Forma-se maioria no STF contra a limitação territorial dos efeitos de decisões proferidas em ações civis públicas
Yuri Luna Dias
No dia 3 de março de 2021, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) deu início ao julgamento do tema 1.075 de repercussão geral, que trata da constitucionalidade da limitação territorial das decisões proferidas em ações civis públicas.
A discussão teve início no STF em abril do ano passado, quando o ministro relator Alexandre de Morais separou o tema do recurso extraordinário nº 1101937 e determinou a suspensão de todos os processos em que se discutia a abrangência das decisões proferidas em ação civil pública.
De acordo com o artigo 16 da Lei nº 7.347/1985 (Lei das ACPs), “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
No caso que foi tomado como representativo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região afastou a aplicabilidade desse dispositivo para que a sentença proferida naqueles autos não ficasse restrita apenas ao Estado de São Paulo, onde a ação foi ajuizada, mas valesse para todo o Brasil.
Ao proferir seu voto, já no dia 4 de março, Moraes considerou que a limitação territorial de decisões seria incompatível com a própria finalidade das ações civis públicas que visam a proteção aos interesses difusos e coletivos. Assim, não seria constitucional limitar o rol dos beneficiários da decisão de acordo com a competência territorial do caso.
No centro da controvérsia está a alteração promovida pela Lei nº 9.494/1997 no artigo 16 da Lei das ACPs, que restringiu a eficácia das sentenças aos “limites da competência territorial do órgão prolator”, regra que não estava prevista no texto original da Lei nº 7.347/1985.
Até 1997, a regra era que as sentenças proferidas em ações civis públicas teriam efeitos erga omnes, isto é, oponível a todos. Assim, um juiz do Rio Grande do Sul poderia dar uma decisão que afetaria relações de consumo de uma das partes que também atuasse no Ceará, por exemplo.
Com a modificação do art. 16, passou-se a limitar a eficácia dessas sentenças à competência territorial do órgão julgador. Essa alteração foi questionada ainda em 1997 pela ADIn 1.576, na qual o STF confirmou a sua constitucionalidade. Porém, o mérito da questão não chegou a ser apreciado, pois a ADIn foi arquivada por falta de aditamento da petição inicial. Em razão disso, multiplicaram-se os questionamentos judiciais sobre a referida limitação.
No julgamento do tema, que desta vez enfrenta o mérito da controvérsia, o ministro Alexandre de Moraes considerou que o art. 16 da lei das ACPs “não só fere a constitucionalização dos instrumentos de defesa de tutela coletiva, desde o mandado de segurança coletivo, mas também o princípio da igualdade e da eficiência da prestação jurisdicional”.
Com o relator, votaram os ministros Nunes Marques, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. O julgamento, no entanto, foi suspenso após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (“IDEC”), mais de 2.500 processos aguardam essa decisão do STF para terem seu curso retomado. O impacto, porém, deve ser ainda maior, porque o entendimento será aplicado também a ações civis públicas em que ainda não se discute a abrangência de suas decisões.
A conclusão do julgamento do tema 1.075 ainda não tem data para ocorrer, mas com a formação de maioria no STF pela inconstitucionalidade da limitação prevista no art. 16 da Lei das ACPs, tornou-se necessário fazer uma reavaliação dos impactos que sentenças nesses processos podem ter. No âmbito do Direito do Consumidor e de ações coletivas, o assunto ganha ainda mais relevância, porque amplia o rol daqueles que podem pleitear indenizações individuais a partir de decisões que reconheçam algum dano moral coletivo, por exemplo.
Importante lembrar, porém, que esse novo entendimento não vale para ações coletivas propostas por associação civil na defesa de interesses dos associados, pois, neste caso, o STF já se pronunciou pelo tema de repercussão geral 499, que é constitucional a limitação da eficácia das sentenças para que ela atinja apenas os filiados residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador.
Yuri Luna Dias
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados