A guerra não tem rosto de mulher (livro) e Trilogia Before (filmes)
Marina Leal e Anderson Soares
A guerra não tem rosto de mulher
Acredito que ninguém que leu este livro contestará que o adjetivo impactante o representa bem.
Primeiro livro de Svetlana Alexievich, jornalista bielorrussa que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2015, A guerra não tem rosto de mulher é um livro de não-ficção publicado em 1985 que narra a história de diversas mulheres soviéticas que lutaram na Segunda Guerra Mundial. O livro não conta a história de determinado grupo que viveu a guerra ou, mesmo, se limita a uma narrativa da autora apenas “resumindo” o que lhe foi dito. O livro cria uma comunicação quase direta entre o leitor e as narradoras ao trazer os relatos em primeira pessoa. Estes, destaca-se, são fruto das diversas entrevistas conduzidas por Svetlana por anos com dezenas de mulheres.
O livro permite não só que tenhamos uma visão mais próxima dos horrores ocorridos na Segunda Guerra, mas, também, que tenhamos vislumbres de seu dia a dia. Há histórias desde o alistamento de garotas – à época, ainda adolescentes – que, após muito insistirem, conseguiram ir para a linha de frente, passando pela experiência de enfermeiras, soldados, tenentes, partisans, cozinheiras, dentre diversas outras, até o tão esperado retorno para a casa (se esta ainda existisse).
Diferente do que se espera de um livro sobre a guerra, o foco não está nas batalhas, vitórias ou derrotas ou em números que indicam os avanços e as baixas. Isso já fica expresso logo nas primeiras páginas e, por não poder escrever de uma forma melhor, cito a própria Svetlana:
Quando as mulheres falam, não aparece nunca, ou quase nunca, aquilo que estamos acostumados a ler e escutar: como umas pessoas heroicamente mataram outras e venceram. Ou perderam. Qual foi a técnica e quais eram os generais. Os relatos femininos são outros e falam de outras coisas. A guerra “feminina” tem suas próprias cores, cheiros, sua iluminação e seu espaço sentimental. Suas próprias palavras. Nela, não há heróis nem façanhas incríveis, há apenas pessoas ocupadas com uma tarefa desumanamente humana. (1)
Na guerra “feminina” são narradas também outras aflições. Algumas se preocupavam se iam conseguir arrumar um marido depois de ir para a guerra, outras tinham vontade de usar uma roupa bonita ou sentiam falta de seu cabelo e, outras, tinham a impressão de ter a própria feminilidade ir embora com o tempo.
Não é um livro fácil de ler. Em momentos dói. Mesmo assim, é um livro que vale a pena.
As narrativas dessas mulheres que viveram a guerra, tão raras que, quando questionadas sobre suas experiências, algumas se emocionaram por poder falar, é importante. É uma visão única em que não se trata de estratégias, mas, sim, sobre a experiência de quem viveu aquilo.
Um apelo por mais narrativas assim, que dão vozes àqueles que são silenciados por anos, décadas (ou, em alguns casos, séculos).
Marina Leal
Advogada da Equipe de Contratos e Arbitragem do VLF Advogados
(1) ALEKSIÉVITCH, Svetlana. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 12.
Trilogia Before: uma saga sobre o amor e o amadurecimento
O romance talvez seja o gênero mais saturado do cinema. Talvez por conta da velha fórmula Hollywoodiana de garota-encontra-garoto-e-se-apaixonam-perdidamente-mas-têm-que-enfrentar-vários-obstáculos-para: 1) ter um final feliz e açucarado ou 2) ter final trágico para um dos personagens, levando o público as lágrimas.
Como para toda regra, há uma exceção: é possível abraçar esse gênero renunciando aos seus clichês.
Nesse sentido, a indicação são os três filmes do diretor Richard Linklater, estrelados por Julie Delpy e Ethan Hawke, a trilogia Before – ou trilogia do Antes – composta pelos filmes Antes do Amanhecer (Before Sunrise, 1995), Antes do Pôr do Sol (Before Sunset, 2004) e Antes da Meia Noite (Before Midnight, 2013).
Sem dar muitos spoilers (sobretudo acerca do segundo e terceiro filmes) todas as películas acompanham um dia do americano Jesse (Ethan Hawke) e da francesa Celine (Julie Delpy), que passeiam por cidades da Europa (Viena no primeiro, Paris no segundo e Messênia, região do sul da Grécia no terceiro) discutindo sobre diversos assuntos – amor, família, relacionamentos e religião.
Sim, a premissa pode parecer chata (e para alguns pode realmente ser), mas a direção apaixonada de Richard Linklater (diretor do ótimo Boyhood – Da Infância à Juventude, 2014), combinada à sutileza e naturalidade das interpretações da dupla de protagonistas Julie Delpy (todos os prêmios do mundo seriam poucos para essa mulher) e Ethan Hawke – que são creditados também como roteiristas juntos ao diretor, já que improvisam grande parte dos diálogos – faz toda a diferença e traz um charme único e especial para esse conto.
Ademais, analisando a trilogia como um todo – os filmes se passam sempre em um intervalo de 9 anos –, é possível ver claramente o amadurecimento dos personagens e dos seus pontos de vista acerca da vida e relacionamentos.
Se no primeiro vemos dois jovens adultos com grandes sonhos e ambições sobre o futuro e o mundo, no segundo percebemos camadas de tristeza e desilusões, eclodindo em um terceiro ato no qual os ressentimentos e arrependimentos colocam à prova escolhas dos protagonistas, que caminham para um fim amargo.
Se o primeiro é sobre expectativas (os personagens estão com 23 anos), o segundo é sobre a realidade (o casal já se encontra na casa dos 30 anos) e o terceiro é um estudo das consequências das nossas escolhas.
Não é um romance água com açúcar, mas se você embarcar na história de Jesse e Celine, irá se identificar com eles em algum momento e, quando menos perceber, vai se dar conta de que está com coração aquecido pela saga do casal que, assim como o amor, é universal.
Se dê uma chance.
Anderson Soares
Advogado da Equipe de Controladoria Jurídica do VLF Advogados