Peticionamento por procurador não supre a necessidade de citação quando a procuração não prevê expressamente poderes para tanto
Domirí Lara Cunha Gonçalves
Entende-se por citação o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual (1).
A importância da citação é tamanha que o Código de Processo Civil, em seu artigo 239, determina se tratar de ato formal e necessário para a existência e validade do processo, cujo descumprimento acarreta nulidade absoluta, podendo ser arguida a qualquer tempo e decretada até mesmo de ofício, não sendo passível de preclusão.
Ocorre que a formalidade no cumprimento da diligência poderá ser dispensada quando o Réu comparecer espontaneamente ao processo. Em virtude disso, para evitar qualquer prejuízo à parte, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) estabeleceu os requisitos necessários para que se configure o comparecimento espontâneo do Réu representado por advogado, ao julgar o AREsp 1305561/SC.
Conforme se extrai do julgado, o mero peticionamento nos autos pelo procurador da parte não supre a necessidade de citação quando a procuração não prevê expressamente poderes para tanto. Repare:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA CUMULADA COM NULIDADE E INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO. NULIDADE DO ATO CITATÓRIO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO RÉU. NÃO CONFIGURADO. INEXISTÊNCIA DE PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECÍFICOS PARA RECEBER CITAÇÃO. CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, recentemente, reafirmou o entendimento de que, "em regra, o peticionamento nos autos por advogado destituído de poderes especiais para receber citação não configura comparecimento espontâneo apto a suprir tal necessidade" (EREsp 1.709.915/CE, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 1º/08/2018, DJe de 09/08/2018). 2. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no REsp 1777654/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 11/09/2019)
No mesmo sentindo, ao julgar o AgInt no AREsp 1305561/SC, em 23 de março de 2020, o Ministro Antônio Carlos Ferreira decidiu que “não perfaz comparecimento espontâneo: a) o peticionamento nos autos por advogado destituído de poderes especiais para receber a citação e sem a apresentação de defesa; e c) a carga dos autos por advogado sem poderes específicos para receber citação não supre a ausência do referido ato”.
De acordo com o STJ, portanto, a ausência de poderes específicos para o recebimento de citação no instrumento de mandato não configura o comparecimento espontâneo da parte nos autos e, por isso, não supre a necessidade de formalização do ato, sem o qual não tem início o prazo de defesa.
Esse entendimento foi reafirmado recentemente no julgamento do AgInt nos EDcl no REsp 1444966/GO, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, cujo acórdão ressaltou a nulidade processual decorrente do descumprimento de formalidade central ao processo, qual seja, a citação do réu para resposta, já que isso estaria atrelado à própria existência do processo.
No caso, discutia-se a validade do processo no qual, mesmo sem citação, o Réu apresentou defesa, manifestando-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. De acordo com as alegações do Ministério Público do Estado de Goiás, a apresentação da defesa pelo Réu demonstraria a sua cabal e inequívoca ciência da ação e dos fatos e imputações que lhe eram feitas, razão pela qual não haveria que se falar em nulidade por falta de citação. Esse, porém, não foi o entendimento adotado pelo Colendo STJ, segundo o qual o procedimento conteria nulidade absoluta, já que a falta de citação para resposta do réu estaria atrelada à própria existência do processo.
Domirí Lara Cunha Gonçalves
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.