Controvérsia repetitiva descrita no Tema 1051 do STJ e a definição sobre a data de reconhecimento do crédito na recuperação judicial
Diego Murça
O art. 49 da Lei nº 11.101/2005 dispõe que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos” (1).
A definição da data a partir da qual o crédito oriundo de fato ocorrido antes do pedido de recuperação judicial passa a existir é algo de considerável importância para o trâmite deste procedimento.
Atualmente, o entendimento dos tribunais de justiça quanto à data para existência do crédito é controvertida, de forma que tanto a data do seu fato gerador quanto do trânsito em julgado da sentença que o reconhece têm sido consideradas para fins de eventual submissão do crédito aos efeitos da recuperação judicial.
Em virtude disso, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) afetou os Recursos Especiais nº 1.843.332/RS, 1.842.911/RS, 1.843.382/RS, 1.840.812/RS e 1.840.531/RS como representativos da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1051, para julgamento conforme o procedimento previsto no art. 1036 do CPC (2).
Com a afetação do tema, todos os processos pendentes de julgamento no território nacional, individuais ou coletivos, que versem acerca da questão delimitada, tiveram seu processamento suspenso, excetuada a concessão de tutelas provisórias de urgência, quando presentes seus requisitos.
O Ministro Villas Bôas Cueva, relator dos recursos afetados, diz que a medida visa uniformizar o entendimento que já vem sendo adotado pelo STJ no julgamento da matéria, garantindo que as decisões das instâncias ordinárias também sejam uniformes, evitando o envio desnecessário de recursos à Corte.
Em relação ao entendimento que já vem sendo adotado pelo STJ, conforme mencionado pelo Ministro Villas Bôas Cueva, destaca-se o Recurso Especial nº 1.727.771, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEVEDOR EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO VERIFICADA. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. EVENTO DANOSO OCORRIDO EM MOMENTO ANTERIOR AO PEDIDO RECUPERACIONAL. SUBMISSÃO AOS SEUS EFEITOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA POSTERIORMENTE. IRRELEVÂNCIA. 1. Ação ajuizada em 20/5/2013. Recurso especial interposto em 27/9/2017 e concluso ao Gabinete em 8/3/2018. 2. O propósito recursal é definir se o crédito de titularidade das recorridas, decorrente de sentença condenatória transitada em julgado após o pedido de recuperação judicial do devedor, deve sujeitar-se ao plano de soerguimento. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões controvertidas, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, não há como reconhecer a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional. 4. Para os fins do art. 49, caput, da Lei 11.101/05, a constituição do crédito discutido em ação de responsabilidade civil não se condiciona ao provimento judicial que declare sua existência e determine sua quantificação. Precedente. 5. Na hipótese, tratando-se de crédito derivado de fato ocorrido em momento anterior àquele em que requerida a recuperação judicial, deve ser reconhecida sua sujeição ao plano de soerguimento da sociedade devedora. 6. Recurso especial provido. RECURSO ESPECIAL Nº 1.727.771 - RS (2018/0050035-8) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI. RECORRENTE: VRS - INDUSTRIA DE LATICINIOS LTDA. RECORRIDO: A L C. RECORRIDO: WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA. Julgamento realizado em 15 de maio de 2018. (3)
Como se vê, antes da submissão do tema ao rito dos recursos repetitivos, o entendimento adotado pelo STJ considerava a data do fato gerador para admissão do crédito à Recuperação Judicial.
Inobstante, com o julgamento da matéria sob o rito dos recursos repetitivos, a definição sobre a data de reconhecimento do crédito na recuperação judicial, que ainda gera entendimentos conflitantes perante os Tribunais de Justiça, restará pacificada.
Mais informações sobre o tema e a atualização sobre o entendimento a ser firmado pelo STJ podem ser obtidas com a Equipe de Contencioso Cível do VLF.
Diego Murça
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 17 jun. 2020.
(2) Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
(3) Decisão proferida nos autos do Recurso Especial 1.727.771 - RS (2018/0050035-8), em trâmite perante a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=83427655&num_registro=201800500358&data=20180518&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 17 jun. 2020.