A bitributação do contribuinte submetido ao regime de desoneração da folha de pagamento em razão da execução de contribuições previdenciárias pela Justiça do Trabalho
Yuri Brizon Reis
Com o advento da crise econômica mundial de 2008, o Governo Federal aprovou um pacote de medidas econômicas intitulado “Plano Brasil Maior” como mecanismo de redução dos custos dos fatores de produção, visando conferir maior competitividade às empresas e promover o desenvolvimento tecnológico.
Dentre essas medidas, foi editada a Medida Provisória nº 540/11 (“MP 540/11”) (1), posteriormente convertida na Lei nº 12.546/11 (2), que, em seu art. 7º, instituiu a denominada Contribuição Previdenciária Sobre Receita Bruta (“CPRB”) “em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (3)”.
A CPRB foi criada para desonerar a folha de salários de determinados segmentos econômicos que se utilizam de mão de obra intensiva, transferindo-se a tributação para a receita bruta dessas empresas, inicialmente, de forma obrigatória e, posteriormente, facultativa, conforme previsto na Lei nº 13.161/15 (4).
Ademais, segundo a própria exposição de motivos da MP 540/11, a referida contribuição visava desestimular a adoção de planejamento tributário nocivo consubstanciado na substituição de funcionários empregados pela prestação de serviços realizada por empresas subcontratadas ou terceirizadas, muitas vezes compostas por uma única pessoa, que acabava contribuindo para a precarização das relações de trabalho.
Entretanto, devido ao desconhecimento das normas de direito tributário por parte dos magistrados vinculados à Justiça do Trabalho, as sociedades empresárias sujeitas à CPRB condenadas ou que tenham firmado acordos no âmbito de reclamatórias trabalhistas têm sido impelidas a recolher contribuição previdenciária patronal sobre os valores pagos a título de verba remuneratória.
Isso se deve ao argumento de que o benefício da desoneração da folha de pagamento se aplicaria somente aos contratos de trabalho em curso (contribuições previdenciárias decorrentes do pagamento mês a mês das verbas trabalhistas), ou seja, a contribuição previdenciária sobre a receita bruta não se estenderia às condenações judiciais (5).
Ainda de acordo com esse entendimento, no que diz respeito às contribuições previdenciárias de créditos trabalhistas decorrentes de decisões judiciais, haveria regramento legal específico (6). Nos termos dos arts. 43 e 44 da Lei nº 8.212/91, art. 276, caput e §§ 2º e 6º, e art. 277 do Decreto nº 3.048/99 (7), bem como da Súmula nº 368 do Tribunal Superior do Trabalho (8), a sentença deve determinar o recolhimento da contribuição previdenciária sobre os créditos trabalhistas nela deferidos. Assim, não haveria que se falar, nessa hipótese, em aplicação da CPRB.
Não obstante o art. 114, inciso VIII da Constituição da República de 1988 (9) ter outorgado à Justiça do Trabalho a competência para a execução, de ofício, das contribuições previdenciárias decorrente de verbas remuneratórias reconhecidas em sentenças ou acordos trabalhistas, é forçoso reconhecer que, com a edição da Lei nº 12.546/11, que instituiu a CPRB, não mais subsiste, ao menos para as empresas enquadradas no novo regime substitutivo, a cobrança daquelas contribuições.
Esse, inclusive, é o posicionamento adotado pela Receita Federal do Brasil (“RFB”), conforme se deduz a partir da simples leitura do art. 18 da Instrução Normativa RFB nº 1.436/2013 (10):
Art. 18. No cálculo da contribuição previdenciária devida em decorrência de decisões condenatórias ou homologatórias proferidas pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, será aplicada a legislação vigente na época da prestação dos serviços.
§ 1º Se a reclamatória trabalhista referir-se a período anterior à sujeição da empresa reclamada à CPRB, a contribuição a seu cargo incidirá, exclusivamente, sobre a folha de pagamento, na forma do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991.
§ 2º Se a reclamatória trabalhista referir-se a período em que a empresa reclamada se encontrava submetida à CPRB, não haverá incidência das contribuições previstas nos incisos I e III da Lei nº 8.212, de 1991, nas competências em que a contribuição previdenciária incidir sobre a receita bruta.
§ 3º A empresa reclamada deverá informar à Justiça do Trabalho, em relação à época a que se refere a reclamatória trabalhista, os períodos em que esteve sujeita à CPRB.
§ 4º A empresa reclamada que se enquadra nas disposições do caput do art. 8º deverá informar à Justiça do Trabalho o período em que esteve sujeita à forma de cálculo ali descrita e o percentual de que trata o inciso II do caput desse artigo, relativo a cada uma das competências, mês a mês.
Nesse contexto, é importante lembrar que a substituição da contribuição patronal pela CPRB nem sempre é total. Isso porque os contribuintes que auferirem receitas decorrente de outras atividades e/ou de outros produtos não elencados na Lei nº 12.546/2011, deverão continuar a apurar a contribuição previdenciária patronal com base na folha de salários e realizar o recolhimento proporcionalmente ao montante de sua receita total (§ 1º do art. 9º).
Sobre o tema, a RFB editou a Solução de Consulta nº 161, de 17 de dezembro de 2012 (11):
EMENTA: CONTRIBUIÇÃO SUBSTITUTIVA. EMPRESAS QUE EXERCEM OUTRAS ATIVIDADES ALÉM DAQUELAS SUJEITAS AO REGIME SUBSTITUTIVO. BASE DE CÁLCULO. CONTRIBUIÇÃO DECORRENTE DE RECLAMATÓRIAS TRABALHISTAS. [...] 7. Quando o período da prestação de serviços recair sobre aquele em que a empresa sujeita-se ao regime substitutivo de que tratam os artigos 7º e 8º da Lei nº 12.546, de 2011, a contribuição previdenciária oriunda de ações trabalhistas: a) não será devida, se a receita bruta da empresa decorrer exclusivamente das atividades descritas nos arts. 7º ou 8º da Lei nº 12.546, de 2011, e b) será devida na forma dos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, sobre o valor da remuneração decorrente da sentença ou do acordo homologado, com incidência do redutor de que trata o inciso II do § 1º do art. 9º da Lei nº 11.435, de 2011, se a receita bruta da empresa for oriunda de atividades descritas nos arts. 7º ou 8º da Lei nº 12.546, de 2011, e de outras atividades não contempladas nesses dispositivos.
DOU de 21/12/2012 (nº 246, Seção 1, pág. 733)
O Parecer Normativo nº 25/2013, da Coordenação-Geral de Tributação (12), por sua vez, conclui que as normas que disciplinam a apuração das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração decorrente das sentenças condenatórias ou homologatórias da Justiça do Trabalho possibilitam a aplicação da legislação no tempo, inclusive a aplicação do regime substitutivo e misto de que tratam os arts. 7º e 8º, e o inciso II do § 1º do art. 9º da Lei nº 12.546/11.
Como não poderia ser diferente, o Tribunal Regional Federal da Terceira Região já se manifestou de forma idêntica (13). Na oportunidade, concedeu-se a segurança pleiteada por empresa de transporte de passageiros para assegurar seu direito líquido e certo de não ser compelida ao recolhimento da contribuição previdenciária decorrente de reclamações trabalhistas, enquanto permanecer sujeita ao regime de desoneração da folha de pagamentos, bem como reconheceu a possibilidade de compensação dos valores indevidamente pagos a título de contribuição previdenciária.
Mais recentemente, o juízo da 25ª Vara Federal Cível de São Paulo, no âmbito do processo nº 5007699-67.2020.4.03.6100 (14), declarou a não sujeição de determinada subsidiária de uma grande construtora sueca submetida ao regime da CPRB ao recolhimento de contribuição previdenciária em sentenças e ações trabalhistas. Além disso, a União foi condenada à devolução, mediante compensação ou repetição, dos valores indevidamente pagos.
Sendo assim, é patente o direito do contribuinte da CPRB de não ser compelido ao recolhimento de contribuição patronal em razão de sentença trabalhista e de reaver, através de compensação ou repetição, o montante eventualmente pago.
Para mais informações, procure a equipe de Contencioso Tributário do VLF Advogados.
Yuri Brizon Reis
Advogado da Equipe Tributária do VLF Advogados
(1) BRASIL. Medida Provisória nº 540, de 02 de agosto de 2011. Brasília, 03 ago. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/mpv/540.htm#:~:text=Institui%20o%20Regime%20Especial%20de,menciona%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em: 17 fev. 2021.
(2) BRASIL. Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011. Brasília, 15 dez. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12546.htm. Acesso em: 17 fev. 2011.
(3) BRASIL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Brasília, 25 jul. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm. Acesso em: 17 fev. 2021.
(4) BRASIL. Lei nº 13.161, de 31 de agosto de 2015. Brasília, 31 ago. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13161.htm. Acesso em: 17 fev. 2021.
(5) TRT da 3.ª Região; PJe: 0010477-76.2018.5.03.0185 (AP); Disponibilização: 11/02/2021; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Maria Stela Alvares da S. Campos.
(6) TRT da 3.ª Região; PJe: 0011340-90.2015.5.03.0038 (AP); Disponibilização: 04/04/2019; Órgão Julgador: Decima Primeira Turma; Relator: Luiz Antonio de Paula Iennaco.
(7) BRASIL. Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999. Brasília, 07 maio 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm. Acesso em: 17 fev. 2021.
(8) BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 368. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho. Brasília, 12 jul. 2017. Disponível em: https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_351_400.html#SUM-368. Acesso em: 17 fev. 2021.
(9) BRASIL. Constituição (1988). Constituição, de 05 de outubro de 1988. Brasília, 05 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 17 fev. 2021.
(10) RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Instrução Normativa nº 1.436, de 30 de dezembro de 2013. Brasília, 02 jan. 2014. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=48917&visao=anotado. Acesso em: 17 fev. 2021.
(11) RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Solução de Consulta nº 161, de 17 de dezembro de 2012. Brasília, 21 dez. 2012.
(12) RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Parecer Normativo nº 25, de 05 de dezembro de 2013. Brasília, 06 dez. 2013. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=48397. Acesso em: 17 fev. 2021.
(13) TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO, 5003710-49.2017.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 06/11/2019, Intimação via sistema DATA: 13/11/2019.
(14) SÃO PAULO. 25ª Vara Federal Cível. Sentença nº 5007699-67.2020.4.03.6100. Skanska Brasil Ltda. União Federal - Fazenda Nacional. Relator: Juiz Djalma Moreira Gomes. São Paulo, SP, 19 de outubro de 2020. Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região. São Paulo.