Doing Business, Medida Provisória nº 1.040/21 e as alterações promovidas na Lei das S.A.
Fernanda Vidigal e Pedro Ernesto Rocha
Foi publicada, em 30 de março de 2021, a Medida Provisória nº 1.040/21 (“MP nº 1.040/21”) (1), promovendo alterações em diversos diplomas legais, dentre eles a Lei nº 6.404/76 (“Lei das S.A.”). De acordo com a sua Exposição de Motivos, a MP nº 1.040/21 (2) tem como objetivo incentivar o crescimento e a modernização do ambiente de negócios brasileiro e melhorar a posição do país no relatório Doing Business do Banco Mundial (3), que analisa o impacto das regulamentações aplicadas em relação às atividades empresariais ao redor do globo.
A leitura da MP nº 1.040/21 evidencia que a norma se construiu com base nos indicadores do Doing Business. O Capítulo II, por exemplo, refere-se ao indicador “Abertura de empresas”, e promove alterações na Lei nº 11.598/07, que instituiu a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – REDESIM, e na Lei nº 8.934/94, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis, visando justamente à facilitação dos procedimentos de constituição de sociedades. Já o Capítulo IV, atinente ao indicador “Comércio entre fronteiras”, traz regras que restringem as exigências incidentes sobre as importações e exportações e estabelecem soluções, como a do guichê único eletrônico (4), para facilitar a realização de operações cross border.
Da mesma forma, o Capítulo V trata da autorização para a criação do Sistema Integrado de Recuperação de Ativos, sob a governança da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, relacionando-se diretamente com o indicador “Execução de contratos” do Doing Business e visando a garantir maior efetividade na cobrança e recuperação de crédito.
Seguindo nesta toada, o Capítulo III da MP nº 1.040/21 promove alterações na Lei das S.A. quanto ao regime das companhias abertas, atendendo, assim, a mais um indicador do Doing Business: a “Proteção dos investidores minoritários”. As modificações realizadas dizem respeito a: ampliação das matérias de competência privativa das assembleias gerais; alteração do prazo de convocação das assembleias gerais; possibilidade de prorrogação do referido prazo pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) em razão da não disponibilização de documentos aos acionistas; vedação de acumulação de cargos da administração das companhias; e exigência de participação de conselheiros independentes.
No que se refere à ampliação das matérias de competência da assembleia geral, foram incluídas no rol das competências privativas do órgão (artigo 122 da Lei das S.A.) as deliberações sobre as alienações de mais de 50% dos ativos da companhia e sobre as transações com partes relacionadas tidas como relevantes conforme critérios a serem definidos pela CVM, nos termos do inciso X incluído no artigo 122 da Lei das S.A.
Já no que concerne à realização de assembleias gerais, o prazo mínimo de antecedência para a sua primeira convocação foi alterado de 15 para 30 dias (artigo 124, §1º, II, da Lei das S.A.), mantendo-se, todavia, o prazo de 8 dias para a segunda convocação. Sobre o assunto, a CVM editou recentemente a Resolução nº 25 (5), a fim de estabelecer regra de transição (6), determinando que a ampliação do prazo para 30 dias somente será aplicada às assembleias gerais convocadas a partir de 1º de maio de 2021, de modo que aquelas que forem convocadas até 30 de abril de 2021 poderão seguir a regra anterior de 15 dias de antecedência para a primeira convocação.
Ainda sobre o procedimento convocatório, a Lei das S.A. foi modificada para dispor que a CVM deverá indicar os documentos e informações cuja disponibilização intempestiva aos acionistas justificou a decisão da autarquia de adiar por até 30 dias a realização de uma assembleia geral, na forma do artigo 124, §5º.
A MP nº 1.040/21 também incluiu os parágrafos 3º e 4º no artigo 138 da Lei das S.A., vedando a acumulação pela mesma pessoa dos cargos de presidente do conselho de administração e de diretor-presidente ou principal executivo das companhias abertas – regra que poderá ser excepcionada por regulamentação da CVM nos casos de companhias com menor faturamento. Inseriu, além disso, novo parágrafo ao artigo 140 da referida Lei, estabelecendo a obrigatoriedade de participação de membros independentes no conselho de administração, segundo os termos e prazos a serem definidos pela CVM.
Tanto a proibição de acumulação de cargos quanto a exigência de conselheiros independentes eram regras já previstas no Regulamento do Novo Mercado da B3 (7), que, agora, passam a ser aplicáveis às sociedades anônimas de capital aberto em geral.
Vale lembrar que as alterações ora analisadas estão em vigor desde a data de publicação da MP nº 1.040/21 (30 de março de 2021), com exceção apenas da regra de vedação à acumulação de cargos, que produzirá efeitos após 360 dias contados da referida data, conforme prevê o art. 34 do novo diploma (8).
De todo o exposto, sob o enfoque das diretrizes de governança corporativa, as mudanças trazidas pela MP nº 1.040/21 reforçaram algumas práticas que já eram empregadas pelas companhias listadas no Novo Mercado da B3 (9), a fim de ampliar os direitos dos acionistas, e, assim, contribuir para a consolidação de um ambiente atrativo a investidores.
É necessário, agora, observar como o mercado reagirá às novas regras, acompanhando o seu real impacto em relatórios como o Doing Business e o efetivo cumprimento de seus objetivos para a economia brasileira.
Para mais informações, entre em contato conosco.
Fernanda Vidigal
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) BRASIL. Medida Provisória n.º 1.040, de 29 de março de 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Mpv/mpv1040.htm. Acesso em: 13 abr. 2021.
(2) Exposição de Motivos da Medida Provisória n.º 1.040/2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Exm/Exm-MP-1040-21.pdf. Acesso em: 13 abr. 2021.
(3) Atualmente, o Brasil ocupa a 124ª posição, em um total de 190 economias avaliadas, conforme a última edição do Doing Business de 2019. O relatório está disponível em: https://portugues.doingbusiness.org/pt/rankings. Acesso em: 13 abr. 2021.
(4) Sobre o guichê único eletrônico, a MP n.º 1.040/2021 assim determinou: “Art. 8º Será provida aos importadores, aos exportadores e aos demais intervenientes no comércio exterior solução de guichê único eletrônico por meio do qual possam encaminhar documentos, dados ou informações aos órgãos e às entidades da administração pública federal direta e indireta como condição para a importação ou exportação de bens a ponto único acessível por meio da internet”.
(5) Disponível em: http://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol025.html. Acesso em: 13 abr. 2021.
(6) Assim autoriza a MP nº 1.040/2021: “Art. 6º A Comissão de Valores Mobiliários poderá estabelecer regras de transição para as obrigações decorrentes do disposto neste Capítulo”.
(7) Conferir arts. 15 e 20 do Regulamento do Novo Mercado da B3 disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutura-normativa/listagem/. Acesso em: 13 abr. 2021.
(8) Sobre o assunto, o artigo 62 da Constituição de 1988 determina que as medidas provisórias constituem instrumentos com força de lei e produção de efeitos imediatos, estando em plena eficácia durante o período de tramitação no Congresso Nacional, cujo prazo é de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período, findo o qual podem ou não ser convertidas em lei, a depender de aprovação das duas Casas.
(9) “Na última década, o Novo Mercado firmou-se como um segmento destinado à negociação de ações de empresas que adotam, voluntariamente, práticas de governança corporativa adicionais às que são exigidas pela legislação brasileira. A listagem nesse segmento especial implica a adoção de um conjunto de regras societárias que ampliam os direitos dos acionistas, além da divulgação de políticas e existência de estruturas de fiscalização e controle”. Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/solucoes-para-emissores/segmentos-de-listagem/novo-mercado/. Acesso em: 13 abr. 2021.