Senado aprova nova Lei de Licitações e Congresso Nacional aguarda sanção presidencial
Maria Tereza Fonseca Dias
O Senado Federal aprovou, em 10 de dezembro de 2020, a partir do relatório do Senador Antônio Anastasia, o Projeto de Lei (“PL”) nº 4.253/2020, que estabelecerá a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. A matéria é resultado de discussões que remontam ao PLS 559/2013, que tramitou na Câmara dos Deputados como PL nº 6.814/2017 até 10 de outubro de 2019.
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos consolida legislações anteriores e interpretações doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, substitui e revogará a Lei Geral de Licitações vigente (Lei nº 8.666/1993), a Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002) e a Lei do Regime Diferenciado de Contratações (“RDC” – Lei nº 12.462/11). A proposição de lei aprovada e submetida à sanção do Presidente da República tem como base a harmonização legislativa, portanto não se trata de proposição legislativa efetivamente inédita. Além disso, o PL nº 4.253/2020 assimilou instrumentos de gestão e governança das compras públicas, que vinham sendo experimentados, notadamente, no âmbito das contratações federais e, em alguns aspectos mais pontuais, está de fato inovando, em especial com a introdução de alguns instrumentos oriundos da experiência legislativa da União Europeia.
Em que pese entrar em vigor na data de sua publicação, os diplomas normativos hoje aplicados somente serão revogados dois anos após a entrada em vigor da lei (art. 191, II, PL nº 4.253/2020). Assim, a nova lei possui vacatio legis opcional de dois anos, assegurada a autonomia dos entes federativos para decidir quando aplicarão as novas regras.
Espera-se que os órgãos e entidades administrativas utilizem este tempo para treinamento de pessoal, adaptação da organização administrativa e de sistemas eletrônicos, além da discussão das mudanças da nova lei, antes de sua adoção. Até lá, as licitações e contratações públicas não se alteram.
O novo diploma não será aplicado às estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista – art. 1º, § 1º, 4.253/2020) que possuem regime próprio de licitação (Lei nº 13.303/2016), exceção feita aos crimes licitatórios (art. 185, PL nº 4.253/2020).
Os aspectos positivos da proposição aprovada dizem respeito: a) ao amadurecimento e aprimoramento da lei, que foi bastante discutida na Câmara dos Deputados e objeto de análise prévia dos especialistas na matéria; b) à harmonização legislativa, retirando do ordenamento uma pluralidade de normas e regimes de compras; c) à assimilação de avanços já experimentados na prática administrativa, como é no caso do pregão e do RDC, podendo tornar mais segura a transição de um regime a outro; d) ao aprimoramento da gestão administrativa, governança e transparência; e) à inclusão de mecanismos de controle visando evitar as práticas de sobrepreço e superfaturamento.
As principais críticas que podem ser dirigidas à proposição aprovada referem-se justamente à antítese do texto levado à sanção, tais como: a) diploma legal analítico e excessivamente longo; b) tônica dada aos aspectos formais, estruturais, burocráticos e organizacionais da contratação pública em detrimento da maior flexibilização do processo; c) premissa de desconfiança quanto ao exercício das funções dos atores da contratação (gestores e contratados), reforçando o “imobilismo institucional”; d) pouco inovadora quanto aos instrumentos e mecanismos de contratação, considerada a experiência de outros países.
Principais mudanças da Lei de Licitações e Contratos administrativos:
1) Modalidades de licitação: deixam de existir as modalidades convite, tomada de preços e RDC, porém diversos aspectos do RDC foram incorporados como norma geral. Tornam-se modalidades de licitação o pregão (da Lei nº 10.520/2001), para a contratação de bens e serviços comuns e é introduzido o diálogo competitivo, cujo procedimento implica realização de “diálogos” com o setor privado para discutir alternativas capazes de atender às necessidades da administração púbica (art. 6º, XLII, PL nº 4.253/2020).
2) Aspectos gerenciais e organizacionais internos: maior clareza nas atribuições dos servidores envolvidos na contratação pública (art. 7º a 10, PL nº 4.253/2020); planejamento das compras públicas (art. 18 a 20, PL nº 4.253/2020); gestão de riscos (art. 22, PL nº 4.253/2020); criação do Portal Nacional de Contratações Pública (“PNCP”), art. 174, PL nº 4.253/2020; instituição das centrais de compras (art. 181, PL nº 4.253/2020).
3) Aprimoramento e sistematização do processo de licitação (art. 17 do PL nº 4.253/2020): fase preparatória, de divulgação do edital de licitação, de apresentação de propostas e lances, quando for o caso, de julgamento, de habilitação, recursal e de homologação.
4) Ampliação dos procedimentos auxiliares das licitações e das contratações (art. 77 do PL nº 4.253/2020): credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registro de preços e registro cadastral. O Procedimento de Manifestação de Interesse já previsto nas leis de concessões e PPPs foi descrito no art. 80 do PL nº 4.253/2020. Nesse procedimento a Administração poderá solicitar à iniciativa privada a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública.
5) Meios alternativos de soluções de controvérsias (art. 150, do PL nº 4.253/2020): poderão ser utilizados a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.
6) No campo das obras e serviços de engenharia, destacam-se as seguintes alterações: a) ampliação dos regimes de execução (art. 45, do PL nº 4.253/2020): empreitada por preço unitário, empreitada por preço global, empreitada integral, contratação por tarefa, contratação integrada, contratação semi-integrada e fornecimento e prestação de serviço associado; b) possibilidade do contratado executar desapropriações autorizadas pelo poder público (art. 45, § 4º); c) será exigida garantia adicional do licitante vencedor cuja proposta for inferior a 85% do valor orçado pela administração; d) possibilidade de adoção do sistema de registro de preços para obras e serviços de engenharia (art. 81, § 5º).
Após a sanção do PL nº 4.253/2020, dada a complexidade da matéria e seus impactos no âmbito da administração pública e do mercado, aguardam-se amplos debates acerca dos novos instrumentos de licitações e contratações antes de sua efetiva aplicação.
A equipe de Direito Administrativo do VLF Advogados está à disposição para outros esclarecimentos sobre o tema.
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados