Um overview das alterações trazidas pela Instrução Normativa DREI nº 81 no âmbito do registro público de empresas
Larissa Vargas, Antônia Simoni e Pedro Ernesto Rocha
Pautada na Lei da Liberdade Econômica (1) e no Decreto nº 10.139/2019 (2), que dispõe sobre a revisão e consolidação de atos normativos federais, a Instrução Normativa DREI nº 81 (3) (“Instrução Normativa”) foi publicada em 15 de junho de 2020 prometendo simplificar e desburocratizar o processo de registro de empresas perante as Juntas Comerciais, e, para isso, revogou dezenas de normas expedidas desde 2013 pelo próprio DREI. Assim, com a entrada em vigor do ato, em 1º de julho, a maioria das normas referentes à abertura, modificação e extinção de empresário individual, EIRELI, sociedades empresárias e cooperativas passou a estar concentrada em um único ato normativo.
Conjuntamente com a Instrução Normativa, o DREI publicou um quadro resumo (4) em que elegeu as principais alterações trazidas, a saber: (i) a consolidação dos critérios de análise do nome empresarial; (ii) a possibilidade de transformação/conversão de associações e cooperativas em sociedades empresárias; (iii) a dispensa de reconhecimento de firma ou autenticação de documentos apresentados para arquivamento; (iv) a viabilidade de integralização em data futura do montante de capital social de EIRELI que exceder R$100.000,00; (v) a ampliação dos atos passíveis de registro automático; e (vi) a expressa admissão, nas sociedades limitadas, de quotas de classes distintas que atribuam direitos econômicos e políticos diversos a seus titulares. Essas alterações são brevemente comentadas a seguir.
Nome empresarial
No âmbito do nome empresarial, destacam-se dois pontos.
O primeiro é que a Instrução Normativa fez questão de trazer a possibilidade de utilização de palavras estrangeiras na formação do nome (5). Embora essa prática já estivesse consolidada, ela não constava dos atos normativos anteriores. O segundo é que, ao fixar critérios taxativos para indeferimento do registro do nome empresarial, a Instrução Normativa não listou a inexistência da indicação do objeto social na composição do nome, tomando posição oposta à previsão contida no artigo 1.158 do Código Civil (artigo 1.158, §2º: “A denominação deve designar o objeto da sociedade […]”), e levando à interpretação de que a indicação do objeto não é essencial para fins de análise registral.
Cooperativas, Associações e Sociedades Simples
Uma das maiores inovações trazidas pela Instrução Normativa foi a autorização para transformação de cooperativas (6) em sociedades empresárias, e vice-versa. É que, embora o Código Civil (7) já dispusesse que as operações de transformação de cooperativas seriam regidas pelas disposições concernentes às sociedades empresárias, tornando a operação possível, constava vedação inequívoca na Instrução Normativa DREI nº 35 (revogada pela própria Instrução Normativa DREI nº 81), que regia as operações de transformação, incorporação, fusão e cisão (8).
Para as associações e sociedades simples, por sua vez, a Instrução Normativa trata da “conversão”. Nessa operação, que nada mais é que a transformação de sociedade simples ou associação em sociedade empresária (9), o instrumento de transformação deve ser averbado no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas competente para o registro de atos da natureza jurídica inicial, sendo posteriormente arquivado na Junta Comercial da sede.
Reconhecimento de firma e autenticação
A Instrução Normativa segue a tendência simplificativa da Lei da Liberdade Econômica, dispensando o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia de documentos, desde que haja declaração de autenticidade firmada por advogado ou contador (10).
Capital social de EIRELI
Em relação ao capital social da EIRELI, que a legislação determina dever ser de, no mínimo, 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país, a novidade trazida foi o esclarecimento de que a integralização obrigatória, no momento da constituição, está restrita ao valor mínimo. Dessa forma, se uma EIRELI é constituída com capital social superior ao mínimo legal, o montante excedente poderá ser integralizado futuramente, sem prejuízo para o registro do ato.
Registro Automático
Outra disposição trazida pela Instrução Normativa foi a ampliação do já existente registro automático. Agora, caso o documento levado a registro seja confeccionado a partir do instrumento padrão fornecido pelo DREI, os atos de constituição e extinção de empresário individual, EIRELI, sociedades limitadas e de constituição de cooperativas devem ser aprovados automaticamente.
Essa análise será feita através de um sistema informatizado utilizado pelas Juntas Comerciais e, em razão disso, tal disposição só entrará em vigor após 120 dias da publicação da Instrução Normativa.
Quotas preferenciais sem direito a voto
Por fim, merece especial atenção o fato de que a Instrução Normativa passou a admitir expressamente o registro de contrato social que contenha quotas preferenciais com restrições de voto nas sociedades limitadas. O texto normativo se encontra no Anexo IV da Instrução Normativa, item 5.3.1:
São admitidas quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou limitado o direito de voto pelo sócio titular da quota preferencial respectiva, observados os limites da Lei nº 6.404, de 1976, aplicada supletivamente.
Havendo quotas preferenciais sem direito a voto, para efeito de cálculo dos quoruns de instalação e deliberação previstos no Código Civil consideram-se apenas as quotas com direito a voto.
Embora o Código Civil não disponha objetivamente acerca dessa possibilidade, a Lei das Sociedades Anônimas cria diferentes espécies de ações (11), e as sociedades limitadas podem reger-se supletivamente pela Lei das Sociedades por Ações (“LSA”).
A discussão sobre a viabilidade de emissão de quotas preferenciais remonta aos primeiros anos de vigência do Código Civil, e nos últimos tempos vem se solidificando – ao menos sob a ótica registral – o entendimento de que é possível essa emissão.
Nesse sentido, vale lembrar que a revogada Instrução Normativa DREI nº 38, Anexo II, item 1.4, de 2017, já presumia a regularidade da existência de quotas preferenciais, pois determinava que as sociedades limitadas que as emitissem seriam automaticamente consideradas como regidas subsidiariamente pela LSA.
Essa formalização da viabilidade da emissão de quotas preferenciais vai no sentido de aproximar as figuras jurídicas da sociedade limitada e da sociedade anônima (que, ressalta-se, são figuras distintas, mas que cada vez mais apresentam notórias similaridades), e, na prática, amplia o espectro de cenários viáveis de estruturação de negócios por meio de sociedades limitadas (justamente porque permite que existam sócios com e sem direito a voto), tornando-a ainda mais atrativa para o empreendedor.
As disposições da Instrução Normativa – com exceção daquelas acerca do arquivamento automático – já estão em vigor desde o dia 1º de julho de 2020, e seus efeitos jurídicos ainda serão observados nos próximos meses, principalmente no que concerne às eventuais omissões e conflitos com o Código Civil acerca das matérias reguladas.
A equipe de Consultoria do VLF Advogados está acompanhando a adequação das Juntas Comerciais à Instrução Normativa e permanece, como sempre, à inteira disposição para sanar eventuais dúvidas e auxiliar seus clientes nos procedimentos aplicáveis.
Larissa Vargas
Estagiária da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Antônia Bethonico Guerra Simoni
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm#:~:text=Art.,IV%20do%20caput%20do%20art. Acesso em: 27 jul. 2020.
(2) BRASIL. Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019. Dispõe sobre a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10139.htm. Acesso em: 27 jul. 2020.
(3) BRASIL. Instrução Normativa nº 81, de 10 de junho de 2020. Dispõe sobre as normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas, bem como regulamenta as disposições do Decreto nº 1.800, de 30 de janeiro de 1996. Diário Oficial da União. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-n-81-de-10-de-junho-de-2020-261499054. Acesso em: 27 jul. 2020.
(4) NOVAS Diretrizes e Normas do Registro Público de Empresas. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/junho/imagens/RevisaoDREI32.png. Acesso em: 20 jul. 2020.
(5) “Art. 18. O nome empresarial atenderá aos princípios da veracidade e da novidade e identificará, quando assim exigir a lei, o tipo jurídico adotado. [...] § 3º A denominação é formada com quaisquer palavras da língua nacional ou estrangeira.”
(6) Instrução Normativa DREI nº 81: “Art. 59. Os atos relativos à transformação, incorporação, fusão, cisão e conversão, de que trata este título, aplicam-se: […]
II - às sociedades cooperativas.” (grifo nosso).
(7) Código Civil: “Art. 2.033. Salvo o disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44, bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo por este Código.”
(8) Instrução Normativa DREI nº 35: “Art. 34. As operações de que trata esta Instrução Normativa não se aplicam às cooperativas, sendo vedada a sua transformação.”
(9) Instrução Normativa DREI nº 81: “Art. 84. No caso de conversão de sociedade simples ou associação em sociedade empresária, na mesma ou em outra Unidade da Federação, após averbado no Registro Civil, o instrumento de conversão deverá ser arquivado na Junta Comercial da sede.”
(10) Instrução Normativa DREI nº 81: “Art. 28. Os atos apresentados a arquivamento são dispensados de:
I - reconhecimento de firma, devendo o servidor da Junta Comercial lavrar sua autenticidade no próprio documento, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do servidor; e
II - autenticação de cópia de documento pelo cartório, que deverá ser realizada pelo:
a) servidor da Junta Comercial, mediante a comparação entre o original e a cópia; ou
b) pelo advogado, contador ou técnico em contabilidade da parte interessada, mediante o modelo de declaração constante do anexo VII.”
A Lei da Liberdade Econômica já havia tratado do tema ao alterar o artigo 63 da Lei 8.934 de 18 de novembro de 1994.
(11) LSA: “Art. 15. As ações, conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, são ordinárias, preferenciais, ou de fruição.
§ 1º As ações ordinárias da companhia fechada e as ações preferenciais da companhia aberta e fechada poderão ser de uma ou mais classes.
§ 2º O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total das ações emitidas.”