Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: quando começa a ser aplicada e a quem se destina?
Maria Tereza Fonseca Dias
Conforme noticiado no Informativo VLF nº 75/2020, no mês de dezembro foi aprovada a nova lei geral de licitações e contratos administrativos. Naquela oportunidade foram indicadas as principais mudanças e inovações da legislação.
Com a conclusão da tramitação no Senado, revisão final do texto, assinatura dos autógrafos e envio para sanção ou veto do Presidente da República, foi finalmente publicada no Diário Oficial da União, a Lei nº 14.133, em 1º de abril de 2021. Trata-se da nova lei geral de licitações e contratos administrativos, editada para regulamentar o art. 22, XXVII, tomando em conta os conteúdos do art. 37, XXI, da Constituição da República de 1988.
A Lei nº 14.133 irá substituir as atuais leis vigentes sobre a matéria – a Lei nº 8.666/1993, a lei do pregão (Lei nº 10.520/2002) e a lei do Regime Diferenciado de Contratações (RDC – Lei nº 12.462/2011). Ela será aplicada subsidiariamente à Lei Geral de Concessões e Permissões de Serviços Públicos (Lei nº 8.987/1995), à Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/2004) e à Lei de licitação e contratação de serviços de publicidade e propaganda (Lei nº 12.232/2010).
A nova lei reproduz as que lhe são antecedentes, quando mantém a tradição de ser um texto analítico: possui 194 artigos, distribuídos em 5 títulos, 33 capítulos, 13 seções e 5 subseções. Excluindo-se as normas de caráter transitório; as normas penais – que foram transferidas para a parte especial do Código Penal (art. 178 da Lei nº 14.133/2021) – e o veto integral ao art. 172, o texto possui 183 dispositivos que passarão a regular a contratação pública brasileira, incluindo o seu planejamento, preparação, licitação, contratação e a aplicação de sanções administrativas.
No contexto da entrada em vigor da nova lei e ainda com inúmeras questões a serem analisadas e refletidas, serão respondidas três indagações básicas acerca da aplicabilidade da nova legislação: 1) quando entra em vigor e começa a ser aplicada?; 2) a quem se destina?; 3) quem e o que não estarão abrangidos pela nova lei?; 4) que objetos contratuais a lei alcança?
1) Quando entra em vigor e começa a ser aplicada?
A Lei nº 14.133 entrou em vigor no dia 1º de abril de 2021, portanto já pode ser, em tese, integralmente aplicada. Contudo, tendo em vista as previsões do seu art. 193, inciso II, a Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 10.520/2002 e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, somente serão revogadas após decorridos 2 (dois) anos da publicação da Lei nº 14.133, razão pela qual são grandes as chances de que a integralidade da nova lei somente comece a ser efetivamente aplicada após o decurso deste prazo e a revogação destas leis.
Há ao menos cinco outras justificativas para que a Administração Pública postergue em dois anos a aplicação da nova lei: a) a necessidade de regulamentação, conforme indicado em diversos de seus dispositivos; b) a necessidade de implantação do Portal Nacional de Compras, que nos termos da lei (art. 174 a 176), será o sítio oficial eletrônico de divulgação dos atos oficiais e para realizar as contratações, podendo, inclusive, ser utilizado por todos os demais entes federativos; e c) impossibilidade de aplicação combinada das leis vigentes (art. 191), sendo obrigatória a indicação expressa da escolha de uma delas no momento da licitação e contratação; d) necessidade de adaptação de rotinas administrativas e treinamento de pessoal; e) acompanhamento e discussão do assunto pelos especialistas e órgãos técnicos, dada a complexidade da matéria, pois a Administração buscará a maior segurança jurídica possível para a aplicação da nova lei.
A matéria referente aos crimes contra as licitações e contratos administrativos, por sua vez, alterou o Código Penal e entrou em vigor imediatamente, conforme previsto no art. 178 da nova lei.
Importante ainda destacar que, nos temos do art. 190 da nova lei, “o contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada.”
2) A quem a nova lei se destina?
A Lei nº 14.133/2021 foi editada no âmbito da competência legislativa privativa da União como “norma geral” de licitações e contratos (1) (art. 22, XXVII). Por esta razão ela é aplicável a todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o que inclui seus órgãos (administração pública direta) e entidades da administração indireta, como autarquias e fundações públicas.
O art. 1º, incisos, I e II, Lei nº 14.133/2021, integra o conteúdo desta previsão constitucional, ao incluir além da Administração direta e indireta do Poder Executivo, os seguintes:
I - os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa; e
II - os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública.
A Lei nº 14.133/2021 traz, ainda, os conceitos de órgão, entidade, Administração Pública e Administração, para fins de sua aplicação (art. 6º, incisos I a IV) (2).
Os Tribunais de Contas, no exercício da função administrativa, enquanto órgãos auxiliares do Poder Legislativo, também foram abrangidos pela lei. O Ministério Público e a Defensoria Pública, foram expressamente nominados no art. 156, § 6º, inciso II, da nova lei.
No âmbito privado, os interessados em contratar com a administração pública e que estarão submetidos ao regime desta lei são: o licitante e o contratado. A lei denomina licitante como pessoa física ou jurídica, ou consórcio de pessoas jurídicas, que participa ou manifesta a intenção de participar de processo licitatório, sendo-lhe equiparável, para os fins desta Lei, o fornecedor ou o prestador de serviço que, em atendimento à solicitação da Administração, oferece proposta (art. 6º, inciso IX).
Já contratado é definido pela lei como pessoa física ou jurídica, ou consórcio de pessoas jurídicas, signatária de contrato com a Administração (art. 6º, inciso VIII). Incluem-se entre os contratados, com regras próprias, as micro e pequenas empresas, nos termos do disposto no art. 4º, da Lei nº 14.133/2021.
3) Quem e o que não estarão abrangidos pela nova lei?
3.1 Empresas estatais
Conforme previsto no próprio texto constitucional, as empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista), tendo em vista o disposto no art. 173, § 1º, inciso III e art. 1º, § 1º, da Lei nº 14.133/2021, serão regidas por estatuto próprio, que está contido na Lei nº 13.303/2016, ressalvada a aplicação dos crimes em licitações e contratos administrativos (art. 178, da Lei nº 14.133/2021, que promoveu alterações na parte especial do Código Penal brasileiro).
3.2 Compras públicas realizadas no exterior ou com recursos estrangeiros
As compras públicas brasileiras podem ser realizadas em repartições sediadas no exterior ou envolver recursos estrangeiros. Nestes dois casos a aplicação da lei ou é mitigada, ou afastada.
As contratações realizadas no âmbito das repartições públicas sediadas no exterior obedecerão às peculiaridades locais e aos princípios básicos estabelecidos na Lei nº 14.133/2021 ou em regulamento específico a ser editado (art. 1º, § 2º).
Nas licitações e contratações que envolvam recursos estrangeiros – provenientes de empréstimo ou doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou de organismo financeiro de que o Brasil seja parte – podem ser admitidas condições e peculiaridades, desde que decorrentes (art. 1º, § 3º, incisos I e II):
I – de acordos internacionais aprovados pelo Congresso Nacional e ratificados pelo Presidente da República;
II – de peculiaridades acerca da seleção e da contratação constantes de normas e procedimentos das agências ou dos organismos internacionais, estabelecidas para a obtenção do empréstimo, desde que não conflitem com os princípios constitucionais em vigor e sejam indicadas no respectivo contrato de empréstimo ou doação.
A inaplicabilidade da lei, neste contexto, não se refere às licitações de âmbito internacional, regidas pelo art. 52 da nova lei de licitações.
3.3 Contratação da gestão das reservas internacionais do país e gestão da dívida pública
A Lei nº 14.133/2021 também não se aplica às contratações relativas à gestão, direta e indireta, das reservas internacionais do País, que serão disciplinadas em ato normativo próprio do Banco Central do Brasil, assegurada a observância dos princípios estabelecidos no caput do art. 37 da Constituição Federal (art. 1º, § 5º, Lei nº 14.133/2021).
Foi ainda previsto, textualmente, no art. 3º, que não estão subordinados ao regime da nova Lei:
I - contratos que tenham por objeto operação de crédito, interno ou externo, e gestão de dívida pública, incluídas as contratações de agente financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos;
II - contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria.
4) Que objetos contratuais a lei alcança?
A Constituição obriga a licitação para a contratação de obras, serviços, compras e alienações (art. 37, XXI) dos órgãos e entidades descritos na questão 1, supra.
Regulamentando este dispositivo, o art. 2º explicita e detalha sua aplicação aos seguintes objetos:
I - alienação e concessão de direito real de uso de bens;
II - compra, inclusive por encomenda;
III - locação;
IV - concessão e permissão de uso de bens públicos;
V - prestação de serviços, inclusive os técnico-profissionais especializados;
VI - obras e serviços de arquitetura e engenharia;
VII - contratações de tecnologia da informação e de comunicação.
As discussões e interpretações da nova lei iniciaram-se este mês e, considerando a abrangência e complexidade da matéria, em breve traremos informações sobre aspectos relevantes da nova lei de licitações e contratos administrativos.
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) Sobre o conceito de normas gerais e suas implicações jurídicas para a administração, Cf. DIAS, Maria Tereza Fonseca; BONIN, Stefânia M. Parcerias da administração pública com as organizações da sociedade civil: análise da Lei Nº 13.019/2014 como norma geral de contratação pública. In: MUZZI FILHO, Carlos Victor; SABO PAS, José Eduardo; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Org.). Relações administrativas bilaterais. Belo Horizonte: D'Plácido, 2016, v. 1, p. 145-175.
(2) Para os fins desta Lei, consideram-se:
I - órgão: unidade de atuação integrante da estrutura da Administração Pública;
II - entidade: unidade de atuação dotada de personalidade jurídica;
III - Administração Pública: administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e as fundações por ele instituídas ou mantidas;
IV - Administração: órgão ou entidade por meio do qual a Administração Pública atua.