Veja os julgamentos da última semana prejudiciais aos contribuintes
Érika Villar
Seguindo uma tendência verificada na pandemia, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) avança a passos largos sobre os casos pendentes na sua pauta, batendo recordes de julgamento de questões de repercussão geral.
Entre os dias 17 e 21 de agosto, tivemos inúmeros julgamentos, que acabaram com as teses dos contribuintes derrotadas, das quais podemos destacar:
É constitucional a incidência de IPI na revenda de produtos importados – RE 946.648
Em julgamento virtual encerrado no dia 21 de agosto de 2020, o STF decidiu que a cobrança do IPI na revenda de produtos importados é constitucional. O Recurso Extraordinário 946.648 foi submetido em 30 de junho ao Plenário Virtual e o Supremo reconheceu, por maioria, a repercussão geral do tema.
Trata-se de Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no qual se discute o Tema 906 da repercussão geral, que consiste em definir, “à luz do art. 150, II, da Constituição Federal, se há, ou não, violação ao princípio da isonomia, no tocante à incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI no desembaraço aduaneiro de bem industrializado e na saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno, ante a equiparação do importador ao industrial, quando o primeiro não o beneficia no campo industrial”.
O Recurso Extraordinário foi interposto pela empresa Polividros Comercial LTDA que questiona a dupla incidência do IPI nas operações de importação para revenda, considerando o IPI incidir no momento do desembaraço do produto e quando revendido, ainda que não submetido a qualquer processo de industrialização.
O Relator, ministro Marco Aurélio, votou pela inconstitucionalidade da tributação. Acompanharam o Relator no entendimento os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin.
O ministro Relator justificou sua decisão sob o argumento de que constitucionalmente o fato gerador do IPI é a etapa da “industrialização ou a que dela faça as vezes, como no caso do desembaraço e da arrematação”. Após internalizado, inexiste razão constitucional para nova incidência do IPI, quando o produto não é submetido a qualquer processo de industrialização previsto no art. 46 do Código Tributário Nacional.
O Ministro ainda justificou “a nova incidência colocaria o produto nacional em vantagem relativamente ao similar importado, que já havia passado pela nacionalização e consequente tributação durante o desembaraço aduaneiro. Sob o pretexto de equiparar, desiguala. É conferido tratamento discriminatório ao ato de simples revenda do bem pelo importador, sobretaxando a atividade econômica e fazendo com que o IPI passe a incidir sobre a margem de lucro do importador ao comercializá-lo no mercado nacional”.
Os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowsk, no entanto, divergiram do relator e foram acompanhados na divergência pelos Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Para os ministros que divergiram do Relator, a operação com produto industrializado é o parâmetro para a incidência do IPI e, para o caso analisado, embora as duas operações sejam realizadas pelo mesmo contribuinte, configuram-se dois fatos geradores distintos.
Dessa forma, o mesmo contribuinte, realizando fatos geradores distintos, pode ser sujeito passivo do tributo, desde que observada a não cumulatividade prescrita no art. 153, 3º, II, da Constituição Federal. Ou seja, recolhe o IPI no desembaraço aduaneiro, quando importa o produto, na condição de importador (arts. 46, I, c/c 51, I); e, ao revendê-lo, quando figurará, por equiparação, ao industrial (arts. 46, II, c/c 51, II e § único).
É constitucional a multa aplicada em razão do atraso na entrega da DCTF – RE 606.010
Trata-se de Recurso Extraordinário contra acórdão proferido pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que decidiu pela constitucionalidade da aplicação de multa ante o atraso na apresentação de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (“DCTF”), na forma prevista no artigo 7º, inciso II, da Lei nº 10.426/2002. A multa é de 2% por mês ou fração até o teto máximo de 20%. Em 10 de dezembro de 2015, o Supremo assentou a repercussão geral do tema.
A maioria dos ministros do STF votou pela constitucionalidade da cobrança da multa, sendo que o único voto divergente foi do ministro Edson Fachin.
O ministro Relator Marco Aurélio, afirmou que diante da importância da declaração, a Lei nº 10.406/2002 trouxe a imposição de multa em caso de atraso na entrega, correspondente a 2% ao mês, incidente sobre o montante do tributo declarado, até o limite de 20%. Quanto ao tema, em diversos julgados da Suprema Corte, o entendimento é assente, segundo o qual a multa tributária aplicada no patamar de 20% do tributo não tem efeito confiscatório.
Se não surge confiscatória a multa de mora nesse percentual, descabe ver efeito semelhante no cálculo descrito no artigo 7º, inciso II, da Lei nº 10.426/2002, porquanto também a multa por atraso na entrega da DCTF está limitada a 20% do tributo.
O Ministro Edson Fachin divergiu das razões postas pelo Ministro Marco Aurélio ao afirmar que
ao considerar o caráter punitivo da sanção de multa isolada de até 20% pela entrega extemporânea de DCTF constata-se grave vulneração aos princípios constitucionais da proporcionalidade, capacidade contributiva e não-confisco. [...] Considerando que o contribuinte já se encontra sujeito à imposição de multa moratória e de ofício, quando devido tributo, afigura-se alheia à ideia de justiça fiscal admitir ainda multa isolada pela entrega extemporânea de DCTF em até 20%.
A Justiça do Trabalho é competente para executar de ofício contribuições previdenciárias decorrente de sentença proferida em data anterior à EC 20/1998 – RE 595.326
Em julgamento virtual finalizado no dia 21 de agosto de 2020, os ministros do STF decidiram pela competência da Justiça do Trabalho em executar de ofício contribuições previdenciárias decorrentes de sentença proferida em data anterior à Emenda Constitucional 20/1988. Não houve nenhum posicionamento divergente ao do ministro Relator Marco Aurélio.
O cerne da controvérsia se deu em razão da definição do alcance da Emenda Constitucional nº 20/1998, a qual introduziu o § 3º no artigo 114 da Constituição, que preceitua caber à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais descritas no artigo 195, incisos I, alínea “a”, e II, e respectivos acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
O ministro Relator Marco Aurélio, seguido por seus pares, firmou o entendimento de que a Emenda Constitucional 20/1998 inseriu regra de natureza instrumental e, tendo em vista os princípios do Direito intertemporal processual, a aplicação deve ser imediata.
A Emenda nº 20/1998 inseriu regra de natureza instrumental ao versar a competência da Justiça do Trabalho para execução de contribuições previdenciárias, submetendo-se o novo regime constitucional, quanto a esse particular, às regras e princípios do Direito intertemporal processual. Sendo a execução processada sob a vigência da regra instituída pela Emenda Constitucional, a norma de competência da Justiça Trabalhista tem aplicação imediata.
Ademais, o Ministro distinguiu as normas relativas a fatos geradores de tributos, que devem respeitar o princípio da irretroatividade, da EC nº 20/1998, que segundo ele possui natureza instrumental (competência), o que justifica a incidência imediata.
A par disso, deve-se distinguir a questão atinente ao regime jurídico incidente sobre os fatos geradores dos tributos, sujeito a limitações estritas quanto à irretroatividade, daquele referente às normas instrumentais para a respectiva cobrança. A regra de competência, considerada a natureza processual, incide imediatamente.
É constitucional a contribuição social do segurado especial – RE 761.263
Trata-se de embargos de declaração opostos em face do acórdão proferido em 15 de abril de 2020 que apreciou o Tema 723 da Repercussão Geral e julgou constitucional a cobrança da contribuição para o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (“FUNRURAL”) incidente sobre a produção de segurados especiais, os quais, por sua vez, referem-se a trabalhadores que exploram atividade rural em regime de economia familiar, sem utilização de mão de obra assalariada.
Por seis votos a um, o STF formou maioria para rejeitar os embargos de declaração contra decisão de mérito que fixou a tese: “é constitucional, formal e materialmente, a contribuição social do segurado especial prevista no art. 25 da Lei 8.212/1991”.
O ministro Relator Alexandre de Moraes, rejeitou os embargos de declaração sob o argumento da ausência dos vícios previstos no art. 1.022 do CPC/2015 para provimento do recurso.
O Ministro Edson Fachin foi o único a divergir do Relator e votou pelo acolhimento parcial dos embargos de declaração com relação ao argumento de omissão quanto a violação à igualdade e à capacidade contributiva.
O caso dos presentes autos trata, assim, de trabalhadores rurais sem empregados ou em regime de economia familiar, que, vulneráveis social e economicamente, apresentam capacidade contributiva aquém dos demais. [...] Entendo, portanto, que o voto embargado, no qual se concluiu que a base de cálculo dos segurados especiais é a mesma dos produtores rurais com empregados, foi omisso ao não se manifestar, nem mesmo no tópico intitulado “da suscitada imprecisão de equiparar a previsão de resultado da comercialização com receita bruta”, sobre a violação à igualdade e à capacidade contributiva, ponto fulcral neste julgamento.
Destaque-se, no entanto que, não obstante a verificação da omissão pelo ministro Fachin, este não entrou no mérito da questão.
É constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa física ou jurídica que não se dedica habitualmente ao comércio ou a prestação de serviços – RE 1.186.792
Por sete votos a um, foi formada maioria para negar provimento ao agravo regimental do contribuinte contra decisão monocrática do relator do caso, Ministro Gilmar Mendes, que rejeitou embargos de declaração da empresa, sob o argumento de que não haveria erros materiais ou omissões na decisão passíveis de dar provimento ao recurso.
Os embargos de declaração opostos pretendeu que a Corte analisasse supostas omissões e contradições na decisão de mérito (Tema 171), que fixou a tese: “é constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa, física ou jurídica, que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviço”.
No mérito, o processo discute a validação da Lei nº 11.001/2001, do estado de São Paulo, que dispõe sobre as regras de incidência do ICMS sobre a prestação de serviços. Na hipótese, o Estado de São Paulo editou a referida Lei após a Emenda Constitucional 33/2001, mas antes da LC 114/2002.
Por maioria, o STF deu provimento ao Recurso Extraordinário e fixou a tese:
I - Após a Emenda Constitucional 33/2001, é constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa, física ou jurídica, que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, devendo tal tributação estar prevista em lei complementar federal;
II - As leis estaduais editadas após a EC 33/2001 e antes da entrada em vigor da Lei Complementar 114/2002, com o propósito de impor o ICMS sobre a referida operação, são válidas, mas produzem efeitos somente a partir da vigência da LC 114/2002.
Esse entendimento foi seguido pelos ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Ficaram vencidos os ministros Luiz Fux (Relator do RE), Marco Aurélio, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Roberto Barroso.
Com relação ao agravo regimental julgado no dia 21 de agosto de 2020, o único ministro que divergiu dos demais e conheceu do recurso para dar-lhe provimento foi o Ministro Marco Aurélio que manteve seu entendimento com relação a invalidade da Lei do Estado de São Paulo:
Continuo convencido da invalidade da Lei estadual nº 11.001/2001, ante a inobservância da sequência legislativa a amparar a incidência do imposto, forte no proclamado no exame dos recursos extraordinários nº 474.267/RS e 439.796/PR, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa. Na ocasião, o Relator, retificando o voto, aludiu a casos nos quais os Estados se anteciparam ao legislador complementar.
Mais informações sobre os casos e o acompanhamento diário das decisões do STJ e do STF podem ser obtidos com a equipe do Contencioso Tributário do VLF Advogados.
Érika Villar
Advogada da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados