The Underground railroad: os caminhos para a liberdade
Rafhael Frattari
A nossa primeira indicação cultural é The Underground Railroad, obra que rendeu o Pulitzer Prize ao seu autor, Colson Whitehead, que neste ano levou de novo o prêmio, sendo o primeiro a recebê-lo por duas vezes.
O livro se passa nos Estados Unidos e narra a saga de Cora, uma escrava de uma plantation de algodão da Geórgia, que levava uma vida sofrida diante da exploração do proprietário, dos demais brancos e até de escravos, desde que foi abandonada pela mãe, única pessoa que fugiu com sucesso da fazenda, abandonando Cora completamente sozinha aos dez anos.
Depois de conhecer um escravo vindo do norte, Cora fica sabendo da existência da “Ferrovia Subterrânea”, uma via que ajudava negros a fugirem do sul para o norte, na tentativa de verem-se livres da escravidão. A Underground Railroad realmente existiu, e era constituída por inúmeras rotas clandestinas de apoio e solidariedade, formada por pessoas que auxiliavam os pretos a conquistarem a sua liberdade, levando-os de estados escravocratas para o norte. Há vários relatos e histórias interessantes sobre as vias para a liberdade.
No livro, a ferrovia ganha materialidade, existe, pasmem, é uma ferrovia debaixo da terra! Isso rendeu ao Autor várias críticas, tanto em face da impossibilidade tecnológica do projeto àquela época, quanto pela ausência de explicações sobre a ferrovia na obra. No entanto, é quase que óbvio que a figura de linguagem foi utilizada como uma ideia para simbolizar os valores presentes na narrativa.
O livro ainda foi criticado por leitores que não entenderam a menção à elevadores, prédios, pesquisa genética etc. em pleno início do Século XIX, ainda que esses elementos sejam completamente subsidiários na narrativa.
Mais uma vez, trata-se da utilização de certos elementos de um “realismo fantástico”, nada mais que um recurso literário que não atrapalha a obra em nada, ao contrário. O recurso também não é o centro do enredo, pelo que não se pode nem dizer que se trata de um livro de realismo mágico, fantástico ou algo que o valha. É sempre bom lembrar que se está diante de uma obra de ficção, na qual não há compromisso com a realidade, senão que aquela construída pelo Autor. Por isso, é compreensível e até bem bacana a ideia de concretizar as redes de apoio formada por pessoas numa ferrovia subterrânea. Mas isso não é o que importa, a ferrovia não passa de uma figura de linguagem.
Aliás, o uso de elementos irreais não oculta o realismo com que as relações pessoais e sociais são descritas no livro, sobretudo atingindo Cora, sozinha, negra e mulher, o que lhe leva ao subterrâneo da pirâmide social da época, sofrendo as mais variadas violências físicas e psicológicas. Mas fique tranquilo, não é mais um livro óbvio de fuga e perseguição, comuns em torno do tema da escravidão americana. Embora esteja sempre no centro da narrativa, o livro não é sobre Cora ou sobre outro personagem qualquer, mas sim sobre uma das condições constitutivas da sociedade americana (também da brasileira): a escravidão. Uma obra que aborda os inimagináveis limites da relação de propriedade que fundamentou o sistema escravocrata, como bem lembrou o canal do YouTube Abstração Coletiva, mas que também retrata a busca incessante pela liberdade.
A indicação de Obama e a sua inclusão no famoso clube do livro da Oprah tornaram a obra um bestseller, mas essas não são razões para aumentar as expectativas em relação a ela, é a sua temática, especialmente a tenacidade e a solidariedade envolvidos na busca de Cora, a melhor razão para se ler o livro. Espero que gostem.
Rafhael Frattari
Sócio fundador do VLF Advogados, responsável pela área tributária.