Criptoarbitragem, a tecnologia a serviço da celeridade na solução de litígios
Arthur Batista
A situação de acúmulo de demandas e consequente demora na solução de litígios vivida há algum tempo pelos sistemas judiciários de vários países do mundo, inclusive o Brasil, fez surgir a busca por meios alternativos de solução de conflitos.
Já em 1994, Mauro Cappelleti expunha toda sua preocupação com os problemas enfrentados pelo Judiciário, por vários fatores, entre eles, a ausência de celeridade, destacando a importância da existência de métodos alternativos para solução de lides em busca da pacificação social: “Devemos estar conscientes de nossa responsabilidade; é nosso dever contribuir para fazer que o direito e os remédios legais reflitam as necessidades, problemas e aspirações atuais da sociedade civil; entre essas necessidades estão seguramente as de desenvolver alternativas aos métodos e remédios, tradicionais, sempre que sejam demasiado caros, lentos e inacessíveis ao povo; daí o dever de encontrar alternativas capazes de melhor atender às urgentes demandas de um tempo de transformações sociais em ritmo de velocidade sem precedente” (1).
As soluções encontradas até então foram a conciliação, a mediação, a autocomposição e a arbitragem. Cada uma delas com suas características próprias, sempre oferecendo um caminho distinto da via judicial para a resolução dos problemas sociais vividos. O tempo passou, os sistemas evoluíram e nós entramos em uma revolução tecnológica, com isso, os meios alternativos de solução de conflitos também prosperaram e foram se adequando à nova realidade digital. É o caso do surgimento da criptoarbitragem.
Embora traga no nome a palavra “arbitragem” não se trata necessariamente de um sistema com suas características, tampouco de mediação, conciliação ou autocomposição. Nem todas as formas de soluções alternativas de conflitos precisam ser encaixadas em uma dessas categorias. Hoje temos sistemas híbridos que congregam diferentes mecanismos de diversos sistemas e é ótimo que esses assim existam (2).
A junção de dois termos (cripto + arbitragem) busca nos trazer o significado de “solução alternativa de conflitos com uso de criptografia” (3). E é disso que se trata.
A ideia da criptoarbitragem tem como inspiração o sistema de Online Dispute Resolution (ODR), que se baseia na utilização do meio on-line para negociar, mediar e arbitrar. No entanto, a criptoarbitragem possui características específicas. Para a execução deste método, temos plataformas descentralizadas e on-line próprias para essa função, onde jurados (4) analisam o caso em um prazo médio de 90 (noventa) dias em demandas que tenham essencialmente valores monetários envolvidos. Ou seja, para a solução do conflito, necessariamente ambas as partes terão que estar cadastradas em uma plataforma on-line para esse fim.
A decisão proferida pelos jurados não resulta em uma sentença arbitral e sim em um comando para a plataforma. Esse comando é responsável pela execução da decisão, seja ela favorável a qualquer uma das partes. Logo, nesse sistema não há necessidade de uma terceira ação solicitando o cumprimento da decisão (normalmente pagamento de valores). O funcionamento é similar aos aplicativos de transporte privado de passageiros ou de entrega de refeições tão comuns hoje em dia. A liberação dos valores a que uma das partes tem direito será feita para sujeito A se a condição X ocorrer e será feito para sujeito B se a condição Y ocorrer, sendo X ou Y as condições definidas no parecer final dos jurados.
Caso não haja concordância com a decisão proferida, há a possibilidade de recurso (não há limite recursal). No entanto, toda vez que houver um recurso, a parte que recorre deve depositar novos valores para garantir a reanálise do caso. E a cada recurso, o número de jurados será o dobro do anterior, assim como os valores a serem depositados, numa progressão geométrica. Essa medida visa desencorajar o uso excessivo da ferramenta recursal.
O uso de criptoarbitragem ainda é mais considerado para demandas de menor complexidade e valor, no entanto, se observarmos o que vem ocorrendo no mundo em relação à tecnologia e a urgência na resposta aos conflitos cotidianos, não é de se afastar a possibilidade de que, cada vez mais, outras demandas de maior complexidade acabem utilizando também esse meio de solução de conflitos.
As plataformas disponíveis ainda são poucas, a maior delas é estrangeira – a Kleros e atua em demandas envolvendo blockchain, Marketing, Língua Inglesa e tradução, Produção de vídeos, Análise de dados e Curadoria (em relação a mídias sociais).
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Arthur Batista
Advogado da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) CAPPELLETTI, Mauro. Os Métodos Alternativos de Solução de Conflitos no Quadro do Movimento Universal de Acesso à Justiça. Revista de Processo, n. 74, ano 19, p. 82-97, abr.-jun. 1994.
(2) Segundo a Mestre em Direito Processual pela USP Aline Dias, em recente entrevista ao podcast Direito 4.0 (DIREITO 4.0 PODCAST: Já Ouviu Falar em Criptoarbitragem? Entrevistada: Aline Dias. [S.l.]: Direito 4.0, 22 out. 2020. Podcast. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YKM0fVBV6sg&t. Acesso em: 25 nov. 2020.)
(3) Segundo a Kaspersky, uma das maiores empresas do mundo em segurança de dados, criptografia é a prática de codificar e decodificar dados. Quando os dados são criptografados, é aplicado um algoritmo para codificá-los de modo que eles não tenham mais o formato original e, portanto, não possam ser lidos. Os dados só podem ser decodificados ao formato original com o uso de uma chave de decriptografia específica.
(4) Designação para aqueles que decidirão sobre o caso.