Decisão liminar do STJ leva à encampação da Linha Amarela pelo Município do Rio de Janeiro
Bruno Fontenelle e Maria Tereza Dias
No dia 16 de setembro, o Ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), concedeu uma liminar ao Município do Rio de Janeiro, permitindo a encampação da concessão rodoviária da Linha Amarela – anteriormente delegada à empresa Lamsa. Dessa forma, o Município retomou o controle da manutenção da via, mesmo durante a vigência do contrato de concessão.
Anteriormente, a encampação estava suspensa em decorrência de decisões proferidas nos autos da Tutela Antecipada Antecedente nº 0267825-08.2019.8.19.0001, da Representação de Inconstitucionalidade nº 0073142-71.2019.8.19.0000 e do Pedido de Tutela Antecipada Antecedente nº 0272141-64.2019.8.19.0001. De acordo com a alegação do Município, as liminares impediam que a Prefeitura exercesse seu papel de poder regulador e concedente, estabelecido pelo art. 175 da Constituição Federal, mesmo após os trâmites estabelecidos na Lei Geral de Concessões (Lei nº 8.987/1995) (1).
A fundamentação do Ministro foi que o Município teria cumprido o disposto no art. 37 da Lei nº 8.987/1995, que autoriza a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização. A norma autorizativa, no caso, é a Lei Complementar 213/2019, de iniciativa do prefeito Marcelo Crivella e foi aprovada de maneira unânime pela Câmara Municipal carioca. O valor de indenização segundo a decisão foi calculado em um bilhão trezentos e trinta milhões e quinhentos e sete mil reais (R$ 1.330.507,00) em bens do município do Rio (2).
Ademais, de acordo com a decisão proferida, o contrato de concessão foi celebrado em 1994 e prorrogado desde então, tendo sido pactuado em realidade distinta da atual. Além disso, cita indícios de que obras foram superfaturadas conforme conclusões de processos administrativos de apuração. Por fim, a decisão destaca que o afastamento, em 2005, do fluxo de veículos como elemento da equação financeira do contrato corroborou para a descaraterização do contrato na forma estabelecida no edital de licitação.
A preocupação dos atores envolvidos em contratos de concessão gira em torno do fato de que o eventual descumprimento do contrato, pelos concessionários, deve ensejar a declaração de caducidade da concessão e não a sua encampação, fundada na mera alegação de “interesse público”. A caducidade, inclusive, garante o devido processo administrativo e somente pode ser aplicada nos termos e nas hipóteses do art. 38 da Lei Geral de Concessões, evitando interferências exclusivamente políticas e de governo, na execução dos serviços. Contratos de longo prazo, que demandam elevados investimentos, necessitam de estabilidade e segurança jurídica, notadamente para atrair novos investidores que garantam a obtenção de propostas mais vantajosas nas licitações.
Em que pese ainda estar sujeita a recurso, a decisão gera grande insegurança jurídica no setor de concessões de rodovia, com contratos de longo prazo vigentes, notadamente quando diversos governos (em âmbito federal, estadual e municipal) sinalizam a intenção de delegar tais serviços aos particulares.
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Dias
Sócia e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) CONJUR. RJ pede que STF suspenda liminares que impedem encampação da Linha Amarela. 21 de setembro de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-08/rj-supremo-autorize-encampacao-linha-amarela. Acesso em: 23 set. 2020.
(2) O GLOBO. Crivella oferece Cidade das Artes e prédios históricos para ter controle da Linha Amarela. 21 de setembro de 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/crivella-oferece-cidade-das-artes-predios-historicos-para-ter-controle-da-linha-amarela-24650961. Acesso em: 23 set. 2020.