STJ autoriza a cobrança de tributos pela Fazenda Nacional em ação de falência e execução fiscal
Luciana L. M. Corrêa Netto
Em 16 de junho de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.848.957/SP (1), por unanimidade, reconheceu a prerrogativa da Fazenda Nacional cobrar crédito tributário em ação autônoma (Execução Fiscal – disciplinada pela Lei nº 6.830/1980) e, simultaneamente, requerer a habilitação do mesmo crédito nos autos do procedimento falimentar (Lei nº 11.101/2005).
O cerne da questão posta em discussão no Recurso Especial ora citado, é saber se a União pode cobrar uma dívida tributária nos autos da ação de falência em que é parte a empresa devedora – mediante habilitação de crédito – na hipótese em que já ajuizada execução fiscal para cobrança dessa mesma dívida.
A origem dessa controvérsia se deve ao fato de que, pela ótica dos contribuintes, estaria ocorrendo uma cobrança em duplicidade por parte da Fazenda Nacional, uma vez que a execução fiscal visa, especificamente, a cobrança da dívida tributária. Daí o motivo pelo qual o entendimento, até então, era de não haver fundamentos para a habilitação do crédito no juízo da falência.
A fundamentação utilizada pelos tribunais estaduais para sustentar esse posicionamento pretérito, inclusive pelo próprio STJ, tem espeque no art. 187 do Código Tributário Nacional (2) e no art. 29 da Lei de Execução Fiscal (3). É dizer: cabia à Fazenda Pública optar por ingressar com a cobrança judicial ou requerer a habilitação de seu crédito na ação falimentar.
Isso significava que, a opção por um caminho implicava renúncia ao outro, ou seja, se o Fisco ajuizasse a execução fiscal, não poderia se habilitar, ou se usasse a habilitação, não poderia ajuizar execução fiscal, ante o descabimento de garantia dúplice.
A União Federal, por sua vez, entende que possui a prerrogativa de buscar a satisfação do crédito tributário, por todos os meios legais cabíveis. Ou seja, cobrar do contribuinte a dívida tributária existente tanto pela via da execução fiscal quanto nos autos da ação de falência, mediante a habilitação do seu crédito.
E foi por isso que, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”), a Fazenda Nacional manejou Recurso Especial, levando a discussão à Corte do STJ. Logo, coube a esse Sodalício aferir se, optando a Fazenda Nacional pela habilitação de seus créditos nos autos do procedimento falimentar, submetendo-se à ordem de pagamento prevista na Lei nº 11.101/2005 (4), implicaria renúncia a utilizar-se do rito previsto na Lei nº 6.830/80 (3).
Em seu voto, a Relatora do recurso, Ministra Regina Helena Costa, ponderou que “a tramitação da ação executiva fiscal não representa, por si só, uma garantia para o credor.” (1) O entendimento é certeiro, uma vez que, a garantia somente existe quando da constrição de bens e direitos, por meio de penhora ou indisponibilidade de bens. Consequentemente, não há de se falar em renúncia à ação executiva fiscal diante de pedido de habilitação de crédito no juízo concursal, quando o feito executivo carece de constrição de bens.
A Ministra Relatora acrescentou que “a manutenção do entendimento esposado pelo acórdão recorrido traz limitações processuais sem suporte legal para a cobrança de crédito tributário, dificultando o exercício do juízo de conveniência e oportunidade já reconhecido expressamente pela jurisprudência, conforme registrado.” (1)
Portanto, revela-se cabível a coexistência da habilitação de crédito em sede de juízo falimentar com a execução fiscal desprovida de garantia, desde que a Fazenda Nacional se abstenha de requerer a constrição de bens em relação ao executado que também figure no polo passivo da ação falimentar.
É possível concluir que a intensão do STJ foi buscar um equilíbrio entre a posição dos contribuintes e a do Fisco, uma vez que defendeu que poderá haver a concomitância das cobranças, desde que ainda não tenha sido oferecida garantia ou ocorrido penhora nos autos da execução fiscal.
Em outras palavras, significa dizer que a execução fiscal ajuizada pela Fazenda Nacional, por si só, não obstará a habilitação do crédito no juízo falimentar, somente existindo o óbice na hipótese em que a dívida tributária a ser objeto da habilitação de crédito já esteja devidamente garantida no âmbito da execução fiscal.
Mais informações podem ser obtidas com a equipe de Contencioso Cível e de Direito Tributário do VLF Advogados.
Luciana L. M. Corrêa Netto
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) REsp nº 1.848.957/SP. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=1.848.957&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO. Acesso em: 24 jun. 2020.
(2) BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (CTN). Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 24 jun. 2020.
(3) BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm. Acesso em: 24 jun. 2020.
(4) BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 24 jun. 2020.