamento dos devedores inscritos em dívida ativa da União.
(17) Art. 62. O sujeito passivo poderá apresentar pedido de revisão quanto à sua capacidade de pagamento ou em relação às situações impeditivas à celebração da transação.
(18) Art. 8º As modalidades de transação previstas nesta Portaria poderão envolver, a exclusivo critério da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as seguintes concessões, observados os limites previstos na legislação de regência da transação:
VI - possibilidade de utilização de créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União, reconhecidos em decisão transitada em julgado, ou de precatórios federais próprios ou de terceiros, para fins de amortização ou liquidação de saldo devedor transacionado, observado o procedimento previsto nesta Portaria.
(19) BRASIL. Portaria nº 9.924, de 14 de abril de 2020. Estabelece as condições para transação extraordinária na cobrança da dívida ativa da União, em função dos efeitos da pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19) na capacidade de geração de resultado dos devedores inscritos em DAU. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-9.924-de-14-de-abril-de-2020-252722641. Acesso em: 20 abr. 2020.