CDC é marco legal que modificou profundamente a dinâmica do nosso mercado e seus princípios repercutem na LGPD
Henrique Gobbi
Após meses de espera, a Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”) entra em vigor, sendo objeto de muita discussão no âmbito jurídico e empresarial, principalmente em razão do seu potencial de mudanças nas relações digitais e da necessidade de adaptação das empresas ao novo regramento.
Quando analisamos a LGPD, vemos que há nela diversos elementos contidos no Código de Defesa do Consumidor, lei que representa um marco em nosso ordenamento jurídico e teve grande repercussão social e econômica. Diz-se isso, pois na LPGD temos a figura do controlador e do titular do dado, que é naturalmente comparado ao fornecedor e ao consumidor do Código do Consumidor e, como se verá, as similaridades não são apenas essas.
Um ponto de interseção em ambas as leis é a necessidade de fornecer informações claras e objetivas ao titular dos dados sobre como e quais informações estão sendo tratadas pelo controlador, conforme podemos extrair da leitura do art. 9º (1) da lei de dados, que muito se aproxima do § 1º art. do art. 43 (2) do CDC.
A lei consumerista prevê, no §2ª (3) do art. 43, a necessidade de envio de comunicação ao consumidor sempre que for aberto cadastro de qualquer espécie em seu nome quando não tenha sido solicitado por ele. Vemos que a LGPD seguiu essa mesma premissa ao inserir em seu ordenamento o art. 7º, que contém as hipóteses de tratamento de dados, prevendo a necessidade de informar ao titular dos dados sobre o tratamento.
Seguindo o princípio da autodeterminação informativa previsto na lei de dados, as duas legislações garantem ao titular/consumidor o direito de solicitar a retificação de dados cadastrais incorretos, previsão essa que podemos encontrar no inciso III do art. 18 (4) da LGPD e no § 3º (5) do art. 43 do CDC, valendo destacar a necessidade de o titular encaminhar seu pedido através do canal de comunicação correto, que deve ser disponibilizado pelas empresas de forma clara e acessível em seus portais.
A sinergia entre as leis adentra o campo do direito processual através da inversão do ônus da prova, consagrado pelo inciso VIII (6) do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, e no § 2º (7) do art. 42 da LGPD, deixando clara a intenção do legislador de tratar o titular dos dados como hipossuficiente, tal como ocorre na relação consumerista orientada pelo CDC.
A LGPD certamente mudará a cultura do tratamento de dados e representará um desafio para as empresas, uma vez que a adaptação a essa legislação necessita de um trabalho multidisciplinar, demandando o envolvimento de diversas áreas das empresas, mas aquelas que primeiro se enquadrarem à legislação certamente terão vantagem competitiva.
Henrique Gobbi
Advogado Coordenador da Equipe de Direito Consumerista do VLF Advogados
(1) Art. 9º O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso.
(2) § 1º Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
(3) § 2º A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
(4) Art. 18. O titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação aos dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e mediante requisição:
III - correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados.
(5) § 3º O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
(6) Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
(7) Art. 42. O controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo.
§ 2º O juiz, no processo civil, poderá inverter o ônus da prova a favor do titular dos dados quando, a seu juízo, for verossímil a alegação, houver hipossuficiência para fins de produção de prova ou quando a produção de prova pelo titular resultar-lhe excessivamente onerosa.