A Nova Lei de Recuperação Judicial e Falências
Juliana Sardinha
Em 24 de dezembro de 2020, o Presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei nº 14.112/2020, que atualiza a legislação de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências (Lei nº 11.101/2005).
A recuperação judicial e extrajudicial tem por objetivo auxiliar empresas a superar situação de crise econômico-financeira, enquanto a falência destina-se a arrecadar e alienar os bens das empresas que não possuem viabilidade econômica, a fim de obter recursos para pagamento de seus credores.
A Lei de Recuperação Judicial e Falências em vigor, demonstrou-se insuficiente para auxiliar adequadamente as empresas em crise, o que se evidencia pelo baixo índice de êxito no procedimento. A reforma da lei chega como medida essencial para socorrer as inúmeras empresas que se encontram afetadas pela longa crise econômica em que o país se encontra, agravada pelos efeitos da pandemia da COVID-19.
Através da recuperação judicial, o devedor obtém a suspensão por determinado período das execuções contra ele ajuizadas (“stay period”), devendo apresentar um plano para soerguimento da empresa, que deverá ser negociado e submetido à aprovação de seus credores. Caso haja objeção de algum credor ao plano, este deverá ser votado em assembleia geral de credores. Uma das principais alterações previstas na Lei nº 14.112/2020 reside na possibilidade de os credores apresentarem um plano de recuperação alternativo ao do devedor. As hipóteses que autorizam os credores a apresentar tal plano são o encerramento do prazo legal (de 180 dias, prorrogáveis por igual período) sem que tenha ocorrido a assembleia geral de credores e a rejeição do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor na referida assembleia.
Para que o plano dos credores seja posto em votação, se faz necessário, cumulativamente: i) que não estejam presentes as condições legais que, se atendidas, facultam ao juiz a concessão da recuperação judicial, mesmo diante da rejeição do plano de recuperação pela assembleia geral de credores (“cram down”); ii) apoio por escrito de credores que representem mais de 25% dos créditos da recuperação judicial ou que, presentes na assembleia, representem mais de 35% dos créditos; iii) a não imposição de obrigações novas aos sócios do devedor; iv) isenção das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos a serem novados que sejam de titularidade dos credores que apoiarem ou votarem favoravelmente ao plano apresentado pelos credores; v) a não imposição ao devedor ou aos seus sócios de sacrifício maior do que aquele que decorreria da liquidação da falência.
O plano de recuperação judicial apresentado pelos credores poderá prever a capitalização dos créditos, inclusive com a consequente alteração do controle da sociedade devedora, permitindo o exercício do direito de retirada pelo sócio do devedor.
Nota-se clara intenção do legislador, ao longo do tempo, de aumentar a participação dos credores nos processos de recuperação econômico-financeira de seus devedores. Com efeito, na antiga concordata, procedimento previsto no Decreto-Lei nº 7.661/45, que antecedeu a lei hoje em vigor, cabia ao credor tão somente sujeitar-se às condições previamente estipuladas em lei para pagamento das dívidas. A Lei nº 11.101/2005 aumentou a participação dos credores que passaram a negociar e deter, em regra, o poder de aprovação do plano de recuperação. Agora, com a atualização da legislação falimentar, atribui-se ainda maior protagonismo aos credores, que poderão propor o plano de recuperação, nas hipóteses e atendidas as condições legais previstas.
A Lei nº 14.112/2020 também busca solucionar um dos principais problemas enfrentados pelas empresas em crise econômico-financeira, qual seja, a dificuldade na obtenção de crédito. Para sanar tal situação, a nova lei prevê que o devedor em recuperação judicial poderá celebrar contratos de financiamento garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos seus ou de terceiros para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação.
O financiamento poderá ser realizado por qualquer pessoa, inclusive credores sujeitos e não sujeitos à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor. Caso a decretação da falência ocorra antes da liberação da integralidade do financiamento, este será automaticamente rescindido. Na hipótese de falência, o valor do financiamento entregue ao devedor será considerado crédito extraconcursal.
Outra novidade é a previsão da insolvência transnacional no ordenamento jurídico brasileiro. Há estipulações no sentido de que o credor estrangeiro tem os mesmos direitos dos credores nacionais nos processos de recuperação judicial, extrajudicial e falência; os créditos que não tiverem correspondência com a legislação brasileira serão considerados quirografários; será dispensada a carta rogatória para notificações e informações aos credores estrangeiros, que poderão ser realizadas por qualquer meio considerado adequado pelo juiz; o juiz brasileiro expedirá os ofícios e os mandados necessários ao Banco Central do Brasil para permitir a remessa ao exterior de valores a credores domiciliados no estrangeiro.
A nova lei ainda incentiva a mediação e conciliação entre o devedor e credores, sem suspensão dos prazos processuais, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial. É facultado ao devedor a obtenção de tutela de urgência cautelar a fim de que sejam suspensas as execuções contra ele propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (“Cejusc”) do tribunal competente ou da câmara especializada.
A nova lei também altera a Lei nº 10.522/2002 (que dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais) para ampliar a possibilidade de pagamento de dívidas tributárias federais em até 120 (cento e vinte) parcelas, em valores escalonados e crescentes. No tocante aos débitos junto à Receita Federal do Brasil (“RFB”), é prevista a possibilidade de pagamento de 30% da dívida com utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), ou mediante compensação com outros créditos junto à RFB, sendo o restante parcelado em até 84 (oitenta e quatro) vezes, também de forma escalonada e crescente.
A Lei nº 14.112/2020 entrará em vigor em 23 de janeiro de 2021 e terá aplicação imediata aos processos pendentes de recuperação judicial, extrajudicial e falência. No entanto, as disposições sobre a apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores, as alterações relativas à sujeição de créditos na recuperação judicial e ordem de classificação dos créditos na falência, a vedação da extensão dos efeitos da falência a sócios de responsabilidade limitada, controladores e administradores da falida (salvo desconsideração da personalidade jurídica), bem como sobre a extinção das obrigações do falido pelo decurso do prazo de três anos da decretação da falência, somente serão aplicáveis para os processos de recuperação judicial distribuídos ou falências decretadas/convoladas após a entrada em vigor da nova lei.
Espera-se que a Lei nº 14.112/2020 alcance a finalidade de trazer maior efetividade à legislação de recuperação judicial e falências, propiciando a reestruturação das empresas que foram duramente afetadas pela pandemia e pela crise econômica, de forma a preservar a fonte produtora, empregos e arrecadação, estimulando e impulsionando a atividade econômica no País.
Juliana Sardinha
Coordenadora do Núcleo de Litígios Especiais do VLF Advogados