O impacto da pandemia da COVID-19 nos Contratos de Concessão
A paralisação das atividades do país em virtude da pandemia do coronavírus (SARS-CoV-2) trará consequências de grande dimensão aos contratos administrativos, notadamente nos Contratos de Concessão. Caberá à Administração Pública e aos particulares contratados se adequarem à nova realidade imposta, visando a preservação dos contratos firmados até então.
Certo é que esse período de instabilidade dificultará a execução dos contratos como foram previamente estabelecidos, sendo necessário, por vezes, o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da avença.
A equação econômico-financeira do contrato administrativo é definida por Hely Lopes Meirelles como “a relação estabelecida inicialmente pelas partes entre os encargos do contrato e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, do serviço ou do fornecimento” (1). A relação entre as partes, portanto, deverá se manter equilibrada até o cumprimento total do contrato, como determina o art. 37, XXI, da Constituição Federal (2).
O coronavírus pode ser classificado como evento de força maior, definido no §1º, do art. 393, do Código Civil, como um fato “cujos efeitos não era possível evitar ou impedir” (3). A ocorrência de eventos de força maior caracteriza “álea extraordinária”, a possibilitar a revisão dos contratos administrativos, conforme disposição contida no art. 65, II, “d”, da Lei nº 8.666/93 (4).
Considerando-se as circunstâncias atuais, a Advocacia Geral da União (“AGU”) emitiu o Parecer nº 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU (5) reconhecendo a possibilidade de enquadramento da pandemia enfrentada na “álea extraordinária”, por tratar-se de caso de força maior, possibilitando a revisão de contratos de concessionários de serviços públicos, especialmente aqueles envolvidos com os setores de transporte e de infraestrutura.
Segundo entendimento da AGU, por mais que o serviço público seja exercido por “conta e risco” do contratado, não há como transferir a ele o risco integral pela prestação de serviços. Reconhece que a assunção integral dos riscos pelo contratado seria contraditória com o próprio objetivo da modicidade tarifária, uma vez que maiores riscos implicam em maiores repasses de custos aos usuários.
O parecer também conclui que, mesmo diante da premissa da força maior relacionada à COVID-19, “nada impede que os contratos estabeleçam uma divisão de riscos diferente”.
Diante dos impactos da pandemia nos contratos de concessão, alerta-se, primeiramente, para a necessidade de consensualidade entre as partes para que as atividades sejam realizadas considerando os seus efeitos, que ainda sequer podem ser estimados com segurança.
O parecer, nesse sentido, aponta que é necessário deixar de lado instrumentos unilaterais e rígidos previstos na legislação – que constituem cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos em favor da Administração – para privilegiar a negociação com os fornecedores, pautada na composição de suas capacidades e interesses.
Apesar da existência de previsão legal a autorizar revisões dos contratos administrativos, é necessária uma análise detalhada do caso concreto e da matriz de risco definida no contrato firmado, cabendo ao contratado a demonstração da relação direta entre a ocorrência da pandemia e a diminuição de receita, ou impossibilidade de desempenho pleno das funções empresariais.
Diante da situação ora enfrentada, não sendo possível a solução da controvérsia na esfera administrativa, e visando a preservação dos seus interesses, os contratados poderão valer-se do ajuizamento de ação ordinária de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, com respaldo na Lei nº 8.666/93 e no Parecer nº 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU.
Para informações detalhadas, a Equipe de Contencioso Cível e Regulatório do VLF Advogados está à disposição.
(1) MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.165.
(2) “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...] XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
(3) “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
(4) “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
[...] II - por acordo das partes:
[...] d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”
(5) Parecer nº 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU.