Fahrenheit 451 (livro) e The Godfather of Harlem (minissérie)
Anderson Soares e Rafhael Frattari
Fahrenheit 451
O escritor norte americano Ernest Hemingway (1899-1961) dizia que não há amigo tão leal quanto um livro.
Imaginem então uma sociedade em que os livros representassem um mal social tão grande que deviam ser combatidos com fogo, destruídos por bombeiros que há anos deixaram de deter incêndios para provocá-los, queimando qualquer livro que fosse encontrado, uma vez que nessa “sociedade perfeita” a sabedoria e cultura são disseminadas em grandes telões que substituem paredes nas residências?
Esse é o cenário do clássico romance de Ray Bradbury (1920-2012), Fahrenheit 451, escrito há quase setenta anos (1953) e que ainda causa um impacto tão grande, principalmente pelas suas reflexões e previsões das grandes mídias (TV, internet e redes sociais) como difusoras de “conhecimento”.
No centro desse enredo distópico, acompanhamos o protagonista Guy Montag, um desses bombeiros que, quando acionados, invadem residências em busca de livros a serem reduzidos às cinzas.
Sua rotina e ideologias são revistas quando em um encontro casual com sua vizinha adolescente Clarissa, esta o questiona sobre o mundo e a razão de ser de tantas coisas, algo que não é praticado nesta sociedade em que a maioria das pessoas passa seu tempo livre se medicando, entretida com grandes telões e se relacionando com outras pessoas de modo virtual – denominadas “parentes televisivos”.
Guy, após essa conversa com a jovem, começa a questionar tudo – seu casamento com Mildred (a mulher que ama, mas não consegue sequer se lembrar de quando se conheceram); seu emprego e a real razão de um amontoado de páginas encadernadas escritas por desconhecidos representarem um mal tão grande a sociedade; assim como a sua própria existência e papel social.
Trazer mais detalhes dessa história poderia comprometer a experiência do novo leitor, que se verá rapidamente mergulhado e inserido nessas questões, tal qual o protagonista.
Assim, a saga de Guy por essas respostas, apresentada de uma forma tão intensa e sensível na escrita de Bradbury, nos remete a questionamentos universais que permeiam a nossa atual realidade: qual o destino de uma sociedade que a cada dia se torna mais e mais dependente de relações irreais (os “amigos” das redes sociais)? Uma era em que livros e estudos são renegados e substituídos por pequenas notícias de fontes duvidosas que circulam por esses veículos midiáticos?
Em um embate com Beatty – o chefe dos bombeiros e até certo ponto seu “mentor” –, o protagonista questiona a forma como aquela sociedade é construída.
Ufanista, Beatty dispara aquilo que podemos considerar a síntese da ideologia de tantos regimes opressores:
– Você precisa entender que nossa civilização é tão vasta que não podemos permitir que nossas minorias sejam transtornadas e agitadas. Pergunte a si mesmo: O que queremos neste país, acima de tudo? As pessoas querem ser felizes, não é certo? Não foi o que você ouviu durante toda a vida? Eu quero ser feliz, é o que diz todo mundo. Bem, elas não são? Não cuidamos para que sempre estejam em movimento, sempre se divertindo? E para isso que vivemos, não acha? Para o prazer, a excitação? E você tem de admitir que nossa cultura fornecesse as duas coisas em profusão. (1)
A questão mais latente e atemporal que o autor ao fim deste livro traz é: renunciar a algum tipo de liberdade em nome de uma paz social (de um bem maior) é realmente o caminho? Podemos realmente encontrar a felicidade em um casulo de alienação e falsa liberdade/segurança?
Ray Bradbury apresenta o seu ponto de vista nesta verdadeira carta de amor metalinguística aos livros e a sua importância para o mundo, nos lembrando que, sempre que tivermos o nosso amigo leal, jamais deixaremos de sentir, aprender e pensar, características estas tão interligadas a nossa humanidade e que nos tornam indivíduos únicos em uma sociedade.
Boa leitura!
Anderson Soares
Advogado da Equipe de Controladoria Jurídica do VLF Advogados
(1) BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451. São Paulo: Editora Globo, 2012, p. 82.
The Godfather of Harlem
A minissérie The Godfather of Harlem se passa na Nova York dos anos 1960 e é recheada de ótimas atuações, roteiro inteligente, figurinos e fotografia lindos e, de quebra, uma música excelente.
A primeira temporada narra a vida de Bumpy Johnson, em belíssima interpretação do fantástico Forester Withaker, um gangster negro, que comanda a venda de heroína e outros malfeitos no Harlem, quase sempre se associando à máfia italiana, os seus fornecedores.
Além de retratar a condição negra e a violência dos bairros pobres dominados pela criminalidade, a série traça um bom retrato do momento político americano e da luta pelos direitos civis. Um dos pontos altos é a presença de Malcom X (Nígel Thatch) e o seu discurso crítico da condição negra, somado ao crescimento da Nação Islâmica.
Há também o impagável pastor Adam Clayton Powel Jr. (Giancarlo Esposito), que foi deputado e representante do Harlem e sabia se mover entre os perigos e meandros do poder.
A minissérie está disponível pela Fox Premium e merece ser vista por todos que gostam de política, história, música, figurino e, claro, de Nova York.
Rafhael Frattari
Sócio fundador do VLF Advogados, responsável pela área tributária