Inovações e previsões mantidas pela Lei 14.020, que converteu em lei a MP 936
Lorena Carvalho Lara
Na edição nº 67/2020 do informativo VLF foi abordada as previsões da Medida Provisória nº 936 (“MP 936”) (1).
A Lei 14.020, de 6 de julho de 2020, fruto da conversão em Lei da MP 936, manteve a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho e da redução salarial decorrente da redução de jornada, mas trouxe novas diretrizes e possibilidades com o objetivo de resguardar a manutenção das relações de emprego, bem como a continuidade das atividades empresariais.
A princípio, as medidas previstas na referida lei são válidas até 31 de dezembro de 2020 (data estipulada como fim do estado de calamidade reconhecida pelo Decreto Legislativo 6/20), podendo haver, no entanto, prorrogação ou antecipação desse prazo, a depender da evolução da situação da pandemia da COVID-19 no país.
A lei aprovada traz inovações em relação à MP 936 e Portaria 10.486/20 (que editou normas relativas ao processamento e pagamento do Benefício Emergencial de que trata a MP 936), dentre as quais se destacam as seguintes:
Possibilidade de adoção das medidas de forma diferenciada entre os empregados
As medidas de redução da jornada e do salário e de suspensão do contrato de trabalho podem ser setoriais, departamentais, parciais ou na totalidade dos postos de trabalho.
Ou seja, o empregador pode determinar com liberalidade a adoção ou não das medidas ou aplicação de medidas diferentes entre empregados que trabalhem na mesma empresa e no mesmo setor, por exemplo, sem necessidade de isonomia desde que não haja discriminação, vedada pela Lei 9.029/95.
Reversão do aviso prévio em curso por comum acordo
Há a previsão da possibilidade de retratação do aviso prévio, podendo ser retomado o contrato de trabalho, e adotar-se as medidas previstas na Lei 14.020/2020.
Exclusão, por lei, da tese de factum principis (responsabilidade do Poder Público relativamente às ordens de paralisação ou suspensão de atividade)
Afastamento, por lei, da tese de factum principis (ato do governo, fato príncipe), prevista no art. 486 da CLT (2), como justificativa de ruptura contratual, nos casos de paralisação por enfrentamento da calamidade, para transferir para o Poder Público o pagamento total ou parcial das verbas devidas pela extinção do contrato de trabalho.
Celebração de acordo individual por meio eletrônico
Possibilidade de celebração de acordo individual por quaisquer meios físicos ou eletrônicos eficazes.
Ampliação dos prazos das medidas de suspensão e redução de jornada mediante ato do Poder Executivo
Os prazos das medidas, isoladamente ou no somatório, podem ser prorrogados por Regulamento, delegação normativa para o Poder Executivo, (arts. 7º, § 3º, § 8º, § 6º e 16, da Lei 14.020), que de fato ocorreu com o Decreto 10.422/20, o qual prevê que as medidas podem ser utilizadas sucessivamente (mas nunca simultaneamente), desde que o somatório de ambas não ultrapasse 120 dias (Lei 14.020/20, art. 16 e Decreto 10.422/20, art. 4º).
Assim, por exemplo, poderia haver a suspensão do contrato de trabalho por 60 dias e, em seguida, iniciar um período de 60 dias de redução da jornada e do salário.
Da aplicação das medidas previstas em lei e direito ao recebimento do benefício emergencial
As principais medidas tratadas na MP 936 e reiteradas na lei 14.020, quais sejam, suspensão do contrato de trabalho e redução proporcional de jornada e salários, incidirão somente sobre às empresas e instituições privadas, excetuando-se os órgãos da administração pública direta e indireta, às empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias e aos organismos internacionais, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Tendo mais de um emprego, o trabalhador poderá receber benefício emergencial para cada um deles, salvo no caso de contratos intermitentes – quando receberá o benefício de R$ 600,00 fixos por 4 meses, independentemente da quantidade de vínculos intermitentes, desde que a admissão tenha ocorrido antes de 1º de abril de 2020 (Lei 14.202/20, art. 18 e Decreto 10.422/20, art. 6º).
Houve previsão expressa de possibilidade de adoção das medidas de garantia e preservação de emprego para a gestante, garantindo o pagamento do salário-maternidade com base na remuneração integral recebida antes da redução salarial decorrente da suspensão do contrato ou redução da jornada, devendo haver interrupção imediata das medidas caso ocorra o evento caracterizador do início do benefício de salário-maternidade.
Criou-se, ainda, condições para os empregados aposentados acordarem a redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho, mas sem pagamento do benefício emergencial pelo Governo, posto que já recebem aposentadoria do INSS, devendo, em caso de acordo individual, haver o pagamento pelo empregador de, no mínimo, o valor correspondente ao benefício emergencial. Esse valor é denominado pela Lei de “ajuda compensatória” mensal e tem natureza indenizatória.
Ampliação da dispensa de negociação coletiva e novas diretrizes e possibilidades para celebração do acordo individual
Novos limites de salários foram definidos para celebração de acordo individual de suspensão contratual ou redução de salários e de jornadas, sem a necessidade de negociação coletiva, quais sejam:
- Empregado que ganha até R$ 3.135,00 (3 salários mínimos) para empresa com renda bruta em 2019 menor que R$ 4.800.000,00;
- Empregado que ganha até R$ 2.090,00 (2 salários mínimos) para empresa com renda bruta em 2019 maior que R$ 4.800.000,00;
- Empregado que ganha salário superior ao dobro do teto da Previdência Social e tem diploma de nível superior, independentemente do faturamento da empresa, chamado de empregado hipersuficiente;
- Para qualquer empregado de qualquer empresa no caso de redução da jornada e salário em 25%;
- Qualquer acordo que não gere prejuízo salarial para o empregado, ou seja, se o benefício emergencial + ajuda compensatória + horas trabalhadas somadas, em caso de redução da jornada, derem o valor do salário recebido normalmente pelo empregado (art. 12, II), está dispensada negociação coletiva.
Dessa forma, sempre que o empregador complementar o benefício emergencial, mantendo integralmente o valor do salário recebido pelo empregado antes da suspensão do contrato ou redução de jornada, está permitida a realização de acordo individual, independentemente do valor do salário e faturamento da empresa.
Redução da Jornada e de salário
A redução da jornada e do salário proporcional, desde que preservado o valor do salário hora e limitada a redução proporcional a 25%, 50% ou 70%, pode ser acordada por no máximo 120 dias (art. 7º caput, da Lei 14.020, que prevê prazo de até 90 dias, e art. 2º Decreto 10.422/20, que prevê o acréscimo de 30 dias ao prazo estipulado no referido art. 7º).
Por norma coletiva as partes podem estipular um percentual diferente desses (art. 11, § 1º, da Lei 14.020).
O referido acordo deverá ser encaminhado com antecedência mínima de 2 dias corridos ao empregado e a empresa terá o prazo de 10 dias para comunicar o Ministério da Economia. Caso esse prazo não seja observado pela empresa, ela ficará responsável pelo pagamento da remuneração recebida e seus encargos antes da redução de jornada de trabalho e de salário.
O Sindicato da Categoria deverá ser comunicado no prazo de 10 dias, em caso de celebração de acordo individual.
Uma vez cessado o estado de calamidade, ou cessado o período acordado, ou ainda caso a empresa opte por retornar a jornada integral, a remuneração deverá ser reestabelecida no prazo de 2 dias corridos.
Tendo a empresa optado pela redução proporcional da jornada, a União custeará parte do salário suprimido. O referido auxílio, “Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda”, será calculado com base no valor mensal do seguro desemprego a que o empregado teria direito, aplicando sobre tal base de cálculo a porcentagem suprimida.
- Redução de jornada inferior a 25% = zero (não há recebimento do Benefício Emergencial);
- Redução de jornada 25% a 50% = 25% (há o pagamento de 25% do valor do seguro desemprego que o empregado teria direito, custeado pela União);
- Redução de jornada de 50% a 70% = 50% (há o pagamento de 50% do valor do seguro desemprego que o empregado teria direito, custeado pela União);
- Redução de jornada acima de 70% = 70% (há o pagamento de 70% do valor do seguro desemprego que o empregado teria direito, custeado pela União).
É facultado ainda que a empresa pague ao empregado uma ajuda compensatória mensal, em virtude da redução da jornada.
Qualquer valor que seja quitado sob tal título não possuirá natureza salarial, não sendo integrado ao salário do empregado, tampouco gerando reflexos na base de cálculo do imposto de renda, ou de contribuições previdenciárias, FGTS ou ainda de qualquer outro tributo.
O valor ainda poderá ser excluído do lucro líquido para fins de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das empresas tributadas no regime de lucro real.
Suspensão do Contrato de Trabalho
A suspensão dos contratos pode durar no máximo 120 dias (arts. 8º Lei 14.020/20, que prevê o prazo de 60 dias, e 3º do Decreto 10.422/20, que prevê o acréscimo de 60 dias ao prazo estipulado no art.8º), podendo ser fracionada em períodos sucessivos ou intercalados, de no mínimo 10 dias cada.
O empregado continuará recebendo os benefícios porventura já proporcionados pela empresa (por exemplo, plano de saúde, cesta básica, entre outros).
No caso de suspensão, para empresas que tenham obtido uma receita bruta inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) no ano de 2019, o empregado recebe o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, custeado pela União, equivalente a 100% do seguro desemprego porventura devido.
Para empresas, no entanto, que tenham obtido uma receita bruta superior a R$4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) no ano de 2019, o contrato de trabalho poderá ser suspenso mediante o pagamento de um auxílio mensal compensatório equivalente a 30% do salário do empregado, enquanto perdurar a suspensão contratual.
Ou seja, o empregado receberá o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, equivalente a 70% do valor do seguro desemprego que teria direito, custeado pela União, e 30% do valor do salário do empregado, denominado como ajuda compensatória, a ser pago pelo empregador.
A ajuda compensatória terá natureza indenizatória e, portanto, não será computada para nenhum fim trabalhista ou previdenciário, mas pode ser deduzida como despesa operacional e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”) para as empresas tributadas pelo lucro real (art. 9º, VI, “a”) – isso se a empresa for tributada desta forma, pois se for por lucro presumido a dedução não será possível.
Para a referida suspensão, deverá ser celebrado acordo individual com o empregado, que deverá ser estabelecido com antecedência mínima de 2 dias corridos, tendo o empregador o prazo de 10 dias para comunicar o Ministério da Economia, bem como o Sindicato da categoria profissional.
Caso o prazo de comunicação do Ministério da Economia não seja observado pela empresa, ela ficará responsável pelo pagamento da remuneração recebida e seus encargos antes da suspensão do contrato de trabalho.
Uma vez cessado o estado de calamidade, cessado o período acordado, ou ainda caso o empregador opte por antecipar o fim do período de suspensão pactuado, o contrato de trabalho deverá ser reestabelecido no prazo de 2 dias corridos.
Por fim, acerca da suspensão do contrato, é importante destacar que, caso o empregado que esteja com seu contrato suspenso, realize qualquer atividade laborativa, a empresa estará sujeita ao risco de descaracterização da suspensão do contrato, com o pagamento imediato da remuneração e dos encargos sociais, além do pagamento de penalidades legais.
Estabilidade Provisória de Emprego
A Lei 14.020 manteve a previsão contida na MP 936 sobre garantia provisória no emprego aos empregados que aceitarem a redução da jornada e do salário, ou a suspensão do contrato de trabalho.
O empregado terá a garantia do emprego enquanto durar a redução da jornada, ou a suspensão do contrato de trabalho, e pelo mesmo período equivalente ao acordado, após o fim da situação pactuada.
Caso a empresa descumpra a garantia provisória de emprego e dispense o empregado sem justa causa, além das parcelas rescisórias que o empregado teria direito, a empresa ainda deverá pagar uma indenização, que variará de acordo com o percentual da redução da jornada ou se o contrato foi suspenso.
Assim, caso a redução tenha sido feita entre 25 e 50% da jornada e do salário, a empresa deverá quitar multa no importe de 50% do valor do salário que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego. Caso a redução tenha sido entre 50% e 70%, a multa devida pela empresa será no importe de 75% do salário do empregado. Por fim, caso a redução tenha sido superior a 70%, ou o contrato tenha sido suspenso, a empresa deverá quitar multa no valor integral do salário que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego.
A garantia de emprego apenas não será aplicada em casos de dispensa por justa causa, ou por pedido de demissão do emprego.
Para a gestante ou quem adota criança, quando a empregada sai em licença maternidade, interrompe-se a suspensão ou redução contratual, cessa o pagamento do benefício emergencial e tem início o recebimento do salário-maternidade, que será pago com base na remuneração recebida antes da redução.
Garantia provisória gestante / adoção
A garantia provisória da gestante conta-se após o término da estabilidade pela gravidez ou adoção, estabelecida na alínea “b” do inciso II do caput do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da CF/88, havendo adição de garantias e fluindo de forma sucessiva.
Vedação de dispensa imotivada do PCD
Vedação de dispensa sem justa causa do empregado portador de deficiência, durante o estado de calamidade pública, independentemente de ter sido adotada alguma das modalidades previstas em lei, seja suspensão do contrato ou redução da jornada e salário, bem como independente se esse empregado está contabilizado na cota de PCD prevista no artigo 93 da Lei 8.213/91.
Solução de conflitos entre acordo individual e negociação coletiva
O art. 12, § 5º, da Lei 14.020 trouxe o regramento quanto ao conflito de normas, prevendo que se houver norma coletiva posterior, ela prevalecerá sobre as regras do acordo individual, mas sem efeito retroativo (portanto, efeito ex nunc), salvo se as condições do acordo individual forem mais benéficas, que então prevalecerá sobre a norma coletiva.
Portanto, para o período anterior à negociação coletiva, prevalece o acordo individual, e após a celebração de CCT e ACT aplica-se o Princípio da Proteção e subprincípios da busca da norma mais favorável e da condição mais favorável, prestigiando-se, entre o contrato individual e o coletivo, o que tiver condições mais favoráveis ao empregado.
Direito Intertemporal
O art. 24 da Lei 14.020 traz a regra de direito intertemporal, prevendo que as medidas adotadas com base na MP 936 serão por ela regradas, não se aplicando aos acordos de suspensão/redução firmados durante a vigência da MP 936, as novas exigências, dispensas ou vantagens previstas na Lei 14.020.
Portanto, as novidades trazidas pela Lei 14.020, não previstas anteriormente na MP 936, somente serão aplicadas aos acordos celebrados após a vigência da lei, já que o direito novo não pode regular relações antigas em respeito ao ato jurídico perfeito, irretroatividade das normas, direito adquirido e estabilidade jurídica.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe trabalhista do VLF Advogados.
Lorena Carvalho Lara
Advogada da Equipe Trabalhista do VLF Advogados
(1) ABRANTES, Henrique Costa. Medida Provisória 936 flexibiliza aspectos da relação trabalhista visando a preservação de empregos. Disponível em: http://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=784. Acesso em: 24 jul. 2020.
(2) Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.