Controvérsia repetitiva descrita no Tema 60 do TJMG e a definição sobre a natureza do crédito reconhecido por sentença, mas oriundo de obrigação anterior à recuperação judicial
Diego Murça
No dia 2 de julho, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (“TJMG”) elencou nova controvérsia a ser sanada mediante julgamento por meio de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: a natureza concursal ou extraconcursal do crédito constituído por sentença prolatada em data posterior ao deferimento da recuperação judicial, mas oriundo de obrigação (responsabilidade civil) preexistente ao deferimento da recuperação do devedor.
O procedimento está previsto no art. 976 do CPC, que dispõe que “é cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente, efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica” (1).
A definição acerca da natureza do crédito constituído por sentença posterior ao deferimento da recuperação judicial, mas oriundo de obrigação preexistente é algo de considerável importância para o trâmite deste procedimento, uma vez que a classificação do crédito enquanto concursal ou extraconcursal interfere diretamente na ordem de pagamento.
Os créditos de natureza concursal são definidos pelo art. 83, da Lei 11.101/05 (2), e abarcam desde os créditos derivados da legislação do trabalho até os créditos subordinados, de modo que a quitação de cada um destes obedecerá a classificação e os limites previstos em lei.
Inobstante isso, a Lei de Falências e Recuperação Judicial (2) prevê no art. 84 que os créditos de natureza extraconcursal, definidos de acordo com os parâmetros fixados naquele dispositivo, serão pagos com precedência sobre os créditos mencionados no art. 83, ou seja, os créditos de natureza extraconcursal são quitados antes dos créditos de natureza concursal.
Vale lembrar que a definição sobre a data de reconhecimento do crédito na recuperação judicial se tornou a controvérsia repetitiva descrita no Tema 1051 do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), o que foi abordado em nosso Informativo VLF - 69/2020 do mês de junho. Com o julgamento dos Recursos Repetitivos, a Corte decidirá se a existência do crédito para a recuperação judicial é determinada pela data de seu fato gerador ou pelo trânsito em julgado da sentença que o reconhece.
Daí a relevância quanto à definição da natureza do crédito, há muito debatida perante o TJMG em ocasião de sua apreciação em seus julgados.
Em virtude disso, o TJMG admitiu o IRDR 1.0261.14.003481-8/004 como representativo da controvérsia descrita no Tema 60, para julgamento conforme o procedimento previsto no art. 976 do CPC.
Com a admissão do incidente, todos os processos individuais e coletivos pendentes de julgamento em ambas as instâncias do Tribunal, que versem acerca da questão delimitada, tiveram seu processamento suspenso.
Nas razões que conduziram a admissão do incidente foi ressaltado que parte das Câmaras Cíveis do TJMG adotavam o entendimento segundo o qual “o crédito constituído depois do devedor ter ingressado com pedido de recuperação judicial está excluído do plano e de seus efeitos”, entendimento adotado pelo STJ em seus precedentes de 2014 e 2015. Todavia, em razão da recente mudança de entendimento do próprio STJ, passou-se a definir como de natureza concursal os créditos oriundos de responsabilidade civil por fato preexistente ao momento do deferimento da recuperação judicial, ainda que a obrigação seja ilíquida no momento do ajuizamento da ação judicial, conduzindo à divergência nos julgados do TJMG.
Como visto, controvérsias relacionadas ao crédito na recuperação judicial são temas em evidência nos tribunais, seja perante o TJMG, em relação à natureza, ou no STJ, em relação ao seu fato gerador. Sobre o Tema 1051 do STJ, não deixe de conferir a edição 69 de nosso informativo (3).
Mais informações sobre os temas e a atualização sobre os entendimentos a serem firmados pelo TJMG e STJ podem ser obtidas com a Equipe de Contencioso Cível do VLF.
Diego Murça
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 23 jul. 2020.
(2) BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 23 jul. 2020.
(3) MURÇA, Diego. Controvérsia repetitiva descrita no Tema 1051 do STJ e a definição sobre a data de reconhecimento do crédito na recuperação judicial. Disponível em: http://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=797. Acesso em: 24 jul. 2020.