Regulamentação de acordos de leniência
Isabella Nogueira e Fernanda Galvão
O acordo de leniência é um instrumento criado com intuito de viabilizar a colaboração do infrator, com as investigações pelas autoridades, de modo a identificar os demais envolvidos nos malfeitos investigados e a obter informações e documentos que comprovem a infração tendo, como contrapartida, alívio nas eventuais sanções aplicadas. Este eficiente instrumento teve sua origem nos Estados Unidos na década de 1990 e foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 10.149/2000, criando a possibilidade para pessoas físicas e jurídicas praticantes de crimes contra a ordem econômica, de competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), terem sua pena diminuída em até 2/3, desde que colaborem com as autoridades nos termos do artigo 35-B da referida lei.
Mais tarde, o acordo de leniência também foi previsto na Lei nº 12.846/2013 (1), conhecida como Lei Anticorrupção, no artigo 16 e seguintes e, desde então, diversos acordos de leniência têm sido celebrados, em especial com as empresas implicadas na operação Lava Jato. Aliás, um dos fatores que resulta na enorme eficiência da operação Lava Jato, que já recuperou mais de 13 bilhões de reais aos cofres públicos, foi a utilização dos acordos de leniência.
A grande questão que circunda os acordos de leniência é a insegurança jurídica causada às empresas que se dispõem a colaborar. Isso se deve à falta de garantia de que a celebração de tal acordo com determinada autoridade esgota por completo a pretensão do Poder Público de buscar reparação dos danos objeto do instrumento celebrado. Assim, as empresas que colaboram podem ser alvos de outros pedidos de reparação pelo mesmo fato, já que mais de uma autoridade tem competência para mover processos.
Além disso, outro fator que causa insegurança jurídica é a falta de definição do valor do dano ao erário no momento da celebração do acordo de leniência. Tanto é que, não raras vezes, em vários acordos de leniência há a ressalva de que o Tribunal de Contas da União tem a prerrogativa de apontar o valor final devido por essas empresas para ressarcimento dos danos ao patrimônio público.
Acresça-se a isso a falta de coordenação entre as múltiplas instituições com competência para investigar atos ilícitos e crimes e a falta de compartilhamento das informações obtidas entre as autoridades, que também contribuem para a ineficiência de recuperação dos danos ao patrimônio público objeto dos acordos de leniência.
Diante desse cenário que, no dia 6 de agosto de 2020, foi dado um importante passo para diminuir os entraves relacionados aos acordos de leniência no âmbito da Lei Anticorrupção. Foi proposto um modelo de acordo de cooperação técnica (“Acordo de Cooperação Técnica”) (2) para negociações de acordos de leniência, sob a coordenação do Supremo Tribunal Federal, Tribunal de Contas da União, Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União e Ministério da Justiça e Segurança Pública. O intuito do referido modelo foi justamente estabelecer princípios e mecanismos para que haja compartilhamento de informações e cooperação mútua entre as instituições, visando uma análise conjunta e uma atuação coordenada e harmônica, a fim de conferir efetividade aos acordos de leniência e contribuir para maior eficiência na recuperação de valores desviados da União.
Deste Acordo de Cooperação Técnica, destaca-se, ainda, alguns pontos principais, relativamente aos parâmetros que devem ser observados para que haja a tão almejada articulação entre as instituições. Primeiramente, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União, durante a investigação, caso constatem que há envolvimento de pessoa jurídica nos atos ilícitos, deverão acionar a Advocacia-Geral da União e a Controladoria-Geral da União, que serão os órgãos responsáveis pela condução das negociações e pela celebração dos acordos de leniência no âmbito da Lei Anticorrupção.
Em investigações ou procedimentos instaurados nos termos da Lei Anticorrupção, que verifiquem o envolvimento de pessoa física nos atos ilícitos, deverá a Controladoria-Geral da União acionar o Ministério Público Federal e a Polícia Federal para atuação em matéria penal, se houver, bem como a Advocacia-Geral da União e o Ministério Público Federal, para atuação em matéria de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/1992 (“Lei de Improbidade Administrativa”).
Ainda, sendo os fatos em apuração sujeitos à jurisdição do Tribunal de Contas da União, a ele serão encaminhadas todas as informações necessárias para estimação dos danos decorrentes de tais fatos.
Além disso, a Controladoria-Geral da União, a Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal e, se necessário, a Polícia Federal, deverão atuar de forma coordenada na negociação de acordos de leniência e, se cabível, de acordos paralelos de colaboração premiada (com pessoas físicas), a fim de que se resolva, simultaneamente, a responsabilidade pelos atos ilícitos descritos na Lei Anticorrupção, na Lei de Improbidade Administrativa, bem como na legislação penal correlata.
O Acordo de Cooperação Técnica estabelece, ainda, algumas parametrizações para o compartilhamento de informações entre as instituições signatárias do termo, com o escopo de conferir maior segurança jurídica aos acordos de leniência e incentivar a autodenúncia voluntária pelas empresas, como a não utilização das informações recebidas contra o colaborador ou para qualquer procedimento alheio ao previsto no termo e o compromisso de não utilização, direta ou indiretamente, dessas informações, para sancionamento da empresa colaboradora.
Por fim, o Acordo de Cooperação Técnica prevê que sejam estabelecidos mecanismos de compensação e/ou abatimento de multas (sanções) pagas pelas empresas em condutas tipificadas em mais de uma legislação e de valores de ressarcimento quando destinados aos mesmos entes lesados e originários dos mesmos fatos.
O debate sobre os mecanismos mais eficientes para maior segurança jurídica aos acordos de leniência está posto no referido Acordo de Cooperação Técnica. Aguarda-se, portanto, a evolução dessa discussão e consenso entre as autoridades envolvidas para que as novas regras comecem a valer num futuro próximo.
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Isabella Nogueira
Advogada da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
Fernanda Galvão
Sócia e Coordenadora da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 17 ago. 2020.
(2) ACORDO de Cooperação Técnica que entre si celebram o Ministério Público Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) em matéria de combate à corrupção no Brasil, especialmente em relação aos Acordos de Leniência da Lei nº 12.846, de 2013. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/11/16/BB/03/575C37109EB62737F18818A8/ACORDO%20DE%20COOPERACAO%20TECNICA%20_1_.pdf. Acesso em: 16 ago. 2020.