A busca de requisitos objetivos em favor do dano moral indenizável
Tamires Fernandes
O instituto do dano moral é invocado quando existem situações que trazem à tona a responsabilidade civil do agente causador de dano na esfera extrapatrimonial. Portanto, para se caracterizar o dano moral indenizável é necessário que a conduta do agente tenha direta relação com o dano reclamado processualmente. Nessa perspectiva, considera-se que meros aborrecimentos do dia a dia que causam irritação ou dissabor não fazem parte da esfera ensejadora de reparação civil.
Por estar atrelada a direitos da personalidade, tal situação não é facilmente constatada e, por vezes, faz com que as pessoas recorram ao judiciário e obtenham decisões favoráveis desarrazoadas, gerando, consequentemente, a progressiva banalização do instituto do dano moral e a perda de sua essência jurídica.
O Superior Tribunal de Justiça, (“STJ”) em julgado recente (1), definiu balizas mais sólidas para a configuração da ofensa real aos chamados interesses existenciais. Estes, por sua vez, segundo o STJ, são caracterizados por dar efetiva margem à indenização quando violados.
Para melhor entendimento da decisão proferida no Recurso Especial de nº 1406245 (2), é necessário contextualizar o julgado. A decisão foi proferida nos autos de processo no qual o consumidor adquiriu um veículo usado, pagando parte do valor por meio de financiamento bancário. Ao tentar transferir a propriedade do veículo para si, o consumidor teve ciência de que o bem ainda estava alienado fiduciariamente a outra instituição financeira, o que tornou a operação inviável. Além disso, o autor do processo alegou que o veículo apresentou defeitos mecânicos.
Perante a narrativa, o consumidor buscou o judiciário para ver suas pretensões satisfeitas. Em primeira instância, o juiz declarou a rescisão do contrato e condenou a loja e a instituição financeira a devolverem ao consumidor os valores pagos pelo veículo. Já no Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”), as rés também foram condenadas ao pagamento de danos morais no valor de dez salários-mínimos, uma vez que restaram comprovadas a frustação do consumidor, bem como a falta de interesse das empresas em resolver a situação, visto que havia transcorrido o prazo de 90 (noventa) dias para o banco enviar o contrato de alienação fiduciária do veículo então adquirido.
Assim, a instituição financeira interpôs Recurso Especial questionando a condenação no TJSP, de modo que o STJ afastou os danos morais fixados, sob o entendimento de que os problemas narrados pelo consumidor não se concretizaram, pois este pagou as prestações do veículo por mero receio de negativação do seu nome e busca e apreensão do bem adquirido. No entanto, não foram efetivamente comprovados os danos apontados no veículo.
Nesse sentido, os alegados danos morais do requerente estão na esfera do dissabor, tendo o Ministro Relator destacado que o Código de Defesa do Consumidor estipula que para caracterizar a obrigação de indenizar é necessária a constatação efetiva de dano ao bem jurídico tutelado e não apenas a ilicitude da conduta.
Ou seja, o dano moral deve ser tratado estritamente no âmbito jurídico, não automaticamente associado ao aborrecimento, ao sofrimento e à frustração. Diante disso, o Ministro Relator entendeu que a indenização de cunho moral acaba por encarecer a atividade econômica, gerando reflexos negativos para o consumidor e traz consequências imprevisíveis no próprio mercado, além de alterar a finalidade do instituto jurídico. Tais consequências, portanto, demandam análise mais ponderada para a indenização extrapatrimonial.
O que se extrai do julgado é que o STJ, a fim de que o instituto não seja banalizado e transformado em fonte de recebimento de quantias por razões de menor relevância, deu mais um importante passo em busca da delimitação de aspectos objetivos para se caracterizar o dano moral.
Tamires Fernandes
Advogada da Equipe do Consumidor do VLF advogados.
(1) QUARTA Turma vincula dano moral a interesses existenciais e afasta indenização por frustração do consumidor. STJ. 3 de dezembro de 2020. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/03122020-Quarta-Turma-vincula-dano-moral-a-interesses-existenciais-e-afasta-indenizacao-por-frustracao-do-consumidor.aspx. Acesso em: 16 dez. 2020.
(2) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 1406245. Conhecido o recurso de BV FINANCEIRA SA CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO e provido, por unanimidade, pela QUARTA TURMA. Relator: Luis Felipe Salomão, 24 de novembro de 2020. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/. Acesso em: 16 dez. 2020.