Efeitos da pandemia e desabastecimento de insumos na construção civil ensejam a revisão dos contratos administrativos
Maria Tereza Fonseca Dias e Bruno Fontenelle
A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (“CBIC”) enviou parecer ao Ministério da Economia asseverando a situação sem precedentes de desabastecimento do setor em todo o país, o que pode causar graves consequências nas obras em andamento.
O relatório produzido demonstra o aumento desproporcional dos preços de materiais de construção em todo o território nacional, especialmente entre os meses de junho e setembro de 2020, com repercussões até o momento atual. Os dados também indicam atraso na entrega dos insumos decorrente da situação de desabastecimento.
Especificamente nos contratos administrativos de obras e serviços de engenharia, esta situação fática repercute de diversas formas, ensejando a sua revisão, por meio da expedição de termos aditivos. Três consequências imediatas podem ser verificadas: a) atrasos na execução das obras; b) alteração dos preços contratados; b) inobservância do cronograma físico-financeiro por razões de força maior, portanto justificadas, impossibilitando a aplicação de penalidades contratuais.
Assim, quanto à primeira consequência, a repercussão da falta de materiais decorrente da pandemia e da crise de abastecimento de insumos, resultando na demora da entrega dos bens necessários para a realização dos serviços, autoriza a prorrogação do contrato, considerando a previsão do art. 57, § 1º, incisos II e V, da Lei nº 8.666/1993, segundo o qual:
Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação [...], desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo: [...] II - superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato [...] e V - impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência.
No tocante aos valores contratados, a alta expressiva no preço de insumos relevantes à execução dos serviços pode ensejar o dever jurídico da Administração Pública em compensar o contratado pelos prejuízos suportados, visando restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Nos termos do art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/1993, os contratos administrativos poderão ser alterados, com as devidas justificativas, por acordo das partes, para restabelecer a relação pactuada inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém com consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
O referido dispositivo é ainda reforçado pela Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos quando prevê a imutabilidade das cláusulas econômicas do contrato administrativo (art. 58, § 1º), ou seja, que as cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
Diante destas normas e da situação fática descrita nos estudos da CBIC e da Confederação Nacional da Indústria (“CNI”) (1) (2), o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro não está condicionado à demonstração da onerosidade excessiva provocada no âmbito da execução do contrato. É importante comprovar, na verdade, a variação extraordinária no preço do insumo, além do cálculo dos prejuízos gerados.
Destaca-se, ainda, que caso o desequilíbrio contratual verificado seja de tal maneira que impossibilite a continuação das atividades, o contratado poderá requerer a suspensão da exigibilidade de certas obrigações contratuais, desde que comunicado e justificado previamente ao Poder Público.
Por fim, considerando os fatos narrados e a situação específica de cada contrato, as mudanças do cenário contratual e a crise econômica decorrentes da pandemia, conclui-se que a inobservância do cronograma físico-financeiro por razões de força maior – portanto justificadas – impossibilitam a aplicação de penalidades contratuais.
A literatura editada neste período da pandemia da COVID-19 recomenda a ampliação do diálogo entre as partes para que as consequências da crise de desabastecimento de insumos na construção civil seja objeto de ampla repactuação contratual, que redimensione o prazo contratual anteriormente estimado, o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos e a análise criteriosa da inobservância das obrigações previamente estabelecidas.
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) GASPARINI, Claudia. Indústria enfrenta falta de insumos. Disponível em: https://www.linkedin.com/feed/news/4259121. Acesso em: 26 out. 2020.
(2) REEQUILÍBRIO de Contratos - Aumento no Preço de Materiais. Disponível em: https://cbic.org.br/pt_BR/reequilibrio-contratual/. Acesso em: 26 out. 2020.