O Sandbox Regulatório da CVM: experimentação como incentivo às tecnologias disruptivas no mercado de valores mobiliários nacional
Antônia Bethonico e Pedro Ernesto Rocha
A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou a Instrução nº 626/2020, que entra em vigor em 1º de junho e regulamenta a constituição e o funcionamento do sandbox regulatório no mercado de valores mobiliários brasileiro. Segundo a CVM, “a iniciativa visa a fomentar o empreendedorismo e o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro por meio da criação de um ambiente regulatório experimental, em que as entidades participantes possam testar modelos de negócio inovadores em atividades regulamentadas pela CVM” (1).
A Instrução é realmente oportuna, pois tende a favorecer o desenvolvimento das fintechs. O relatório “The Pulse of Fintech” (2), da KPMG, aponta o crescimento significativo da América Latina como alvo de investimentos nesse setor e destaca o Brasil como recordista no recebimento de investimentos, tanto no terceiro quadrimestre de 2019, quanto no ano. O montante chegou a US$860.9 milhões em 2019, e o mercado pode se tornar ainda mais atrativo à medida que forem sendo criados os mecanismos regulatórios apropriados.
O sandbox, termo cunhado pelo regulador britânico pioneiro no assunto (3) designa o ambiente regulatório no qual determinadas companhias recebem uma licença temporária para testar modelos de negócios inovadores, com a dispensa de alguns requisitos. Após ter sua candidatura aprovada, as interessadas (adiante identificadas como “Proponentes”) passam a atuar no mercado de valores mobiliários sem cumprir determinados requisitos durante o período de experiência, sendo monitoradas pela CVM, que recebe informações das Proponentes e lhes orienta sobre suas atividades.
Os exatos critérios de elegibilidade, seleção e priorização de Proponentes ainda não foram integralmente divulgados (4), o que será feito por meio de comunicado ao mercado. Apesar disso, pela Instrução, já se sabe que poderão participar as pessoas jurídicas brasileiras ou estrangeiras (5) dispostas a testar negócios inovadores no mercado de valores mobiliários, devendo esses negócios já estar na fase de prova de conceito ou protótipo e utilizar tecnologia inovadora.
Da mesma forma, poderão participar do sandbox os negócios que inovarem na utilização de tecnologia já existente ou que desenvolverem produtos e serviços novos ou com arranjos diferentes dos já oferecidos no mercado (6). Além disso, é importante se tratar de modelo de negócios que tenha o potencial de promover ganhos de eficiência, redução de custos ou ampliação do acesso do público em geral a produtos e serviços do mercado de valores mobiliários.
Os Proponentes deverão atender a requisitos de segurança da informação e compliance mínimos para a candidatura (7), e, dentre outras exigências, não poderão estar impedidos de licitar e seus sócios e administradores não poderão ter sido condenados por crime falimentar (8).
A Instrução nº 626 define, adicionalmente, quais informações deverão ser apresentadas na candidatura dos Proponentes, entre as quais estão a descrição minuciosa do produto ou serviço oferecido e a sugestão, pelos Proponentes, de quais requisitos regulatórios devem ser dispensados durante a experiência.
A Instrução estabelece as hipóteses de interrupção do programa, que poderá se dar ao final do prazo do experimento, por solicitação do Proponente, pela infração de obrigações a ele impostas ou pela inviabilidade da atividade pretendida. Em todo caso, a interrupção ocorrerá por meio de plano de contingência para descontinuação ordenada da atividade regulamentada, nos termos sugeridos na proposta inicial à CVM. A execução do plano é desnecessária quando o término se der pelo sucesso do experimento e a CVM conceder a autorização definitiva ao Proponente (9).
O pleno aproveitamento do potencial do mercado brasileiro passa pela criação de mecanismos que garantam aos investidores segurança regulatória, especialmente em relação aos negócios disruptivos. Assim, com o sandbox regulatório, a CVM atende ao apelo do mercado, gerando grandes expectativas.
Agora, resta acompanhar se, na prática, o sandbox regulatório funcionará e promoverá o esperado incentivo ao mercado de inovação, criando maior competitividade, tanto interna quanto externa.
Antônia Bethonico Guerra Simoni
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) CVM lança regras para sandbox regulatório. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2020/20200515-1.html. Acesso em: 22 maio 2020.
(2) Cf. KPMG. Pulse of Fintech H2 2019. Disponível em: https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/xx/pdf/2020/02/pulse-of-fintech-h2-2019.pdf. Acesso em: 26 maio 2020.
(3) Cf. AMBIMA. Adoção de arranjos do tipo sandbox regulatório avança internacionalmente. Disponível em: https://www.anbima.com.br/en_us/informar/regulacao/internacional/radar/adocao-de-arranjos-do-tipo-sandbox-regulatorio-avanca-internacionalmente.htm. Acesso em: 22 maio 2020.
Cf. UNSGSA. Briefing on Regulatory Sandboxes. Disponível em: https://www.unsgsa.org/files/1915/3141/8033/Sandbox.pdf. Acesso em: 22 maio 2020.
(4) “Art. 3º O processo de admissão de participantes no sandbox regulatório se iniciará por meio de comunicado ao mercado, divulgado na página da CVM na rede mundial de computadores, que indicará:
I – o cronograma de recebimento e análise de propostas; e
II – os critérios de elegibilidade e o conteúdo exigido das propostas a serem apresentadas, assim como os critérios de seleção e priorização aplicáveis, nos termos do art. 11.”
(5) “Art. 5º [...].
Parágrafo único. É permitida a participação de pessoas jurídicas estrangeiras no sandbox regulatório previsto nesta Instrução, observados os critérios de elegibilidade previstos neste art. 5º.”
(6) “Art. 2º Para os efeitos desta Instrução, entende-se por: [...]
IV – modelo de negócio inovador: atividade que, cumulativamente ou não:
a) utilize tecnologia inovadora ou faça uso inovador de tecnologia; ou
b) desenvolva produto ou serviço que ainda não seja oferecido ou com arranjo diverso do que esteja sendo ofertado no mercado de valores mobiliários.
§ 1º O modelo de negócio inovador de que trata o inciso IV deve ter o potencial de promover ganhos de eficiência, redução de custos ou ampliação do acesso do público em geral a produtos e serviços do mercado de valores mobiliários.
Art. 5º [...] VI – o modelo de negócio inovador deve ter sido preliminarmente validado por meio, por exemplo, de provas de conceito ou protótipos, não podendo se encontrar em fase puramente conceitual de desenvolvimento.
Art. 2º [...] § 1º O modelo de negócio inovador de que trata o inciso IV deve ter o potencial de promover ganhos de eficiência, redução de custos ou ampliação do acesso do público em geral a produtos e serviços do mercado de valores mobiliários.”
(7) “Art. 5º [...] V – o proponente deve demonstrar que tem capacidade de estabelecer, no mínimo, mecanismos de:
a) proteção contra ataques cibernéticos e acessos lógicos indevidos a seus sistemas;
b) produção e guarda de registros e informações, inclusive para fins de realização de auditorias e inspeções; e
c) prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.”
(8) “Art. 5º [...] III – os administradores e sócios controladores diretos ou indiretos do proponente não podem: b) ter sido condenados por crime falimentar [...].”
(9) “Art. 16. A participação no sandbox regulatório se encerrará:
I – por decurso do prazo estabelecido para participação;
II – a pedido do participante;
III – em decorrência de cancelamento da autorização temporária, nos termos do art. 17; ou
IV – mediante obtenção de registro definitivo junto à CVM para desenvolver a respectiva atividade regulamentada.
§ 1º Nos casos de encerramento de participação previstos nos incisos I a III, o participante deverá colocar em prática o seu plano de contingência para descontinuação ordenada da atividade regulamentada, nos termos do inciso VI do art. 6º.”