Com base no caráter coercitivo da multa prevista no parágrafo primeiro do art. 523 do CPC/15, STJ diferencia pagamento de garantia do juízo
Mariana Cançado Cavalieri, Mariângela Silveira Menezes e Luciano José Reis Pinheiro
O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no julgamento do Recurso Especial nº 1803985/SE, definiu o critério de quando deverá incidir a multa e os honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o débito, nos termos do art. 523, §1º, do Código de Processo Civil de 2015 (“CPC/15”) (1).
De acordo com a Ministra Relatora, Nancy Andrighi (3), o cerne da questão seria definir se o Executado poderia efetivar o depósito judicial da quantia exequenda apenas como garantia do juízo para isentar-se do pagamento da multa e dos honorários, impugnando o Cumprimento de Sentença, ou se a isenção somente seria possível na hipótese de efetivo pagamento da dívida, sem discussão posterior acerca do débito.
Nos termos do voto da Relatora, a própria redação do parágrafo primeiro do art. 523 do CPC/15 prevê a incidência de multa e honorários advocatícios quando não ocorrer o pagamento voluntário do débito. Assim, o depósito judicial para garantia do juízo, ainda que realizado tempestivamente pelo Executado, não teria o condão de afastar a penalidade, por não se equiparar à hipótese de pagamento voluntário (2).
Mesmo diante da possibilidade de interpretação literal do referido dispositivo, tal como se viu acima, a aplicação da multa e dos honorários advocatícios previstos no CPC deveria ser relativizada de acordo com o resultado do julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença apresentada pelo Executado.
Em outras palavras, na hipótese de provimento da impugnação ao cumprimento de sentença, a penalidade não deveria ser aplicada, caso contrário, estaria impedindo que o Executado, fundamentadamente, questionasse eventuais equívocos existentes nos cálculos apresentados pelo Exequente, já que, para isso, seria penalizado.
No âmbito estadual, os Tribunais têm considerado a possibilidade de levantamento da quantia exequenda pelo Credor como requisito essencial para a definição sobre a incidência (ou não) da multa e dos honorários advocatícios de 10%, cabendo ao Executado, portanto, autorizar expressamente o levantamento da quantia que entende como devida. Assim, eventual penalidade somente incidiria sobre o valor do alegado excesso, que permaneceria depositado em Juízo até o julgamento final da impugnação.
Com base neste entendimento, porém, a substituição da penhora por fiança bancária ou seguro garantia, modalidade inaugurada pelo CPC/2015, não afastaria a aplicação da penalidade prevista no art. 523, já que os valores não ficariam imediatamente disponíveis para o Exequente.
Também por isso, o entendimento do STJ desvirtua a ideia inicial de incentivar a garantia do juízo, já que o Executado terá de arcar com a penalidade de qualquer forma, não havendo justificativa para a antecipação do desembolso.
A interpretação do referido artigo, portanto, deve ser realizada com cautela pelo judiciário, já que a sua aplicação literal retiraria do Executado a possibilidade de questionar equívocos efetivamente existentes no cálculo da dívida, sem que, para isso, fosse penalizado, o que, em última instância, caracterizaria impedimento ao exercício do regular direito de defesa do Executado.
Demais disso, a interpretação dada pelo Tribunal Superior vai de encontro à disposição do §3º, do art. 520, do CPC/15, que prevê a possibilidade de o Executado comparecer tempestivamente no Cumprimento de Sentença e depositar o valor do débito com a finalidade de isentar-se da multa.
Diante de tais considerações e do panorama econômico atual, fortemente afetado pela pandemia da COVID-19, a aplicação da sanção prevista no §1º do art. 523 do CPC deve ser analisada caso a caso, para que, sem deixar “de lado” o interesse do credor, não se onere demasiadamente o devedor.
O que se conclui, portanto, é que, ainda que inúmeros Tribunais já tenham adotado o entendimento consolidado pelo STJ, a questão ainda é passível de discussão, notadamente em vista do efetivo prejuízo causado ao devedor que é cobrado por quantia acima da efetivamente devida, por exemplo, e que se vê obrigado a efetuar o pagamento do débito para que não seja penalizado.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a Equipe de Consumidor e do Contencioso Cível do VLF.
Mariana Cançado Cavalieri
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Mariângela Silveira Menezes
Advogada da Equipe de Direito Consumerista do VLF Advogados
Luciano José Reis Pinheiro
Estagiário da Equipe de Direito Consumerista do VLF Advogados
(1) §1º do art. 523, do CPC: “No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento”.
(2) BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 23 jul. 2020.
(3) REsp 1803985/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 21/11/2019. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1888271&num_registro=201802617057&data=20191121&formato=PDF. Acesso em: 24 ago. 2020.