As propostas do PL 1179/2020 para o enfrentamento da pandemia no âmbito das relações jurídicas de direito privado
Stefânia de Matos Bonin
Em virtude do caráter emergencial da atual crise gerada pela pandemia da COVID-19, o Senador Antônio Anastasia elaborou, com a colaboração de juristas, o Projeto de Lei n. 1179 de 2020 (“PL 1179/2020”) que institui normas de caráter transitório para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado no período em que durar a pandemia (1).
O PL 1179/2020 contém regras para flexibilizar as relações jurídicas privadas com o objetivo de atenuar as consequências socioeconômicas geradas pela pandemia da COVID-19, preservando os contratos e servindo de base para futuras decisões judiciais. Pretende-se, assim, trazer maior segurança jurídica em meio a um cenário de incertezas.
O texto não promove mudança na lei vigente, mas apenas suspende temporariamente a eficácia de algumas exigências legais contidas em diferentes normas, incluindo o Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e Lei do Inquilinato. Não foram incluídas no projeto questões tributárias, administrativas, de natureza falimentar ou de recuperação empresarial.
Considera-se 20 de março de 2020 o marco temporal dos temas definidos no texto do projeto, de modo que as relações jurídicas firmadas antes e depois desta data terão tratamento diferenciado para fins de discussões acerca da imprevisibilidade.
• Dentre as medidas propostas, o projeto prevê que os prazos prescricionais e decadenciais de processos em trâmite na Justiça estão impedidos ou suspensos até 30 de outubro de 2020.
• As associações, sociedades, fundações e organizações religiosas deverão observar as restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais, sendo permitida a realização de assembleia geral por meios eletrônicos.
• As consequências decorrentes da pandemia nas execuções dos contratos não terão, de acordo com o PL, efeitos jurídicos retroativos. Quanto aos fatos imprevisíveis que podem suscitar a revisão de contratos, foram excluídos o aumento da inflação, variação cambial, desvalorização ou substituição do padrão monetário. Essa regra não vale para revisão contratual previstas no Código de Defesa do Consumidor e na Lei de Locações de Imóveis Urbanos (Lei 8.245, de 1991).
• No que tange às relações de consumo, a proposta suspende até 30 de outubro de 2020 a aplicação do direito de arrependimento previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de comida e medicamentos.
• Em relação ao direito imobiliário, o projeto diz que não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo até 30 de outubro de 2020.
• Quanto à usucapião, suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, até 30 de outubro de 2020.
• O projeto ainda confere ao síndico poderes para restringir a utilização de áreas comuns, restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso do estacionamento por terceiros. São permitidas apenas obras de natureza estrutural e de benfeitorias necessárias. A assembleia condominial e a respectiva votação dos itens de pauta poderão acontecer por meio virtual.
• As normas extraordinárias também deverão regular o regime concorrencial, suspendendo algumas infrações de ordem econômica, como a venda injustificada de produtos e serviços abaixo do preço de custo, a fim de atender às necessidades da escassez de serviços e produtos.
• No âmbito do direito de família e sucessões, o projeto determina a prisão domiciliar por dívida alimentícia e estende o prazo para abertura e conclusão de inventários e partilhas.
• Foi aprovada emenda para beneficiar motoristas determinando que empresas de transporte por aplicativo terão de reduzir 15% do lucro sobre o valor da corrida enquanto perdurar a pandemia.
• Fica estabelecido que caberá ao Conselho Nacional de Trânsito (“Contran”) editar normas, durante o período de calamidade pública, que prevejam medidas excepcionais de flexibilização do cumprimento dos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, que proíbem o excesso de peso.
• O PL também adia para janeiro de 2021 a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”), sendo que as multas e sanções serão válidas somente a partir de agosto de 2021.
A proposta foi aprovada pelo Senado Federal e encaminhada para a Câmara dos Deputados em 13 de abril de 2020 para votação (2). Pelo Sistema de Deliberação Remota, o processo legislativo pode ser acelerado, visto que todas as votações têm sido realizadas diretamente em plenário na Câmara pelo aplicativo criado pela Casa Legislativa para as sessões virtuais realizadas durante o estado de calamidade pública.
Stefânia de Matos Bonin
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) BRASIL. Projeto de Lei nº 1179, de 2020. Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19). Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8081779&ts=1586877890446&disposition=inline. Acesso em: 15 abr. 2020.
(2) BRASIL. Autógrafo - Projeto de Lei nº 1179, de 2020. Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19). Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8093441&ts=1586877894835&disposition=inline. Acesso em: 15 abr. 2020.