Alterações no regime das contratações públicas na pandemia da COVID-19: conversão da MP nº 926 e término de vigência da MP nº 951
Maria Tereza Dias e Bruno Fontenelle
O Diário Oficial da União publicou, no dia 12 de agosto, a conversão da Medida Provisória nº 926 na Lei nº 14.035/2020. Ela altera a lei da pandemia (Lei nº 13.979/2020) para dispor sobre procedimentos para a aquisição ou contratação de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019.
A lei de conversão da MP alterou alguns aspectos do regime jurídico das compras que havia sido editado pelo Poder Executivo.
Primeiramente, a Lei nº 14.035/2020 explicitou que, entre os serviços de que trata a situação de emergência do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, estão incluídos os serviços de engenharia, conforme redação dada aos artigos 4º-A e art. 4º-C da Lei nº 13.979/2020.
Antes da conversão, a MP autorizava a contratação direta de empresas inidôneas (art. 87, IV, da Lei nº 8.666/1993) ou suspensas (art. 87, III da Lei nº 8.666/1993) de contratar com o Poder Público, desde que comprovassem serem as únicas fornecedoras do bem ou serviço a ser adquirido. O texto da MP não tratava da situação das empresas impedidas de contratar com a Administração, conforme previsão do art. 87, III da Lei nº 8.666/1993.
Na revisão do texto legal, foi excluída a hipótese de contratação de empresas inidôneas e incluída a possibilidade das declaradas impedidas. Assim, com o advento da lei, empresas declaradas inidôneas não poderão mais ser contratadas para licitar ou contratar com a Administração Pública, ainda que sejam as únicas fornecedoras do bem ou serviço a ser adquirido.
A Lei nº 14.035/2020 também determinou – inovando o conteúdo da MP 926 – que, nessas hipóteses de contratação direta, é obrigatória a prestação de garantia nas modalidades previstas no art. 56 da Lei nº 8.666/1993, que não poderá exceder a 10% (dez por cento) do valor do contrato.
Quanto a pesquisa de preços para a instrução processual e a possibilidade de pagamento de valores mais elevados ocasionados pela variação de preços, a Lei (art. 4º-E, § 3º, da Lei nº 13.979/2020) estabeleceu novas condições para a definição dos referidos preços, a saber:
I – negociação prévia com os demais fornecedores, segundo a ordem de classificação, para obtenção de condições mais vantajosas; e
II – efetiva fundamentação, nos autos da contratação correspondente, a variação de preços praticados no mercado por motivo superveniente.
Ademais, a autoridade administrativa não poderá mais dispensar a apresentação de documentação relativa à regularidade trabalhista – como havia sido previsto anteriormente na MP 926.
A partir da nova redação legal, a autoridade administrativa, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar tão somente a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal ou, ainda, o cumprimento de 1 (um) ou mais requisitos de habilitação, ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade trabalhista e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal, que proíbe trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
Além disso, a Lei nº 14.035/2020 deixou mais claro que a prorrogação dos contratos por períodos sucessivos de 6 (seis) meses de que trata o art. 4º-H da Lei nº 13.979/2020 poderá ser realizada apenas enquanto vigorar o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (1). Na MP o prazo era vago e impreciso pois a possibilidade de prorrogação poderia se dar “enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência de saúde pública”.
Por fim, a nova lei acrescentou outros requisitos para que seja respeitada a regra da transparência, que estava prevista de maneira genérica na redação original da MP 926.
Conforme os novos dispositivos do § 2º, do art. 4º da Lei nº 13.979/2020, foi estabelecido o prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis, contados da realização do ato, para que todas as aquisições ou contratações realizadas com base na Lei sejam disponibilizadas em site oficial específico na internet. Desta publicação deve constar o nome do contratado, o número de sua inscrição na Secretaria da Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de aquisição ou contratação.
Também deverão ser disponibilizadas as seguintes informações complementares:
I – o ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato;
II – a discriminação do bem adquirido ou do serviço contratado e o local de entrega ou de prestação;
III – o valor global do contrato, as parcelas do objeto, os montantes pagos e o saldo disponível ou bloqueado, caso exista;
IV – as informações sobre eventuais aditivos contratuais;
V – a quantidade entregue em cada unidade da Federação durante a execução do contrato, nas contratações de bens e serviços.
Registra-se, por fim, a perda de vigência da MP 951/2020 no dia 12 de agosto de 2020. Nela havia sido previsto que as licitações realizadas por meio de sistema de registro de preços (“SRP”) eram consideradas compras federais, mediante prévia indicação da demanda pelos Estados e Municípios.
Com o encerramento da vigência da MP 951/2020, deixou de vigorar o sistema de compras nacionais editado exclusivamente para o fim de combate à pandemia do coronavírus. Mantém-se, entretanto, a possibilidade de realização de compras nacionais para programas federais, por meio do registro de preços, nos termos do que disciplinam os arts. 2º, incisos VI e VII e art. 6º, §§ 2º a 4º, com as alterações feitas pelo Decreto nº 8.250/2014 e, ainda, art. 22, § 4º, do Decreto nº 7892/2013, incluídos pelo Decreto nº 9.488/2018.
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Dias
Sócia e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.