Administração de sociedades limitadas e anônimas por estrangeiros: panorama normativo e requisitos
Pedro Ernesto Rocha e Larissa Vargas
É comum, no dia a dia do escritório, atender clientes estrangeiros que pretendem desenvolver seus negócios no Brasil, e um assunto que sempre surge nesse contexto é a possibilidade de uma pessoa (1) estrangeira atuar como administradora de uma sociedade brasileira, limitada ou anônima.
Essa questão possui uma resposta objetiva já bem difundida: estrangeiros podem ser administradores de sociedades brasileiras. Porém, os requisitos para tanto e os fundamentos normativos desses requisitos normalmente são desconhecidos, e é isso que será sintetizado a seguir.
Tanto em sociedades anônimas quanto em sociedades limitadas podem existir dois tipos de administradores: os conselheiros (membros do conselho de administração) e os diretores (2).
A Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976, a seguir chamada “Lei das S.A.”) determina em seu artigo 146 (3) que poderão ser eleitas como conselheiros ou diretores as “pessoas naturais, devendo os diretores ser residentes no País”, e que a posse do conselheiro residente no exterior fica condicionada à constituição de procurador do Brasil para receber citações com base em ações fundadas na legislação societária (4).
Essa norma traz as seguintes conclusões em relação às sociedades anônimas: (a) conselheiros e diretores podem ser estrangeiros; (b) conselheiros podem ser residentes no exterior, desde que constituam procurador no Brasil; e (c) diretores devem ser residentes no Brasil.
No que se refere às sociedades limitadas, o Código Civil (Lei 10.406/2002, “Código Civil”) não contém regramento sobre conselho de administração e, quanto aos diretores, apesar de conter várias normas (5), não apresenta exigências quanto a nacionalidade ou a residência das pessoas a serem eleitas.
Os conselheiros são figuras típicas das sociedades anônimas, porém é amplamente aceita a ideia de que as sociedades limitadas também podem ter conselhos de administração, aplicando-se subsidiariamente as normas da Lei das S.A., conforme faculdade prevista no artigo 1.053, parágrafo único do Código Civil (6). Inclusive, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração reconhece os conselhos de administração em sociedades limitadas em sua Instrução Normativa 81, Anexo IV, item 4.5.3 (7).
Logo, da mesma forma que nas sociedades anônimas, para sociedades limitadas, os conselheiros poderão ser estrangeiros e residentes no exterior, desde que tenham procurador no Brasil.
Como o Código Civil não impõe limitação de nacionalidade e residência para os diretores, seria possível concluir que os diretores de sociedades limitadas poderiam ser brasileiros ou estrangeiros, residentes no Brasil ou no exterior.
Contudo, três argumentos principais afastam essa conclusão.
O primeiro é a própria Lei das S.A., que pode ser vista como um verdadeiro código societário nacional e que pode ser aplicada às sociedades limitadas por força de regência supletiva prevista em contrato social. Portanto, ficaria estendida às sociedades limitadas a restrição do artigo 146 da Lei das S.A. para que os diretores fossem residentes no Brasil.
A seguir, tem-se o Decreto 1.800/1996 que, ao regular a Lei de Registro Mercantil (Lei 8.934/1994), impõe em seu artigo 34 que a carteira de identidade de estrangeiro que comprove a condição de residente no Brasil deverá ser juntada no ato societário levado a registro, e essa norma vale para qualquer sociedade empresária, inclusive as limitadas (8).
E, por último, vem a Instrução Normativa 81 DREI, Anexo IV que, em seu Capítulo I, intitulado “Informações Básicas Para o Registro”, item 1.5, determina que para o administrador “imigrante, deve ser anexado (sic) cópia do documento de identidade, emitido por autoridade brasileira, com a comprovação da condição de residente” (9). A instrução ainda esclarece, em seu artigo 13, que a comprovação da condição de residente é necessária para a posse, mas não para a indicação, isto é, o diretor pode ser eleito ainda na condição de estrangeiro não residente, mas sua posse fica condicionada à apresentação do documento comprobatório da condição de residente (10).
Diante do exposto, nota-se que não há um único diploma legal ou uma única norma infralegal tratando do tema de maneira objetiva e uniforme, mas a análise do conjunto de normas aplicáveis permite concluir que estrangeiros podem ser administradores de sociedades limitadas e anônimas, sendo que, se forem conselheiros, poderão residir fora do país e deverão outorgar procuração a representante residente no Brasil com poderes para receber citação em ações fundadas na legislação societária, e, se forem diretores, deverão ser residentes do Brasil.
Pedro Ernesto Rocha
Advogado e Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Larissa Vargas
Estagiária da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) Pessoas físicas e não jurídicas. No Brasil, pessoas jurídicas não podem ser administradoras de sociedades, conforme artigo 997 do Código Civil, inciso VI e artigo 146, caput da Lei das S.A.
(2) “Administradores” é uma expressão que tem, nos artigos 145 e seguintes da Lei das S.A., o sentido de conselheiros e diretores, que são figuras típicas devidamente identificadas nos artigos 138 e seguintes do referido diploma. Os conselheiros não têm funções executivas e os diretores têm funções executivas. No Código Civil não existe a figura do “conselheiro” e do “diretor”, existe apenas o “administrador”, que é a figura análoga ao diretor das sociedades anônimas e, portanto, refere-se ao administrador com funções executivas. Na prática societária é comum chamar o “administrador-executivo” de uma sociedade limitada de “diretor”, e é esse o sentido utilizado quando o presente texto se referir a diretor de sociedade limitada.
(3) Quando da promulgação da Lei das S.A., o legislador entendeu como inconstitucional a possibilidade de que os administradores de uma sociedade anônima – membros da diretoria ou membros do conselho fiscal – fossem estrangeiros não residentes no Brasil, sob o argumento de que um diretor não poderia exercer suas funções fora do país em que a sociedade administrada possui sede. O anteprojeto original previa a possibilidade de eleição de conselheiros residentes no exterior até o máximo de 1/3 (um terço) de seus membros, mas o Congresso nacional alterou a redação do artigo e proibiu a eleição de não residentes para o conselho de administração. Tal vedação foi aplicável até a promulgação da Lei 10.194/2001, que alterou o artigo 146, caput, da Lei das S.A., passando a permitir a presença de estrangeiros não residentes no país no conselho de administração de companhia.
(4) Lei das S.A.: “Art. 146. Poderão ser eleitas para membros dos órgãos de administração pessoas naturais, devendo os diretores ser residentes no País. [...] § 2o A posse do conselheiro residente ou domiciliado no exterior fica condicionada à constituição de representante residente no País, com poderes para receber citação em ações contra ele propostas com base na legislação societária, mediante procuração com prazo de validade que deverá estender-se por, no mínimo, 3 (três) anos após o término do prazo de gestão do conselheiro.”
(5) A exemplo do artigo 997, VI, 1.010 e seguintes e 1.060 e seguintes.
(6) Código Civil: “Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.”
(7) “4.5.3. Conselho de Administração Fica facultada a criação de Conselho de Administração na sociedade limitada, aplicando-se, por analogia, as regras previstas na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Quando adotado o conselho de administração, o administrador poderá ser estrangeiro ou residente no exterior, devendo, contudo, apresentar procuração outorgando poderes específicos a residente no Brasil para receber citação judicial em seu nome (art. 146, § 2º, da Lei nº 6.404, de 1976). Nota: Criado o conselho de administração na sociedade limitada, não regida supletivamente pela Lei de Sociedade por Ações (art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil) e, caso não haja regramento específico sobre o órgão no contrato, serão aplicadas, por analogia, as normas da sociedade anônima (Enunciado nº 64, da II Jornada de Direito Comercial do Conselho Federal de Justiça).”
(8) Decreto 1.800/1996: “Art. 34. Instruirão obrigatoriamente os pedidos de arquivamento: [...] V - prova de identidade do empresário individual e do administrador de sociedade empresária e de cooperativa
a) poderão servir como prova de identidade, mesmo por cópia regularmente autenticada, a cédula de identidade, o certificado de reservista, a carteira de identidade profissional, a carteira de identidade de estrangeiro e a carteira nacional de habilitação;
b) para o imigrante, empresário individual ou administrador de sociedade empresária ou cooperativa, a identidade conterá a comprovação da condição de residente no País.”
(9) Instrução Normativa 81 DREI, Anexo IV, Capítulo I, item 1.5: “1.5. CÓPIA DA IDENTIDADE DO(S) ADMINISTRADOR(ES) - vide art. 2º da Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009 Notas: I. A certificação digital supre a exigência de apresentação de prova de identidade nos casos exigidos pela legislação e normas do Registro Empresarial. Contudo, em relação ao imigrante, deve ser anexado cópia do documento de identidade, emitido por autoridade brasileira, com a comprovação da condição de residente ou documento comprobatório de sua solicitação à autoridade competente, acompanhado de documento de viagem válido. II. É dispensada nova apresentação de prova de identidade no caso de já constar anotada, em processo anteriormente arquivado, e desde que indicado o número do registro daquele processo.”
(10) Instrução Normativa 81 DREI: “Art. 13. No caso de indicação de estrangeiro não residente no Brasil para cargo de diretor em sociedade anônima, a apresentação de documento emitido no Brasil somente será exigida por ocasião da investidura no respectivo cargo, mediante o arquivamento do termo de posse. Parágrafo único. O disposto no caput desde artigo não obsta o arquivamento do ato de indicação.”